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Rush: "2112", a semente da revolta contra um estado totalitarista

Por Vagner Cruz
Postado em 17 de outubro de 2015

"2112", uma incrível suíte com pouco mais de vinte minutos composta por sete partes, segue a história de um indivíduo anônimo da cidade fictícia de Megadon, após este despertar para alguns elementos estranhos ao seu mundo quando descobre um violão, instrumento desconhecido com o qual poderia produzir sua própria música. Em sua realidade, pessoas autônomas cuja criatividade poderia impulsionar o desenvolvimento pleno da sociedade desapareceram há algumas gerações, sendo substituídas por um grupo de Sacerdotes que mantém a ordem e a estabilidade a partir de um forte aparato tecnológico. O protagonista se sente desolado após a rejeição do seu esforço em obter a aprovação para que a música pudesse fazer parte novamente da vida das pessoas. Após um profundo transe, ele experimenta visões de como os homens viviam no passado, o que lhe desperta ao mesmo tempo maravilha, ira e desesperança. Ciente de sua incapacidade de lutar sozinho contra todo o gigantesco sistema, o cidadão comete suicídio em um momento de profunda desolação e desespero. Porém, o sonho de restaurar a vivência onde as pessoas pudessem crescer e prosperar livremente não se extingue. A raça humana mais antiga, que ainda não havia desaparecido por completo, retorna triunfante, e a história mostra o caráter de uma vívida parábola: a indústria da música, que sacrifica a criatividade pelo o lucro, seria definitivamente derrotada. A essência aqui é a crítica da banda ao negócio, este que geralmente se dispõe a controlar a expressão do artista.

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De qualquer forma, o trabalho na canção "2112" relaciona-se intimamente ao romance Anthem, lançado em 1937 pela escritora e filósofa russa Ayn Rand. Nascida em 06 de março de 1905 na cidade de São Petersburgo, Rand passou a viver nos Estados Unidos a partir de 1926, tendo optado por divulgar sua filosofia inicialmente a partir de obras de ficção. Seu trabalho a define como uma das mais intransigentes e coerentes defensoras não somente da razão contra as várias formas de irracionalismo, mas do indivíduo contra as várias formas de coletivismo (social ou estatal) e da liberdade contra todas as formas de servidão.

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Em Anthem, que trouxe inspiração para Neil Peart na composição lírica de "2112", Rand fala sobre um futuro inespecífico quando a humanidade entrava numa nova época de escuridão, resultado dos males da falta de razão, do coletivismo (o estado maior que o indivíduo) e da fraqueza desse tipo de pensamento. Os avanços tecnológicos são cuidadosamente planejados, e o conceito de individualismo fora completamente eliminado (por exemplo, a palavra "Eu" desaparecera das línguas). Como é comum em seu trabalho, Rand traça uma distinção clara entre os valores de igualdade e fraternidade com os de propriedade e individualidade. Ela ilustra as ameaças à liberdade humana, inerente às noções sociais do altruísmo e da caridade, criando a imagem de um mundo afundado na barbárie através de um sentimento de obrigação social.

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"Não sou primariamente uma advogada do capitalismo, mas do egoísmo; e não sou primariamente uma advogada do egoísmo, mas da razão. Se alguém reconhece a supremacia da razão e a aplica consistentemente, tudo mais se segue. Isto - a supremacia da razão - foi, é e será a preocupação primária de meu trabalho, a essência do Objetivismo. A razão na epistemologia leva ao egoísmo na ética, que por sua vez leva ao Capitalismo na política. A estrutura hierárquica não pode ser invertida, nem pode um nível posterior se sustentar sem o fundamental".

"Não podemos lutar contra o coletivismo, a menos que lutemos contra sua base moral: o altruísmo. Não podemos lutar contra o altruísmo, a menos que lutemos contra sua base epistemológica: o irracionalismo. Não podemos lutar contra nada - a menos que lutemos por alguma coisa: e aquilo pelo que devemos lutar é a supremacia da razão, e uma visão do homem como ser racional".

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Os temas e a narrativa de "2112" estão próximos a Anthem, obra que já havia emprestado o título para a canção de mesmo nome do álbum Fly By Night, de 1975. O livro se desenvolve em um cenário distópico no qual é proibido existir sozinho ou pensar em si mesmo. Tal fato se reflete primariamente na linguagem, não havendo a palavra "eu" e sim "nós". O chamado Conselho Mundial (World Council) é a instituição que dita as regras e todas as funções, não devendo haver questionamento do que é instituído pela organização. Não há aqui a vontade individual, apenas a necessidade coletiva de uma sociedade cujo lema diz "Somos um em todos e todos em um. Não há indivíduos, apenas um grande NÓS - uno, indivisível e eterno". Dessa forma, as pessoas não dispõem de nomes, e o protagonista da história chama-se Igualdade (o mesmo nome de todos os outros) seguido do código 7-2521. Ele desejava ser um acadêmico, mas o Conselho das Vocações decidiu que deveria excercer a profissão de varredor de ruas. Mesmo insatisfeito diante da escolha, ele apenas aceita afirmando, "que seja feita a vontade de nossos irmãos", como todos fazem. Mas, mesmo com a profissão indo contra o seu desejo, o pecado original de Igualdade 7-2521 não desaparece. Ele ainda consegue cometer os crimes de se apaixonar e de estar sozinho.

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Como representado em "2112", o livro se revela como uma ode romântica ao individualismo, representado por um caminho para a liberdade e uma crítica ao coletivismo. Ambos os personagens sofrem com a falta de liberdade criativa em uma sociedade que, assim como a Estrela Vermelha da Federação Solar, leva o controle sobre as pessoas ao extremo, eliminando qualquer possibilidade de desenvolvimento individual.

"Nossa canção 2112 foi baseada, por coincidência, nas circunstâncias de uma das histórias de Ayn Rand", explica Peart. "Dessa forma, decidi dar o crédito a ela. Percebi que, conforme a ideia avançava sobre a redescoberta da música criativa no futuro, na história dela era exposta a descoberta da eletricidade em um futuro totalitário. Não me propus a adaptar sua ideia em um formato musical mas, com o desenvolvimento do conto em '2112', percebi um paralelo com as circunstâncias de sua história".

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"Quando estávamos em busca de um nome para nosso selo, passamos por todos os títulos de músicas e pelo dicionário. É realmente difícil encontrar o título de algo que você sabe que terá que carregar pelo resto da sua vida. 'Anthem' parecia uma declaração concisa e positiva daquilo que queríamos alcançar".

"2112" é, indiscutivelmente, um dos grandes marcos do avanço na musicalidade e genialidade do Rush. Apesar de se encontrar com o romance randiano, é notável que a canção ecoe outros grandes clássicos da literatura e do cinema, como 1984 (1949), do escritor e jornalista britânico George Orwell (1903 - 1950) e 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), do também britânico Arthur C. Clarke (1917 - 2008). Porém, Peart credita a gênese do seu interesse por ficção científica a outro autor, o norte-americano Samuel R. Delany. Delany é o autor de The Fall of the Towers (1970), um épico que o baterista encontrou quando viveu em Londres que influenciou a composição de "2112" e de outros clássicos vindouros da banda. "Em retrospecto, me lembro do quão maravilhado fiquei com aquele livro em particular, tão poético, repleto de imaginação e originalidade. Acho que o autor está entre os melhores do gênero. Semelhante à maneira como alguns romances e peças de teatro perfuraram minha cabeça naquele momento, sem muito efeito ou influência aparente e imediata, mais tarde eles iriam repercutir de maneiras que eu jamais poderia suspeitar".

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"Sabe, essa música veio de um lugar diferente", explica Alex. "Ela veio a partir de como as coisas estavam caminhando ao nosso redor. Estávamos revidando. Havia muita pressão sobre nós vinda da gravadora e, até certo ponto, da nossa própria gestão. Eles nos forçavam a uma volta às raízes do rock, queriam que fizéssemos um outro álbum como o de estreia. Dessa forma, dissemos basicamente, 'Querem saber? Não é isso que estamos querendo… se vamos cair, cairemos em chamas'".

"'2112' é, provavelmente, a coisa mais importante que já escrevi, pois, sem essa música, nós provavelmente não teríamos continuado como banda", afirma Geddy Lee.

"Começamos a compor essa canção enquanto estávamos na estrada. Escrevíamos muito durante os shows naqueles dias", lembra Alex. "'The Fountain of Lamneth', de Caress of Steel, foi de fato nosso primeiro conceito completo de canção, e '2112' funcionou como uma espécie de extensão dela. Foi um período difícil para o Rush, pois Caress of Steel não foi bem comercialmente, mas estávamos felizes com ele e desejávamos desenvolver aquele estilo. Por haver um sentimento muito negativo da gravadora e por nossa gestão estar preocupada, voltamos com força total em '2112'. Havia muita paixão e raiva naquele disco, tratava-se de uma pessoa de pé contra todas as outras. Utilizei uma Gibson ES-335 e uma Fender Stratocaster, que havia tomado emprestada para as sessões de gravação, pois não podia comprar uma dessas naquele momento. Utilizei um amplificador Marshall 50-watt e um Fender Twin também. Talvez tivesse um Hiwatt no estúdio naquela época, mas acho que ele veio depois. Meus efeitos eram um Maestro Phase Shifter e um bom e velho Echoplex. Havia um número limitado de efeitos disponíveis na época. O Echoplex e um Wah-Wah eram básicos naqueles dias", conclui.

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Ao nomear os implacáveis vigilantes como Sacerdotes, Peart captura também o aspecto da cultura de massa, observando que a música, filmes e televisão evocam seguidores de uma grande seita que produz celebridades industriais que desistem de sua criatividade, reunindo seguidores como um templo para adorar suas criações, estes que se rendem à sua vontade religiosamente. "Li e reli Ayn Rand várias vezes, e pela primeira vez há muitos anos. Nessa canção, relaciono suas observações e as minhas com a indústria da música. Lido aqui com a corrupção de espírito, e gosto de sentir que estamos fazendo parte de uma mudança dessa visão através da nossa música".

A iconografia da Estrela Vermelha da Federação Solar denota a supervisão dos Sacerdotes em um regime totalitário. Quando Geddy expressa na canção o ponto de vista desses líderes, ele sempre canta com bastante veemência, em um tom alto e agressivo. A filosofia coletivista moralmente intocável não deixa espaço para resistência, contraposta ao jovem protagonista que não dispõe de nenhuma chance de desafio. A suíte, por fim, aniquila a ordem sacerdotal, através de distorções amplificadas que desenham uma implacável invasão e uma consequente tomada do poder.

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Ainda pela ótica randiana, "2112" incorpora o símbolo de liberdade e de criatividade no dedilhar de um violão, suavemente representado por Alex Lifeson. Esse encontro é uma tentativa gentil e distinta do individualismo, algo fortemente determinado e que expõe a filosofia do racionalismo libertário de Rand. A mídia especializada em rock, que não havia dado relevante atenção ao Rush nos primeiros discos, nesse momento toma conhecimento deles. A banda enfrentou muitas acusações sobre a pregação de visões características da extrema direita, que foram várias vezes desmentidas pelos integrantes, que sempre afirmaram que suas ideias estavam primordialmente relacionadas à liberdade artística e ao estímulo do propósito e da paixão, olhando bem menos para preocupações políticas ou declarações sociais.

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A imagem utilizada como parte do encarte, apelidada de Starman, acabou se tornando o principal símbolo do Rush, assim como o próprio número 2112. A criação foi concebida com base intimamente ligada ao tema, indicando a oposição entre o ser humano, livre e dotado de criatividade representado pelo homem nu, e a mentalidade coletivista, que oprime a individualidade dos sujeitos, representada pela estrela.

"O homem é o herói da história", diz Hugh Syme, artista gráfico da banda. "Sua nudez representa apenas uma tradição clássica, expondo a pureza da pessoa e sua criatividade sem a pompa de outros elementos, tais como o vestuário. A estrela vermelha é a estrela da Federação, um dos símbolos do Neil". "A imagem significa o homem contra as massas", continua Peart. "A estrela vermelha simboliza qualquer mentalidade coletivista".

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I. Overture (0:00 - 4:32 / Total: 4:32)

Com "Overture" o Rush inicia a viagem de "2112". Oferecendo um instrumental vigoroso, extremamente produzido e elaborado (rapidamente reconhecido como uma das composições mais marcantes de toda carreira da banda), o primeiro movimento, que mostra de imediato o quanto a música e as incríveis atribuições individuais haviam se desenvolvido, evoca uma espécie de retrospecto de toda a história da derrocada da Federação Solar que será contada a partir dali. O trecho anuncia o tema principal como um todo, expondo movimentos que serão incorporados nos capítulos seguintes "The Temples Of Syrinx", "Presentation", "Oracle: The Dream" e "Soliloquy".

