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Titãs: A vida até pareceu uma festa no Colosso, em Fortaleza

Resenha - Titãs (Colosso, Fortaleza, 03/06/2023)

Por Leonardo Daniel Tavares da Silva
Postado em 14 de junho de 2023

A vida não parece uma festa. As pessoas envelhecem, morrem, têm Peste bubônica, câncer, pneumonia. Têm tédio e insegurança. E diversão nem sempre é solução. Mas no sábado, 3 de junho, diversão era só o que se esperava no Colosso, em Fortaleza, com (quase) o que não se via desde o início dos anos 90 no palco, uma reunião das cabeças-dinossauro mais clássicas dos Titãs. A banda é uma das maiores do rock brasileiro e tem uma história de sucesso que se estende por décadas. Eles já lançaram mais de 20 álbuns (entre álbuns de estúdio e ao vivo) e têm muitos sucessos conhecidos pelo público brasileiro como "Epitáfio", "Comida", "Pra Dizer Adeus" e "Polícia". E para quem ainda não soube, o Titãs está fazendo uma turnê de reunião em 2023 com o retorno de integrantes antigos, entre eles Nando Reis (vocal e baixo), Paulo Miklos (vocal e sax), Arnaldo Antunes (vocal) e Charles Gavin (bateria). Sem Marcelo Fromer, falecido em 2001, a formação clássica do Titãs, com os já citados Arnaldo, Charles, Nando, Paulo, além de Branco Mello (vocal), Sérgio Britto (vocal e teclado) e Tony Bellotto (guitarra), está de volta aos palcos em 2023 com a turnê Titãs Encontro. É a primeira vez que eles saem juntos em turnê em 30 anos.

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Um pouco depois do horário marcado, às 22:20 do sábado, 3 de junho, começam a soar no enorme Colosso os samplers que caracterizam a canção "Diversão", que, no evento, também cedia nome ao que comumente chamamos de Pista Premium, ou Frontstage. Ali, sob gritos da multidão, posicionam-se para a imagem que vai virar ícone desta turnê, "Todos Ao Mesmo Tempo Agora", os sete Titãs, os sete gigantes, vistos inicialmente apenas como sombras sobre um telão todo branco. A primeira impressão é de que realmente a vida é uma festa, mas, pelo costume de há tantos anos ver Nando ou Arnaldo em seus shows solos, milhões de vezes, numa primeira olhada, parece que estão numa participação especial como os projetos de NANDO REIS com Gil e Gal (o agora terrivelmente desfalcado Trinca de Ases), ou PITTY (que vimos e resenhamos aqui no Whiplash ainda este ano) ou de ARNALDO ANTUNES com EDGARD SCANDURRA e TOUMANI DIABETÉ ou com os TRIBALISTAS (com Carlinhos Brown e Marisa Monte). Ao longo do show, adianto, esta impressão será devidamente corrigida.

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Enfim, ali estavam eles, e, como em toda a sua carreira fizeram o show daquele jeito roupanovesco de revezar os vocalistas. "Diversão" é com Paulo Miklos, "Lugar Nenhum", com Arnaldo Antunes. E Desordem traz o tecladista Sérgio Brito para o centro do palco. Mas é quando aquele posto é ocupado por Branco Melo que um misto de surpresa, decepção e admiração toma conta das pessoas. O cantor, que, recentemente fez uma cirurgia para retirar um tumor, está completamente sem voz. Afônico, é agoniante ouvir tentar cantar. Comparações com AXL Rose são inevitáveis, mas, enquanto o norte-americano perdeu a voz por conta de seus excessos, imaturidade e tentativa de imitar Dan McCafferty, do NAZARETH, Branco, que embora também tenha cometido seus excessos na juventude está nessa condição por uma questão de saúde, algo que poderia tê-lo sorteado mesmo que ele tivesse tido a vida de um monge. E ainda, no caso de AXL, alguma coisa ainda pode ser aproveitada, dependendo do tom. Sérgio Brito até tenta fazer um backing vocal que complemente o espectro ausente na voz de Branco, mas não funciona tão bem. Aqui, não. Mas...

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Mas, como um Beethoven sem audição ou um Aleijadinho, digamos, aleijado, ver Branco cantar, superar seus limites, enfrentar a vida, a morte e o público (não sei qual o pior dos três) é de dar uma coragem contagiante - Venha, Câncer, seu bosta. Vem pra mim que eu te dou uma sova. Perco a voz, mas não perco a luta - Branco, ali, era a imagem da superação. E não tem negócio de playback não. O que é mostrado ali é a mais pura e irretocada verdade. E todos na plateia lhe ouviram cantar com respeito e admiração e, por que não, já que era para isso que todos estavam ali, diversão.

