Donald Fagen - "O Woody Allen da Música"
Por Edsão
Postado em 16 de maio de 2025
O motivo que me levou a criar o epíteto "O Woody Allen da Música" para o Donald Fagen, deve-se ao fato deles terem muitas afinidades e considerá-lo tão genial quanto o escritor e filmmaker novaiorquino.
Eles comungam das mesmas paixões: a música (o Allen, inclusive, toca clarinete em uma banda há anos), o cinema e suas trilhas sonoras, a literatura clássica e beat, as crônicas e personagens urbanos, a excelência e proficiência técnica em seus trabalhos, o senso de humor sarcástico e irônico, o fato de serem patrimônios da cultura norte-americana, além de, é claro, o amor incondicional que ambos têm pela cidade de Nova York.

O Fagen é um boomer; ou seja, nasceu durante o pós-guerra, enquanto o Allen é mais velho; veio ao mundo ainda em meio ao conflito mundial perpetrado pelo genocida, Adolf Hitler.
Donald nasceu em Nova Jersey, enquanto Woody na cidade de Nova York. ou seja; estavam separados apenas por um rio e alguns quilômetros, pois estes estados são adjacentes.
Os dois vieram de famílias com fé judaica, sendo que o Allen deu mais atenção à questão antissemita em sua obra.
Ao longo da vida, eles desenvolveriam fobias (no caso de Fagen, chegando a adquirir transtorno de personalidade antissocial, sobretudo, em turnês), enquanto Allen teria Toc e tornar-se-ia hipocondríaco.
Ambos tiveram formações acadêmicas voltadas à literatura e comunicação.

Segundo consta, o Fagen não curtia morar nos subúrbios classe média-baixa de Jersey e sonhava migrar para Manhattan (que deu título a um dos filmes mais célebres de Allen).
Parece que achava os Jersey´s discriminados pelos Yorkers - que os tinham como classe inferior.
Havia uma piada bem antiga e infame, em que os novaiorquinos tiravam sarro e perguntavam: você mora em New Jersey? E qual é a "saída"?
Sim, pois consideravam Nova Jersey como uma "rodovia" (no caso, a New Jersey Turnpike).
Dizia-se que muitos habitantes de Nova York conheciam New Jersey apenas porque usavam aquela estrada para ir à Filadélfia ou a Washington.
Enquanto New York era uma grande metrópole e considerada a "capital do mundo", New Jersey era tratada como uma "rodovia", em que, o que importava, para os Yorkers, não era o nome das cidades em que os Jersey’s moravam e, sim, qual a saída eles tinham que pegar para ir ou voltar à casa.

O custo de vida em Nova York sempre foi altíssimo, o que fazia com que muitas pessoas, inclusive brasileiros de renome, morassem em New Jersey para conseguir trabalhar na "cidade que nunca dorme".
Mal comparando, seria como se nós, paulistanos, ficássemos aloprando quem mora no município de Guarulhos, (que é muito próximo da capital), por causa da BR-116, a Rodovia Dutra, que, como você sabe, desemboca no Rio de Janeiro.
Bem, deixando de lado rixas e bairrismos, vamos nos ater às influências e carreira da dupla.
O Donald Fagen, ao contrário de Woody Allen (que não se dava bem com a mãe), foi influenciado pela matriarca, que outrora havia sido cantora em hotéis, e ouvia música em casa o tempo todo.

Assim, Fagen conheceria o Tradicional Jazz até ser impactado pelo Rock and Roll de Chuck Berry e Little Richard. Woody descobriria as obras clássicas, e apaixonar-se-ia pelo Bebop, cena e jazzistas de New Orleans.
Mais tarde, o Donald incorporaria ao seu som, o r&b, funk, blues de Chicago, soul music, reggae, bossa nova, e vocalizações elaboradíssimas, culminando em uma fusão pop/jazzística improvável e jamais vista, até então.
O Woody continuaria fiel às raízes, tendo como soundtrack permanente a música clássica e o jazz mais tradicional.
Prodígios desde cedo, Donald começou os estudos de piano com harmonias mais sofisticadas, enquanto Allen já escrevia para a televisão, publicava livros, e encenava peças de humor.