A primeira parte tem início com um som que caracteriza de imediato o cenário sci-fi do épico, criado com um sintetizador ARP Odyssey e um tape-delay Echoplex que, segundo o co-produtor Terry Brown, consistiu na colagem de várias camadas executadas pelo tecladista e também artista gráfico Hugh Syme.

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O termo Overture refere-se à Abertura, uma introdução instrumental de uma peça coral ou dramática que, ao ser desenvolvida durante o século XIX, passou a ser ela própria uma forma de composição. Seu título e estrutura trazem como referência "1812 Overture" ("Abertura Solene Para o Ano de 1812"), uma obra orquestral do compositor romântico russo Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840 - 1893) composta no ano de 1880 para a abertura da Exposição Universal das Artes, realizada em Moscou em 1882. Curiosamente, a obra comemora o fracasso da invasão francesa à Rússia em 1812, e a subsequente devastação do exército imperial de Napoleão Bonaparte.

Porém, a influência Tchaikovsky não se limita somente ao título, à estrutura e à ideia geral de "Overture". É possível acompanhar uma pequena homenagem concreta à obra do compositor aos 4:06, onde Lifeson reproduz um dos trechos mais famosos da peça em sua guitarra, além de outras pequenas similaridades no decorrer da execução.

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"Overture" é finalizada com uma frase sutilmente cantada por Lee, após o som de um estrondo bélico devastador: "And the Meek shall inherit the Earth" ("E os mansos herdarão a Terra"). Este trecho consiste na citação da Bíblia encontrada no Livro dos Salmos (capítulo 37, versículo 11) e no Evangelho Segundo Mateus (capítulo 5, versículo 5). A frase foi escolhida como uma espécie de profecia de fechamento da história idealizada por Peart.

O protagonista vive no ano de 2112, inicialmente observando a frieza de Megadon, uma cidade ficcional, refletindo sobre paz estabelecida desde o ano de 2062, quando os planetas sobreviventes de um confronto que definiu o poder nas mãos dos Sacerdotes, foram unidos sob a égide da Estrela Vermelha da Federação Solar. Inicialmente, o personagem acredita em tudo que lhe foi dito, pensando ser inteiramente feliz naquela conjuntura, até encontrar algo que irá modificar toda sua percepção e a própria história.

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II. The Temples of Syrinx (4:33 - 6:46 / Total: 2:13)

Tudo o que foi dito vem dos Sacerdotes dos Templos de Syrinx. Esse movimento esboça a figura da implacável entidade que, aliada à fortíssima tecnologia, observa todos os passos de seus liderados. Eles contam com um conjunto elaborado de grandes computadores, onde realizam uma microgestão de cada aspecto da vida em toda Federação. Eles têm orgulho em proclamar que comandam todas as coisas, censurando tanto as palavras que são lidas e cantadas quanto às imagens que são observadas. É interessante observar que a população nunca precisou perguntar sobre o porquê das coisas, tendo em vista a completa afirmação da chamada Irmandade dos Homens. Porém, esse panorama de igualdade é ilusório: os líderes regulam todas as informações disponíveis, algo que em breve se tornará claro, refletindo pouca tolerância para a individualidade e para a criatividade, entendendo esses como atributos que não fazem parte do plano geral político.

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Imediatamente somos lançados numa viagem sonora poderosa, onde a história se inicia de fato - a apresentação do mundo oprimido da Federação Solar. Conhecemos, através dos versos de Peart, da musicalidade agressiva exposta pelos instrumentos e pela voz irrepreensível de Geddy Lee, a personificação dos Sacerdotes e as principais características do contexto vivido no ano de 2112, que existe sob um forte domínio totalitário. Esse segmento se encerra como um coração batendo em fúria, num clímax que somente o talento do Rush poderia criar e que magicamente se transforma na próxima parte do conto, através de um sutil violão de nylon.

Na mitologia grega, Syrinx (Siringe) é uma ninfa da água. A palavra refere-se também ao órgão vocal das aves, análoga à laringe em mamíferos. Os Templos são expostos como símbolos de ascensão, refletindo estruturas colossais que se colocam mais prócimas aos deuses e à sua altura. A natureza computadorizada de sistema para os sacerdotes foi um conceito totalmente imaginado por Peart.

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III. Discovery (6:47 - 10:15 / Total: 3:29)

Nesse movimento chave escrito por Alex Lifeson e Neil Peart, o protagonista encontra um antigo e sujo violão que irá simbolizar a mudança de toda vida. Numa caverna úmida escondida atrás de uma cachoeira, ele descobre aos poucos como ajustar o antigo e desconhecido instrumento, conseguindo logo após produzir sua própria música. A frase "Quão diferente poderia ser da música dos Templos!" denota que a música ainda existe, porém é utilizada como algo efêmero, padronizado e sem vida. O cidadão anônimo decide levar sua descoberta aos sacerdotes, acreditando que será exaltado por seu achado e pela chance que as pessoas teriam de produzir sua própria arte.

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Em "Discovery", Alex Lifeson constrói uma exuberante cena de experimentação, onde é possível visualizar o protagonista descobrindo e aprendendo o instrumento ao som ininterrupto das águas, caracterizando uma belíssima e sofisticada produção. Ele se familiariza aos poucos com os sons e toques, e à medida começa a entender o mecanismo de acordes e padrões estes vão se tornando cada vez mais complexos, ilustrando seu progresso.

"Discovery" apresenta um trabalho maravilhoso que transmite perfeitamente uma descoberta preciosa, e a fabulosa progressão do trecho é marcada por uma acústica magistral, que descreve a cena ao mesmo tempo que incita curiosidade pelo desenrolar dos acontecimentos. Contrastando com o movimento anterior, marcado pela fala agressiva dos Sacerdotes, aqui Geddy Lee consegue evocar com maestria, leveza e muita melodia toda a maravilha, satisfação e ansiedade do jovem protagonista, que compreende o instrumento como o reflexo de uma ardente vida em potencial, sonhando em apresentar seu achado mágico aos líderes da Federação.

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IV. Presentation (10:16 - 13:58 / Total: 3:42)

"Presentation", outra composição da qual Geddy Lee não participa, traz uma discussão sensacional entre os Sacerdotes que querem seguir firmes sua realidade opressora e o homem que trouxe uma descoberta até eles. O desempenho vocal de Geddy nesse trecho é simplesmente genial, pois a maneira com que muda o canto ríspido e acusador dos líderes para a fala envergonhada e humilde do descobridor é algo capaz de deixar os ouvintes mais sensíveis completamente hipnotizados.

O cidadão anônimo se coloca à frente dos Sacerdotes, particularmente do Padre Brown (talvez um trocadilho com o coprodutor Terry Brown, tido por toda a equipe como o quarto integrante do grupo), que definitivamente não apresenta a imaginada alegria grata, mas uma rejeição tranquila. Ele diz que não há ali a necessidade de coisas antigas, negando o instrumento como um capricho bobo que não se encaixa nos planos da Federação. Na verdade, o instrumento é classificado como outro brinquedo que ajudou a destruir a antiga raça humana e, perplexo, o protagonista ainda tenta argumentar que o mundo poderia utilizar essa beleza para seu bem-estar e alegria, sugerindo ao líder que imagine as maravilhas que poderiam ser conseguidas através de sua utilização. Por fim, o sacerdote, irredutível em seu posicionamento, pisa no violão destruindo-o, ordenando que o jovem sonhador não lhes incomode mais com o assunto.

Geddy e Alex representam de forma impressionante e alternada as figuras do protagonista, com toques mais suaves, e os sacerdotes, com investidas mais agudas e distorcidas. A canção termina com um solo de guitarra semelhante ao oferecido no segundo movimento, "The Temples of Syrinx", que novamente remete ao âmbito de frieza dos opressores.

V. Oracle: The Dream (13:59 - 15:59 / Total: 2:00)

Guitarras em reverb e uma linha vocal pesarosa evocam essa dimensão envolvente e sonhadora. "Oracle: The Dream" segue de forma elegante e progressiva as emoções que transportam o ouvinte para uma verdadeira viagem ao passado, onde o herói anônimo, após seu encontro aterrador com os Sacerdotes, cai em um sono profundo, tendo um vislumbre (através de uma espécie de portal) dos acontecimentos que desembocaram na opressão presente, além do que ainda estava por vir.

O Oráculo significa a resposta dada por uma divindade a uma questão pessoal através de artes divinatórias. Por extensão, o termo por vezes também designa um intermediário humano consultado que transmite a resposta e até mesmo, no Mundo Antigo, o local que ganhava reputação por distribuir a sabedoria oracular, onde era notada a presença Divina sempre que chamada, passando a ser considerado solo sagrado e previamente preparado para tal prática.

O protagonista vaga pela casa e recebe visões do passado e do futuro. Ele entende se tratar de um sonho, mas as imagens lhe parecem assustadoramente vívidas. Desiludido por compreender finalmente que sua vida não passa de algo vazio e sem significado, o Oráculo lhe mostra como era a realidade antes do domínio majoritário da federação - uma sociedade onde a criatividade e a individualidade floresciam, através de grandes obras que esculpiam beleza pelo puro espírito do homem. Dessa forma, o protagonista compreende que, sem essas dádivas, a vida se tornou algo sem nenhum sentido.

Numa perfeita mudança de humor que evoca intenso lamento, pesar, surpresa e ira, o cidadão anônimo consegue perceber que o homem antigo ainda mantém sua mente faminta e os olhos abertos - eles não foram completamente extintos. A raça antiga não foi destruída, apenas abandonou os planetas da Federação no passado, e o herói entende que um retorno poderia fazer ruir o poder opressor dos Templos.

VI. Soliloquy (16:00 - 18:21 / Total: 2:21)

A palavra Solilóquio denota a conversa de alguém consigo mesmo. Distingue-se do monologo (fala ou discurso por uma única pessoa em teatro ou oratória) porque, embora etimologicamente de igual significado, o Solilóquio represente uma espécie de diálogo do autor com sua alma, com sua consciência.

"Soliloquy" é talvez o segmento mais tocante em "2112". Ele mostra a decisão definitiva do personagem após sua profunda desilusão - a opção pelo suicídio. Peart escreveu letras incríveis durante toda carreira, mas poucas se equivalem às linhas finais deste trecho, que é cantado por Lee com imenso poder e sentimento: "Acho que não posso continuar com essa vida fria e vazia. Meu espírio está fraco nas profundezas do desespero, e meu sangue jorra...".

Novamente com uma grande interpretação lírica de Geddy Lee, que dosa com muita perícia momentos de profunda tristeza e desespero absoluto, o protagonista retorna à caverna, onde é possível ouvir novamente o som calmo das águas envolto por uma melodia de guitarra hipnotizante, local no qual medita por dias. Ele tenta imaginar como seria sua vida no mundo que acabou de vislumbrar no sonho, mudando sua ideia inicial e considerando agora a vida na Federação como fria e vazia, com suas forças se vertendo no mais profundo desespero. Ele decide que, para alcançar o mundo que sonha encontrando a verdadeira paz, ele deve tirar sua própria vida, pois reconhece que sua força é ínfima perante o poder avassalador da Federação e dos Sacerdotes.

VII. The Grand Finale (18:20 - 20:34 / Total: 2:14)

"2112" termina com "Grand Finale", um instrumental intenso e furioso que, como "Overture", mostra um significado enigmático. De imediato, é possível que a Federação e seu governo opressivo tenham sido atacados por outra entidade, deixando o desenrolar dos acontecimentos inteiramente abertos à própria interpretação do ouvinte. Anos mais tarde, Neil Peart confirmou que a intenção sempre foi que a antiga raça humana derrotasse o poder totalitário.

A saga é concluída no formato em que começou, com um instrumental poderoso que assustadoramente afirma a derrota da opressão, enquanto Peart proclama três vezes: "Atenção todos os Planetas da Federação Solar, nós assumimos o controle". A primeira frase traz um total de sete palavras, e a segunda quatro. Numa multiplicação simples, percebe-se 7 x 3 = 21 e 4 x 3 = 12, a representação do ano da vitória.

O Grande Final na verdade exala um recomeço, através de tomadas musicais até então inéditas em toda peça, construídas em uma dinâmica aterradora e completamente genial. A banda, portanto, conseguia alcançar na história sua sonhada independência criativa. Um encerramento perfeito de uma criação artística memorável, repleta de significados e símbolos que confundem ficção e vivência real.

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Sobre Vagner Cruz

Vagner Cruz é de Niterói, Rio de Janeiro, e atualmente reside na cidade litorânea de Maricá. Amante do rock and roll e de suas várias vertentes, acabou conhecendo o power-trio canadense Rush em 1997, se tornando desde então um grande fã. Atualmente mantém o site Rush Fã-Clube Brasil, o mais acessado no país dedicado ao grupo, onde se dedica a traduzir entrevistas, informações de músicas e álbuns buscando grande interação com os fãs brasileiros. Colabora cominformações sobre a banda no Whiplash.Net desde 2009.
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