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"Estou muito feliz essa noite e durante toda essa turnê com uns amigos de uma vida inteira. Estou curado, mais vivo do que nunca é vou cantar pra vocês". É uma vitória, um momento ímpar. É muito bom poder presenciar isso. Eu só usaria outra música, com outra letra, para fazer a apresentação dessa nova voz nesse novo momento, ao invés da que fecha o primeiro lado do "Cabeça Dinossauro", "Tô Cansado".

O ruivão é o último dos vocalistas a tomar posição com sua "Igreja". Cabe ressaltar que aqui (e durante todo o show) o baixo está no talo, coisa linda de se ver, coisa para sentar e ficar olhando como se fosse uma apresentação de balé.

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E, acapella, volta Brito para "Homem Primata", seguido de Miklos com "Estado Violência", a icônica "Pulso" e todas as suas mazelas com Arnaldo. O tribalista concretista dadaísta continua à frente para "Comida". Ele, que é mestre em usar palavras como se fossem tijolos ou bloquinhos de Lego reconhece que "é difícil até colocar em palavras a alegria de encontrar meus amigos é tocar canções que compramos há um bocado de tempo". E completa "incrível como ainda são atuais".

Nando faz parecer que toda a parte antirreligião da banda era sua, porque segue com "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas", continuando rapidamente pra "Nome aos Bois". Com a letra atualizada, a canção passa a incluir o nome de um pulha que vocês sabem quem é (mas eu não digo, não pronuncio, minha mãe me deu educação). A resposta da maioria do público é "Ei, B..., vai tomar no cu", repetida uma vez e outras mais.

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Branco volta com "Eu não sei fazer música, mas eu faço". Também não pode cantar, mas canta.

E nós queremos que continue cantando.

Agora, que no telão vemos a capa grindcore gore slasher de "Tudo ao Mesmo Tempo Agora", é hora de mencionar os seis telões. Os dois laterais com uma definição tão profunda que até dá para tentar enganar o leitor em umas fotos que apareceram adiante nesta resenha. Lindos. Além deles havia mais um no fundo do palco e três menores, estrategicamente colocados para compor o ambiente de esmerada produção. Além disso, atrás de quaisquer câmeras, o editor das imagens fazia um trabalho perfeito, à altura do profissional que cumpre a mesma função nos shows do DREAM THEATER (já falamos dele em outro texto). Sabem o que reclamei do editor no show do Roberto Carlos (que a ele bastaria ajustar a câmara para focar o Rei e, depois, ir dormir)? Aqui, sinto, não temos o nome desse profissional, mas ele saberá que estamos falando dele, as imagens mudam tão dinâmica e oportunamente que parece que estamos no sofá de casa, vendo um DVD dos Titãs.

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Elogios, no entanto, não são merecidos por quem teve a ideia de posicionar a house mix bem no meio da Pista Diversão, com um, também enorme e com altíssima definição, telão. Ora, isso atrapalhava demais a imersão (e a diversão) de quem estava na Pista Flores, logo atrás, como se já não bastasse a distância (a pista mais privilegiada tomava mais da metade do espaço). Para muitos que estavam na Pista Flores eu arrisco dizer que teria sido melhor ficar em casa, no sofá vendo um DVD dos Titãs. Ou ver o filme do Pelé.

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Ok, paremos de falar de telão. Não, ainda não. No breve intervalo, com momentos antigos registrados em vídeo, os telões assumem o protagonismo novamente. Esse é também o artifício para que o palco seja modificado para receber o momento acústico do show.

Sérgio Brito, com "Epitáfio" convida e a galera aceita. O Colosso se transforma numa noite estrelada, com milhares de lanternas de celulares. Todo mundo, ou quase, cantando junto ou batendo palmas. Seguem Nando com "Os Cegos do Castelo", e Miklos com "Pra Dizer Adeus".

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E se faltava um dos clássicos Titãs, pelo menos o seu DNA e sua alma se fizeram presentes. Outro momento tocante da noite é tomar conhecimento da presença de Alice Fromer, filha de Marcelo, apresentada por Arnaldo. "Vamos não só lamentar a ausência dele, mas vamos celebrar à presença dele através da Alice", diz o poeta. Ela e o público entoam "Toda Cor", canção do guitarrista com o também falecido Ciro Pessoa. Liminha, produtor e guitarrista, com seu instrumento estiloso country cuida do solo de guitarra. Alice continua em não vou me adaptar, que encerra o momento acústico.

Na terceira parte do show, iniciada com a declamação por Sérgio Brito, do poema do piauiense Torquato Neto que lhe deu conteúdo, volta "Go Back", seguida de uma homenagem ao gigante gentil da música brasileira, Erasmo Carlos, através de "É Preciso Saber Viver". Enquanto Antônio "Tony" Belotto faz seu solo de guitarra, e recebe um beijo do colega no microfone, Arnaldo e Branco, assim como na maior parte do show, parecem deslocados nas canções que não cantam, como meros banking vocais. O mesmo não acontece com Sérgio, que tem seu teclado, mas também parece acontecer com Miklos. Se ter cinco vocalistas em uma banda é uma vantagem, esta é a desvantagem. Já até vimos Branco assumindo o baixo, mas, aqui, em plena lua de mel com as quatro cordas, não tem quem o tire das mãos de Nando Reis. Fica difícil apostar que a banda continue com esta formação depois dessa turnê, mas... – é preciso saber sonhar.

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A voz de branco parece melhorar com o tempo e o calor, mas ainda numa frequência que dói nos ouvidos. Enquanto todos já são sessentões, dizem que não confiam em ninguém com mais de trinta em "32 Dentes", cantada por Branco. Ele também canta um dos maiores sucessos dos Titãs, "Flores", o nome da pista comum, a de ingressos mais baratos e distante do palco um Amazonas. Na canção, o Saxofone é obra de Paulo Miklos.

Depois de "Televisão" e "Porrada", ambas com Arnaldo", Sérgio Brito manda "Polícia" (com um trecho de "Selvagens", dos PARALAMAS). Uma boa roda de mosh fez falta nesse momento. Há relatos de que houve na Pista Flores. Quanta falta de educação do pessoal da Pista Diversão.

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"AA UU" e a que disseram ser o primeiro sucesso, "Bichos Escrotos", fazem as luzes de palco se apagar.

Claro que haverá um bis, e a "melhor banda de todos os tempos da última semana" volta ao palco enquanto rola a "Introdução por Mário e Quitéria" para trazer "Miséria", com o "filomês rei do rock e das telas de cinema" Sérgio Brito. Antes que eu esqueça, registremos aqui que o Charles Gavin, sempre muito compenetrado, tocava sua bateria vestido numa camisa do Ceará, com seu nome nas costas.

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"Marvin (Patches)", que parecia ter sido limada do setlist, só chega agora. E a "festa que até parece uma vida" termina com "Sonífera Ilha". Não sem antes Paulo Miklos dizer que, no início de carreira, era com ela começavam os shows, a tocavam no meio, e com ela terminavam os shows.

Com quase todos os ingressos vendidos, o show, que só terminou no "Domingo", foi levado a cabo pelas produtoras 30E e Bonus Track Entretenimento (e localmente pela Free Lancer), e foi um grande sucesso, "o maior sucesso de todos os tempos, com uma das melhores bandas brasileiras de música americana". Claro que faltaram várias canções "dos melhores discos dos últimos anos de sucessos do passado". Eu gostaria de ver "Clitóris", ouvir "Dissertação do Papa Sobre o Crime Seguido de Orgia", ir para "Disneylândia", "Uma Coisa de Cada Vez" na turnê "Todos ao Mesmo Tempo Agora", mas, a ausência mais sentida, com certeza, é qual? "O Quê". "Isso Para ‘nós’ é Perfume".

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Outro ponto que merece ser lembrado é que, enquanto no Colosso o clima era de tranquilidade, há relatos de assalto nos seus arredores. Situada em um local muito afastado da cidade, fica a questão se o show não deveria ter acontecido mesmo aonde fora inicialmente anunciado, no Marina Park.

E tendo sido lançados já sem boa parte da banda, os álbuns "A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana", "Como Estão Vocês?, o insosso "Sacos Plásticos", o ótimo "Nheengatu", a ópera-rock "Doze Flores Amarelas" e o mais recente, "Olho Furta-cor", foram solenemente ignorados. O futuro da banda é incerto. Que continuem todos ao mesmo tempo não só agora. E que a festa, e a vida que parece uma festa, continuem. Esses meninos ainda têm muito o que mostrar.

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Agradecimentos:

Todo o pessoal da Trovoa Comunicação, pela atenção e credenciamento.

Rubens Rodrigues, pelas imagens que ilustram esta matéria. Confira mais na galeria abaixo:

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Sobre Leonardo Daniel Tavares da Silva

Daniel Tavares nasceu quando as melhores bandas estavam sobre a Terra (os anos 70), não sabe tocar nenhum instrumento (com exceção de batucar os dedos na mesa do computador ou os pés no chão) e nem sabe que a próxima nota depois do Dó é o Ré, mas é consumidor voraz de música desde quando o cão era menino. Quando adolescente, voltava a pé da escola, economizando o dinheiro para comprar fitas e gravar nelas os seus discos favoritos de metal. Aprendeu a falar inglês pra saber o que o Axl Rose dizia quando sua banda era boa. Gosta de falar dos discos que escuta e procura em seus textos apoiar a cena musical de Fortaleza, cidade onde mora. É apaixonado pela Sílvia Amora (com quem casou após levar fora dela por 13 anos) e pai do João Daniel, de 1 ano (que gosta de dormir ouvindo Iron Maiden).
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