Accept: banda toca o terror teutônico em São Paulo
Resenha - Accept (Carioca Club, São Paulo, 08/04/2016)
Por Fernando Yokota
Postado em 09 de abril de 2016
Apertado de um lado pelo UNISONIC de Michael Kiske e do outro pelo MANOWAR na segunda noite do Monsters Of Rock 2015 em São Paulo, o ACCEPT fazia sua apresentação ao cair da noite há um ano para um público que, em sua maioria (a julgar pela quantidade de camisetas na audiência), comparecia para ver o KISS. O que se viu foram os sessenta minutos mais eloquentes de proficiência metálica daquela noite. Desta vez, a cidade teve a chance de testemunhar mais uma vez o grupo encabeçado por Wolf Hoffmann (e seu companheiro de longa data Peter Baltes) num Carioca Club cheio, quente, com setlist completo e um séquito dedicado exclusivamente à banda.
Fotos e texto por Fernando Yokota
http://fb.com/fernandoyokotafotografia
A banda viaja atualmente promovendo seu último lançamento, Blind Rage, o terceiro capítulo da volta da banda, contando com o vocalista Mark Tornillo e a produção do renomado Andy Sneap. Ao vivo, o ACCEPT não sobe ao ringue para ganhar a luta por pontos e pontualmente às 19 horas sobe ao palco: com Stampede, Stalingrad e Hellfire (três da fase Tornillo-Sneap) o rolo compressor já havia terraplanado a pista do Carioca Club, provando a ampla aceitação dos fãs com relação à discografia recente. Clássicos como Restless and Wild e London Leatherboys surgem logo no início do set mas não causam o abismo de empolgação na plateia que geralmente ocorre quando temas novos e antigos são intercalados.
Diferente de vários de seus pares, Hoffmann e seus asseclas não caem na armadilha da modernização compulsória do seu som, dando as costas para o passado; contudo, ainda que observando o evangelho do metal, o ACCEPT soa, de alguma forma, novo. O sucesso da segunda vinda do Accept talvez venha do ponto de equilíbrio representado pela entidade Hoffmann-Baltes-Tornillo: o lado alemão representa o legado de quase quarenta anos de carreira enquanto o último gera a lufada de ar fresco que ventila a banda criativamente (e um novo ponto de vista no que se refere às letras). Evidentemente, há uma semelhança de timbres entre Tornillo e Udo Dirkschneider, mas o primeiro traz à banda o espírito "working class" de sua terra natal, Nova Jersey (onde Tornillo è também eletricista sindicalizado). O ACCEPT não reinventa a roda mas, ao mesmo tempo, não fica sentado em cima dela esperando que ela rode sozinha. Novo e inovador não são, necessariamente, sinônimos.
O repertório, dividido igualmente entre músicas dos últimos três discos e números mais antigos, teve recepção calorosa no calorento Carioca Club que, antes da metade do show havia se tornado uma verdadeira sauna do metal. Os interlúdios guitarrísticos com citações de peças tradicionais acompanhados pelos tradicionais "ôôôs" não poderiam faltar e fizeram-se presentes aos montes, seja em clássicos como Metal Heart (Für Elise, de Beethoven) como em temas recentes como Final Journey (o Morgenstemning, de Edvard Grieg).
E por que não lembrar a belíssima cantoria generalizada promovida pelo curto "easter egg" na forma do hino soviético (hoje também o hino nacional da Federação Russa) no meio de Stalingrad? A faixa trata da sangrenta disputa travada às margens do rio Volga na batalha de Stalingrado, com direito a Tornillo empunhando uma bandeira brasileira à moda dickensoniana (sobre o episódio histórico, o redator indica o livro Stanligrado, de Anthony Beevor, publicado em português). Por alguns segundos o Carioca Club lembrou a clássica cena do início de Rocky IV.
O novo ACCEPT, contudo, não fala só de história. Dying Breed é uma ode ao rock e ao metal que Tornillo dedica a Lemmy. Com a inteligência de quem não se leva 100% a sério, a música que fala sobre a bandeira do metal que foi hasteada à meia-noite carrega um trecho instrumental muito semelhante a Go West do Village People e que ganhou notoriedade nos anos 90 com os Pet Shop Boys, virando canto nas arquibancadas dos estádios ingleses desde então. Espirituosidade mais que bem-vinda.
O grande momento da noite, contudo, começa com o folclórico tema "Ein Heller und ein Batzen" nos alto-falantes para introduzir Fast as a Shark, o Australopithecus daquilo que ficou conhecido anos depois como power metal. Se foi a primeira canção do gênero, isso pode ser debatido, mas seu lugar como porta-bandeira de todo uma vertente da música pesada não pode ser negado.
Duas horas depois, e para ter a certeza de que a ultima gota de suor do público fora extraída depois de verdadeiros axiomas do metal como Princess of the Dawn, Metal Heart (depois de um show do ACCEPT o caminhão de gás passa a ter outro significado...) e a catártica e expurgante Son of a Bitch (e seu edificante refrão de valor terapêutico para quem trabalhou e enfim chegou enfim ao fim de um extenuante dia de expediente), a banda fecha a apresentação com seu maior sucesso, Balls to the Wall, o golpe de misericórdia.
O ACCEPT provou mais uma vez ao publico paulistano que tem a experiência de banda veterana, o frescor e o apetite de novatos e, mais importante, consegue transmitir a energia desse terror teutônico para além do palco. Às nove da noite, para muitos ainda era cedo para ir para casa numa sexta à noite de tanto calor e, pela satisfação estampada nos rostos dos fãs, muitas mesas de bar foram dedicadas à rememoração dessa que foi uma das melhores noites de metal de 2016.
Algumas notas finais:
A apresentação teve início pontualmente às 19h com previsão de término às 21h, o que ocorreu com precisão cirúrgica. O motivo? O Carioca Club tinha sua tradicional noite de samba programada para iniciar às 23h com expectativa de casa cheia. Em tempos de intolerância e exaltação generalizada, fica o registro de que com civilidade e alguma organização dois eventos completamente distintos podem ocorrer no mesmo lugar na mesma noite sem problemas.
Numa nota um pouco mais técnica, a iluminação do palco era generosa, com direito a canhões frontais de luz instalados ao fundo dos camarotes da casa (fato pouco usual em shows no Carioca Club). Levando-se em consideração que Wolf Hoffmann é ele próprio fotógrafo profissional, este fotógrafo supõe que o líder da banda nutra algum sentimento de empatia pelos profissionais que fotografam o show. Partindo do princípio de que seja esse o caso, fica o agradecimento a Herr Hoffmann pela iluminação abundante.
Setlist:
Stampede
Stalingrad
Hellfire
London Leatherboys
Living for Tonite
Restless and Wild
Midnight Mover
Dying Breed
Final Journey
Shadow Soldiers
Starlight
Bulletproof
No Shelter
Princess of the Dawn
Dark Side of My Heart
Pandemic
Fast as a Shark
Metal Heart
Teutonic Terror
Son of a Bitch
Balls to the Wall
Accept é:
Wolf Hoffmann - Guitarra
Peter Baltes - Baixo
Mark Tornillo - Voz
Uwe Lulis - Guitarra
Christopher Williams - Bateria
(com o agradecimento à Free Pass pelo credenciamento)
Outras resenhas de Accept (Carioca Club, São Paulo, 08/04/2016)
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps