Shows Internacionais de Rock no Brasil: Capítulo 1 - Bill Haley e seus cometas em 1958
Por Daniel Queiroz
Postado em 29 de agosto de 2021
Olá, amigos! Iniciaremos uma série que abordará os shows internacionais que rolaram no Brasil antes do primeiro "Rock in Rio" em 1985. Em cada capítulo nos dedicaremos a um show específico, contando fatos e curiosidades que sempre acontecem em eventos dessa natureza. O Brasil até 1985 nunca foi endereço obrigatório de shows de rock. A realização desses shows só foi possível graças a visão idealista de alguns promotores. Alguns deles, inclusive, realizaram esses eventos sem nenhum retorno financeiro. É para esses visionários, bem como, os fãs de rock em geral que dedicamos essa série.
Bill Haley
Bill Haley (Willian Jonh Clifton Haley) nasceu em Highland Park, Michigan em 6 de julho de 1925. Aos quatro anos, foi submetido a uma cirurgia no ouvido interno da mastoide que cortou acidentalmente o nervo ótico que o deixou cego do olho esquerdo para o resto da vida.
Devido à crise econômica que aconteceu durante o período da "grande depressão", sua família se mudou para Pensilvânia. Lá, Bill Haley passou sua adolescência e trabalhou como motorista de caminhão e na fábrica de motores Baldwin.
Aos dez anos, Bill Haley fabricou uma guitarra artesanal de papelão. Ao completar 12 anos, ganhou de presente do seu pai, o primeiro violão.
A partir daí, começou a fazer pequenas apresentações em feiras locais, depois, montou uma banda chamada "western swings". Durante seis anos, Bill Haley foi diretor musical da rádio "Station WPWA", em Chester, na Pensilvânia. Enquanto liderava sua banda, "Bill Haley’s Saddlemen" tocavam em clubes e na rádio. O grupo assinou com Dave Miller Holliday Record´s e em 14 de junho de 1951gravando uma versão dos "Delta Cats", a canção "Rocket 88".
Em 1952 os "Saddmen" foram renomeados para "Bill Haley with Harley’s Comets", nome sugerido por Bob Johnson, diretor de programação da estação de rádio WPWA, onde Haley tinha um programa ao vivo. Em 1953 Harley grava "Crazy Man, Crazy" que se tornou a primeira canção de "rock and roll" a atingir as paradas americanas.
Em seguida, a banda trocou de nome, passando a se chamar "Bill Haley and his Comets". Em 1954, gravaram "Rock Around the Clock" uma regravação da música originalmente gravada por Sonny Dae & his Knights. Essa música tinha sido gravada um mês antes e foi colocada no lado B de "Thirteen Woman" canção essa que a gravadora apostava. "Rock Around the Clock" já tinha sido oferecida a Bill Haley em 1952, mas foi recusada pelo produtor.
Inicialmente, a canção não emplacou, porém, em 1955 fez parte da trilha sonora do filme "Blackboard Jungle" que no Brasil recebeu o título de "Sementes da Violência". Estrelado por Glenn Ford, foi um sucesso absoluto ficando no topo das paradas americanas por oito semanas.
O disco "Rock Around the clock" foi o primeiro a vender mais de 1 milhão de cópias. Na Grã-Bretanha e Alemanha. Vendeu cerca de 15 milhões em todo mundo, o sucesso levou Bill Halley and his Comets a se apresentar no programa Ed Sullivan, sendo a primeira apresentação de rock no programa.
Bill Haley no Brasil
O nome de Bill Haley começou a ser comentado no Brasil em pequenas notas de jornais em 1954. Tornando-se popular a partir de outubro de 1955 quando chega em cartaz o filme "Blackboard Jungle" de Richard Brooks sob o título de "Sementes da Violência".
O filme baseado no livro homônimo de Evan Hunter, começa e termina com a música "Rock Around the Clock". No Brasil, o filme provocou quebradeiras nos cinemas que foram atribuídas a rebeldia dos personagens e a música. A partir daí, começou a relacionar o gênero musical com a rebeldia Juvenil. Figuras como Tom Zé e Raul Seixas, muito tempo depois, comentaram suas reações ao assistir ao filme.
O fato é que a música virou "coqueluche" no Brasil e logo recebeu gravações, a cantora de samba, Nora Ney foi escolhida para regravar "Rock Aroud the Clock" ou Ronda das horas como foi intitulada no final de outubro de 1955, acompanhada pelo sexteto da gravadora continental. O fato dela saber inglês foi determinante para a sua escolha. Assim, tornou-se a primeira gravação de rock no Brasil.
O impacto do filme foi tamanho que no selo do disco da cantora Nora Ney é feita referência ao filme. Logo depois, Heleninha Silveira grava a versão em português com o título de "Ronda das Horas". A versão de autoria de Júlio Nagib é considerada a primeira gravação de Rock em português. Em dezembro de 1955, coube ao acordeonista, Fronteira, gravar uma versão instrumental do sucesso.
Em dezembro de 1956, estreia no Brasil, o filme "Rock Around the Clock" de Fred F. Sears. Um musical que traz além de Bill Haley outras vozes do rock como Alan Freed e The Platters. Nesse mesmo ano, Marisa Gata Mansa grava mais uma versão para "Rock Around the Clock"
Em 1957, Bill Haley já era figura carimbada nas paradas de sucesso do Brasil tendo seu disco entre os mais vendidos e suas músicas entre as mais tocadas. Um reflexo disso, foi a gravação de uma versão de "See You Latter Alligator" feita por Júlio Nagib, e gravada por Agostinho do Santos com o peculiar nome de "Até Logo Jacaré".
Em primeiro de dezembro de 1957, o jornal "Correio da Manhã" dá a notícia que depois de algumas propostas recusadas, finalmente, Bill Haley e seus cometas decidiram assinar o contrato para excursionar na américa latina. No ano seguinte, o mesmo jornal noticiou que o conjunto recebeu 6.500.000 cruzeiros, mais passagens, estadia e demais despesas para apresentações em 11 cidades da América do Sul. A empresa que trouxe a banda foi a "Continental Artists", dessa forma, estava aberto o caminho para as apresentações no Brasil.
No dia 08 de abril de 1958, o jornal "Folha da Manhã" informou sobre os shows em São Paulo. Em abril desse mesmo ano, o "Jornal do Brasil" divulgou as apresentações e quanto custariam. Na época, divulgou-se que Bill Haley e seus cometas receberiam 27.000 dólares pelas apresentações.
No dia 20 de abril de 1958, chega em São Paulo, trazido pelas emissoras unidas, grupo do qual estava integrada a TV Record, Bill Haley e seus cometas que desembarcaram no aeroporto de Congonhas, e foram recebidos pela imprensa local. O primeiro a entrevistá-lo, foi o então repórter Silvio Luiz que depois se tornaria famoso locutor esportivo. Na chegada era esperado por muitos jovens, que segundo a imprensa da época, "eram inquietos e barulhentos. Usando blue jeans, camisas de cores "berrantes" e com faixas com saudações em inglês esses jovens aguardavam no aeroporto. Devido ao atraso, o voo que estava previsto para às 9h30min e só chegou às 12h30min, muitos desses fãs desistiram de esperar, os que continuaram, invadiram a pista do aeroporto ao chegar o avião. A chegada de Bill Haley foi documentada pela TV Record e pode ser vista em vídeos na internet. Como neste link.
[an error occurred while processing this directive]Ao chegar em São Paulo, deu entrevista ao jornal O Correio da Manhã. Entre as perguntas feitas, a maioria estava relacionadas ao seu "pega-rapaz" e a relação entre sua música e a delinquência juvenil. Bill Haley, deu a seguinte resposta: "Não vejo nenhuma ligação do rock and roll com problemas psicológicos da juventude o que sucede é que nossa música é muito fácil de ser aprendida e tocada mesmo por crianças de cinco anos de idade e isso atraí os jovens. É música de exteriorização que substitui a tristeza pela alegria".
Bill Halley estava acompanhado de "seus cometas" formados por: Rubem Pompille, no sax; Halph Jones, na baterista; Billey Williamson, na guitarra e voz; Jonny Grande, arranjador e acordeonista; Francis Brecher, na guitarra e voz; e, Al Rex, no contrabaixo.
Em São Paulo, Bill Haley e seus cometas estrearam no Teatro Paramout (hoje teatro Renault). Nos dias 22, 24 e 27 de abril com apresentação de Blota Junior e abertura de grupos de dançarinos, com a participação do humorista Pagano Sobrinho e do músico William Fourneaut o evento foi transmitido pela Rádio Record e pelo Canal 7 (TV Record). No primeiro dia de apresentação, Bill Haley teve suas roupas rasgadas pelos admiradores fazendo com que mais de 100 policiais tivessesm que garantior a entrada e a saída dos astros ao teatro.