Uma diferença significativa entre eles, é que o Woody sempre seria um artista prolífico, tendo realizado dezenas de filmes, enquanto o Fagen produziria, pode se dizer, até que poucos álbuns, tanto com sua banda, a excepcional, "Steely Dan" (que começou com pegada rocker), quanto os apenas quatro de sua carreira solo – visto seu potencial e talento artístico serem gigantescos.
Observação: não vou tecer mais comentários sobre este espetacular "supergrupo de 2 integrantes", o "Steely Dan", formado com o amigo e parceiro de Fagen, o guitarrista e produtor, Walter Becker -infelizmente, falecido em 2017-, pois merecem um texto exclusivo sobre a carreira deles.
Antes de formar o Steely Dan, Donald Fagen mudou-se, por um breve período, para Los Angeles, pois conseguira um trabalho lá, em uma das majors fonográficas da época.

Atuou como compositor e escreveu músicas para artistas Pop. Acompanhou bandas da época na estrada, até o Steely Dan assinar contrato com uma gravadora e alcançar sucesso comercial.
Nesta mesma época, o Allen já brilhava na sétima arte como ator na comédia "Play it Again, Sam" (no Brasil, "Sonhos de um Sedutor"). Um dos filmes mais engraçados da história, com o Woody dividindo a tela com atores formidáveis como Tony Roberts, o "fantasma" de Humprey Bogart, e seu par romântico, a então esposa, Diane Keaton. Hilário!
Como Fagen comentou no making of da obra-prima "Aja", do Steely Dan, quando ele morou em L.A., sentiu-se desconectado da cidade, chegando a ficar doente, e com muitas saudades de Nova York, o que, por fim, resultou na composição da magnifica canção, "Home At Last".

O mesmo aconteceria com o personagem de Allen quando ele ia à "cidade dos anjos" para receber um prêmio ou correr atrás de sua amada, como no ganhador do Oscar, "Annie Hall", de 1977, (que aqui saiu com o título ultrajante de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa").
Quanto à figura de cada um, a meu ver, sempre foram díspares:
Enquanto Donald Fagen sempre aparentou ser um bon-vivant, low profile, e dono de um estilo cool, com suas jaquetas de couro, óculos escuros, e mise en scéne a la Ray Charles, Woody Allen lembrava o estilão de seu cineasta favorito, o diretor sueco, Ingmar Bergman, workaholic, com suas indumentárias triviais e conflitos existencialistas cotidianos.
Consagrados mundialmente, Fagen foi agraciado com vários Grammy Awards, além de ter sido induzido ao Rock And Roll Hall Of Fame com o Steely Dan, e laureado doutor honorário em música pela Berklee College Of Music.

Allen foi premiado como roteirista e diretor em diversos Globos de Ouro e Oscar, além de receber as mais altas honrarias da academia de artes e ciências cinematográficas, e ser laureado em festivais internacionais.
Artistas singulares, autorais e prestigiados que são, também têm em comum o privilégio de poderem produzir apenas o que lhes aprouver, quando, onde, e com quem quiserem.
Assim como os maiores músicos de estúdio ambicionam participar de um álbum de Donald Fagen, os grandes atores, atrizes e estrelas de Hollywood, desejam atuar em uma película de Woody Allen.
No que concerne aos desenvolvimentos de suas obras, são bem diferentes: enquanto o Fagen, além de virtuoso, é pragmático e quase um déspota durante suas gravações, Allen não se apega tanto a repetir minuciosamente o que está escrito em seus roteiros; é flexível e deixa espaço para que os artistas improvisem sobre seu texto ou alterem suas falas, sem maiores problemas.

Donald Fagen está com 76 anos de idade, não lança um novo álbum desde ‘Sunken Condos" de 2012, e no momento, não tem feito shows.
Woody Allen completou 88 e anunciou que seu último filme, "Coup de Chance" ("Golpe de Sorte", no Brasil), pode ser o derradeiro de sua carreira.
E o futuro? Por enquanto, resta-nos apenas celebrar a vida e obra destas lendas vivas da música e do cinema, e esperar que continuem a nos surpreender!

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