Como o "sofrimento" de um incrível vocalista gerou uma maravilhosa balada sobre dor e cura
Por Bruce William
Postado em 10 de novembro de 2023
O Nazareth é uma banda muito querida dos brasileiros. Formado em 1968 na Escócia, o grupo atingiu reconhecimento internacional na década de setenta, graças em grande parte ao trabalho de guitarra de Manny Charlton, que criou riffs poderosos e fez solos melódicos e expressivos, e muito também pelo marcante vocal de Dan McCafferty, conhecido por sua voz rouca, emotiva e inigualável. Na formação clássica do Nazareth estavam, além de McCafferty e Charlton, o baixista Pete Agnew e o baterista Darrell Sweet, quarteto que criou uma fusão envolvente de rock, blues e hard rock que deixou uma marca eterna na cena do rock.
A banda emplacou vários sucessos naquela década, indo desde músicas mais roqueiras e agitadas como "Hair of the Dog" e "Razamanaz" até baladas cortantes como "Where Are You Now" e "Love Leads To Madness", que chegou a ser trilha sonora de uma novela brasileira, tendo sido uma boa vendedora de discos na época em que isto era muito relevante. Mas vamos ser sinceros: a banda é conhecida até mesmo fora do círculo roqueiro por sua releitura de "Love Hurts", canção que fez tanto, mas tanto sucesso, a ponto de atingir o primeiro lugar em vários países e até mesmo de estar entre as dez mais da parada norte-americana.
Escrita pelo compositor norte-americano Boudleaux Bryant, "Love Hurts" teve sua primeira gravação feita pelos Everly Brothers em julho de 1960, mas como não foi lançada em single, ela não chegou a pontuar nas paradas. No ano seguinte, Roy Orbison registrou a sua versão, que chegou ao topo da parada australiana, tendo a canção sido gravada por diversos outros artistas no decorrer dos anos.
Uma destas regravações, feita por Emmylou Harris e Gram Parsons, acabou sendo incluída em um álbum póstumo do cantor, "Grievous Angel", de 1973, e foi esta versão que chamou a atenção do Nazareth. "Fazíamos covers de músicas que gostávamos e que ouvíamos em fitas. Quando gravamos 'Love Hurts', acredito que já haviam sido feitas 42 versões diferentes dela. A que costumávamos ouvir era a de Gram Parsons e Emmylou Harris, tínhamos ela em fita na nossa van e adorávamos escutá-la", contou Pete Agnew em entrevista à Classic Bands.
"'Love Hurts' está em 'Hair Of The Dog', que foi o grande sucesso na América", conta Pete. "Essa é a única versão em que ela está, na cópia americana de 'Hair Of The Dog'. No resto do mundo, a música que está lá no lugar é 'Guilty'. Gravamos 'Love Hurts' como lado B de um single. Toda vez que você está em um estúdio e termina a gravação de um álbum, pode fazer alguns lados B. Você evita de lançar duas músicas do seu álbum em um single, então você pegava uma faixa de um álbum e a colocava junto com um dos lados B que você gravou no estúdio. E 'Love Hurts' foi gravada como lado B. Não era nossa ideia que fosse um single".
Mas Pete conta que tudo mudou quando um executivo da gravadora ouvia a música: "Levamos o álbum para Jerry Moss na A&M Records. Jerry ouviu "Love Hurts" primeiro e disse pra gente tirar 'Guilty' e colocar 'Love Hurts' no lugar. Graças a Deus por Jerry Moss! Essa foi a música que estourou na América". Pete então diz que o sucesso de "Love Hurts", que além da versão norte-americana do "Hair of the Dog" só pode ser encontrada em coletâneas do Nazareth, ajudou a impulsionar as vendas dos outros álbuns da banda.
"Love Hurts" tem uma letra que remete à dor, sofrimento, sugerindo que o amor pode tanto trazer alegria quanto tristeza, e ao mesmo tempo que pode afetar, pode também ser objeto de cura. E a interpretação de Dan foi tão marcante que o entrevistador elogia o trabalho do vocalista e pergunta se ele estava realmente sofrendo na gravação, e o baixista responde, entre risos, que sim. O entrevistador se assusta com a resposta e risada de Pete, e pergunta: "Você riu quando eu disse que Dan McCafferty parecia estar sofrendo quando cantava 'Love Hurts'. Ele acabara de terminar com uma namorada?"
Pete então explica: "Não. O alcance vocal era fisicamente desafiador, a extensão real da música. Mas há uma história por trás disso, e envolve um casamento ao qual Dan e eu comparecemos enquanto gravávamos na Inglaterra. Nós viajamos para a Escócia para a celebração de um amigo. Deixamos o baterista e o guitarrista no estúdio, que decidiram iniciar as faixas de apoio para 'Love Hurts'. Ao retornarmos no dia seguinte, eles a gravaram exatamente na mesma tonalidade de Gram Parsons e Emmylou Harris. No entanto, a oitava em que estavam cantando era muito baixa, o que exigiu uma mudança de oitava. Foi assim que a música acabou sendo cantada neste tom. Se a gente estivesse no estúdio durante o processo, a música não teria sido gravada assim e provavelmente não teria atingido o sucesso que alcançou", conclui o baixista.
Até hoje, "Love Hurts" continua sendo tocada mundo afora, e volta e meia é utilizada em programas de TV e filmes, além de ter continuar sendo regravada por inúmeros artistas, tanto que uma das outras versões que também fez sucesso no Brasil foi a da Cher, que foi trilha sonora da novela "Vamp", exibida pela TV Globo em 1991 e está disponível no youtube. E apesar de não ter escrito "Love Hurts", certamente a maior parte das pessoas que tem memória afetiva com a canção se recorda da versão do Nazareth, que abriu muitas portas para a banda e fez com que eles fossem conhecidos mundialmente.
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