[an error occurred while processing this directive]Em São Paulo, o cantor teve uma agenda cheia com entrevistas e apresentações. O Teatro Paramount, a boate "Oasis" e a cidade de Santos foram alguns lugares que se apresentaram. Em Santos, no ginásio do Clube Atlético Santista, tocou para aproximadamente 10 mil pessoas.
A cidade do Rio de Janeiro também foi palco de apresentação de Bill Haley. No dia 28 de abril, Bill Haley desembarcou com "seus cometas" no aeroporto do Santos Dumont. Com problema na decolagem a chegada prevista para às 15h, só foi possível, às 17h. Diferente de São Paulo, a recepção foi considerada fria e sem muita empolgação, atribuída ao atraso do voo. Estavam presentes, no aeroporto, jornalistas e seis integrantes do Clube do Rock. Bill Haley acenou para os poucos fãs, em seguida, foi para o Hotel Glória, onde ficou hospedado e deu entrevista.
Ao ser perguntado se o rock tinha deixado ele rico, respondeu sem pestanejar: "O rock me deu muita fama e pouco dinheiro". Ao ser questionado sobre a vendagem de discos ele revelou que "Rock Around the Clock" tinha vendido cerca de 15 milhões de cópias em todo mundo, e ainda se queixou da pesada taxa do imposto de renda nos EUA.
As apresentações no Rio de Janeiro ocorreram na TV Rio, na Boate Fred’s, no Teatro "República", no Teatro "Boite", no ginásio do Fluminense, finalizando no Maracanãzinho. No Maracanãzinho, Bill se apresentou e teve como abertura o "Clube do rock" com show de dança e mímicas, clube criado por Carlos Imperial que tinha entre seus membros o futuro cantor Roberto Carlos.
Durante sua estadia no Rio, Bill Haley passeou pela cidade carioca, disse que gostava de pescar, que colecionava obras de arte, que seus compositores preferidos eram Bach e Beethoven, ainda se comprometeu a ouvir samba. Participou de um ato político organizado pelo Ministro da Fazenda, José Maria Alkmin, tio-avô do ex-governador Geraldo Alkmin que consistia em quebrar xícaras pequenas como forma de aumentar o consumo de café no Brasil.
Segundo o Ministro, o brasileiro estava tomando pouco café e aumentar o consumo interno de quatro para sete milhões de sacas melhoraria situação mundial do nosso principal produto de exportação. A fórmula encontrada foi abandonar o consumo do cafezinho e adotar o uso de xícaras médias com o objetivo de diminuir o excedente da produção, a sugestão do ministro foi recebida com surpresa e nem todos quiseram aderir à campanha, mas o "Jornal do Brasil" do Rio resolveu dar o exemplo, além de nomear a campanha como "operação xícara" estampou algumas personalidades quebrando suas pequenas xícaras e Bill Haley foi convidado a aderir.
Meio tímido e por questão de gentileza, participou desse ato inusitado, inocente e pitoresco, frisando que não queria, de forma alguma, interferir na política interna do Brasil. Bill Haley foi fotografado quebrando a xícara, como mostra a imagem a seguir.
Entre os shows no Rio, Bill Haley seguiu para Belo Horizonte para mais um show, cumprindo assim, sua agenda em solo brasileiro. Em seguida, seguiu turnê para Buenos Aires na Argentina. Retornou ao Brasil em 1975, mas sem a notoriedade dos anos 50.
Ao ser entrevistado no Brasil, entre as perguntas mais presentes estavam as relacionadas sobre a relação do Rock com a delinquência juvenil. Em uma de suas respostas, que faço questão de finalizar nosso primeiro encontro, por achar tão atual e pertinente, Bill Haley respondeu: "O Rock pela natural alegria e movimentação que traz consigo é um paliativo para intricados problemas da mente humana".
Até o nosso próximo encontro.
Fontes: Acervo digital da Revista "Manchete".
Acervo digital da Revista "O Cruzeiro".
Acervo digital do Jornal "A folha de São Paulo".
Acervo digital do jornal "O estado de São Paulo".
Acervo digital do jornal "O Globo".
Acervo digital do Jornal "O Correio da Manhã".
Sites:
https://super.abril.com.br/cultura/a-hora-do-rock/
http://cartazes-internacionais-no-brasil.blogspot.com/2018/12/1-9-5-
8.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Bill_Haley
http://memoriasantista.com.br/?p=1588
Antes do Rock In Rio: Os shows internacionais de Rock no Brasil
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps