Iron Maiden: Um show do Iron Maiden 20 anos mais tarde
Resenha - Iron Maiden (Atenas, Grécia, 21/06/2005)
Por Haggen Kennedy
Postado em 21 de junho de 2005
Se perguntássemos a alguém no começo dos anos 80 o que é que se poderia esperar de um show do Iron Maiden 20 anos mais tarde, o que você acha que responderiam? Talvez que a banda não existisse mais. Ou que tocariam músicas do vigésimo disco de suas carreiras.
Fotos: Totsos, AxlGreece e Emilianos2k6
Apesar da segunda opção ser verdadeira (e apesar da primeira opção contrariar séria e verdadeiramente os punks mais radicais do west end londrino em meados de 1970), o que rolou na terça-feira, dia 21 de Junho de 2005 em Atenas, Grécia, foi um show que poderia encaixar-se em qualquer turnê de 83, quando Eddie era lobotomizado e trancafiado num quarto almofadado em algum obscuro hospital psiquiátrico para o lançamento do clássico "Piece of Mind".
Essa nova turnê, instigantemente chamada de "Eddie Rips Up the World", foi uma mostra bombástica do potencial da banda em sua ascenção inevitável ao topo do mercado do heavy metal mundial na trajetória chamada de "The Early Days". Trajetória essa que rendeu um DVD duplo com o mesmo nome e que, por sua vez, rendeu essa turnê simplesmente apoteótica para os fãs mais ardentes do conjunto – cujo Eddie, diga-se de passagem, é o mesmo usado durante a "Piece of World Tour", fielmente remetendo todos às férreas raízes do grupo. Todas as músicas de todos os shows dessa turnê, portanto, englobam apenas (!) as músicas que fazem parte dos quatro primeiros discos do Iron Maiden (bem como aconteceu com o DVD). Em outras palavras, é uma oportunidade única de presenciar, de corpo e alma, nesse novo milênio, o que era a banda há mais de 20 anos.
Foi uma dia quente e bastante claro em terras atenienses, mais que propício para uma performance de qualidade. O local do show, TerraVibe, situava-se fora da cidade, numa região chamada Malakassa, a 32 quilômetros de Atenas. Para chegar lá só de trem... ou de ônibus – esses foram fornecidos pelos próprios organizadores do evento, propriamente instruídos a deixar todo mundo exatamente às portas do espaço reservado para o espetáculo – uma área extensa, muito verde e rodeada de montanhas (como é natural do terreno grego), que fecharam e usaram para alocar todo o necessário para um show de sucesso: o palco e os equipamentos, a fileira imensa de banheiros que se extendia por cerca de meio quilômetro, os restaurantes, lojas de CDs, merchandising, camisas etc.
As portas se abriram pontualmente às 6 da tarde e o show começou pontualmente às 7:30 com a banda de abertura Dragonforce, sediada em Londres.
A Dragonforce é o novo nome da antiga Dragonheart, que teve que ser renomeada devido ao fato de já existir uma outra banda com o mesmo nome – a saber, o então grupo brasileiro homônimo de Curitiba. Autoproclamando-se "a banda mais rápida do planeta" a Dragonforce desfilou um conjunto de composições de seus dois discos: "Black Winter Night", "Above The Winter Moonlight", "Soldiers Of The Wasteland", "Revelations" e "My Spirit Will Go On" foram os destaques. É uma boa banda, apesar de que não é possível levá-los muito a sério. Observando o show do quinteto é fácil perceber que falta ensaio e maturidade, e nem ao menos se sabe se esse é realmente o objetivo. São músicas sem muito feeling, com muita nota!... e pouca habilidade nas composições. A brasileira Dragonheart é sem dúvida muito melhor. E não só ela. Foi fatal: não pude deixar de pensar que havia inúmeras bandas brasileiras que poderiam estar ali, dividindo o palco com o Iron Maiden.
Mas para a minha surpresa o público grego acompanhou até as letras das músicas da Dragonforce – pelo menos durante os primeiros 30 minutos. Depois daí parece que arrefeceram, talvez tentando se resguardar e salvar energias para a entrada da Donzela – o que levou o vocalista a inquirir no microfone: "why the fuck are you so quiet now? Come on, make some noise!"
Com o set list de uma hora, a Dragonforce saiu do palco fidelíssima ao horário: 8:30 da noite entrava o som mecânico e a extensa equipe de apoio do Iron Maiden já subia no palco para montar o aparato infernal de que a banda dispõe para suas apresentações ao vivo.
Às 9 horas da noite, quando o som mecânico finalmente cedia espaço a "The Ides of March", música (mecânica) de apresentação dos britânicos do Maiden, a correria já se tornava incessante – e a gritaria, idem. A aclamação estrondosa do público grego foi um boas-vindas mais do que acalorado a "Murders in the Rue Morgue", que trouxe Steve Harris, Dave Murray, Adrian Smith, Janick Gers e Nicko McBrain ao palco em ânimos de pujante intensidade. Bruce Dickinson, eterno símbolo de virtude vocal, como de costume, fez o público cantar junto. A partir daí o que se seguiu foi um amálgama pindárico de habilidade, maturidade, experiência e qualidade sonora – elementos adequadamente apresentados ao público através do paredão sonoro de amplificadores que, se tivessem tomado lugar em Atenas, ensurdeceria a cidade.
"Another Life" entrou em seguida, também entoada por todos, e cedeu lugar a "Prowler". Eu repito: "Prowler". Ao vivo, com toda a qualidade que se merece. Foi um prazer inesquecível. Ao final, a banda saiu do palco e Bruce conversou com a platéia. Explicou que a música seguinte era muito especial: tinha sido ela que, há anos atrás, ele havia ensaiado com a banda pela primeira vez e que, por causa dela, Steve Harris lhe havia dito: "you’re in". Puxaram "Remember Tomorrow" e o deleite foi total.
Admitamos: é sabido que é deveras complicado falar qualquer coisa sobre a performance de Bruce Dickinson depois da volta com o Maiden em 1999 e com o lançamento de "Brave New World" no ano seguinte. Depois de um longo recesso onde parecia não se importar muito com a própria voz (ainda que a qualidade fosse inegável), o retorno foi triunfal. Há 5 anos bruce vem cantando melhor do que na "World Slavery Tour" de 85. "Remember Tomorrow" foi um desses exemplos cuja mostra de talento e habilidade se fez presente. Há duas outras músicas cuja interpretação merece destaque. Essas serão discutidas mais adiante.
Emendando, tocaram "The Trooper" que, logicamente, também foi cantada em uníssono pelos helenos. Bruce, vestindo um uniforme vermelho (creio eu que da cavalaria britânica), agitando a bandeira inglesa e correndo tresloucadamente pelo palco, certificou-se de que o público em sua totalidade soltasse a voz junto com ele.
Antes de começar a próxima música, uma súbita introdução: ruídos de aviões, o estampido de metralhadoras, o alvoroço da guerra. A primeira imagem que me veio à mente, enquanto o palco ainda submergia em trevas, foi a de Winston Churchill. Pensei, desorientadamente: "Aces High?!", mas rapidamente me dei conta de que não era possível: a turnê não incluía os lançamentos de 85 em diante. Antes que eu pudesse adivinhar, Nicko entrou com a bateria, e as guitarras deixaram tudo claro como cristal: "Where Eagles Dare", alavancando o vigor helênico e impossibilitando qualquer um de ficar parado.
Seguiram com "Run to the Hills", outra canção de marca permanente através dos anos da Donzela, juntamente com "The Trooper". E finalmente invocaram "Revelations" – minha música preferida!, que nem ao menos esperava ver (ouvir): achava que minha única oportunidade já havia passado quando perdi o glorioso Rock in Rio de 85. Mas eis que Deus é grande em piedade: dessa vez eu vi, e devo dizer... foi uma das interpretações mais sensacionais de Mr. Air Raid Siren que já tive a oportunidade de presenciar. Só houve dois poréns: o primeiro é que o segundo solo da música foi tocado por Janick (e não por Adrian), que realmente improvisou dos pés à cabeça (apesar de que nem Dave escapou à tentação); e o segundo porém é que Bruce não elevou a voz na parte final onde canta "Bind all of us together, ablaze with hope and free". Mas essas são opiniões saudosistas que de maneira alguma adulteram ou invalidam a sensação ímpar de ouvir "Revelations" ao vivo com o próprio Iron Maiden tocando.
Na seqüência levaram "Wrathchild", que também causou furor, e a sucederam com a inesperada "Die With Your Boots On", que, apesar de ter sido tocada inclusive na "Seventh Tour", de 88, havia dissensão e rumores de que não seria incluída no setlist.
Em alguns países, como a Alemanha, por exemplo, Bruce fez outro curto discurso ao apresentar a próxima música: "Phantom of the Opera". Dizia ele que não havia como gostar de Iron Maiden se não gostasse dessa canção. Na Grécia, todavia, ele se distanciou do tema. Ao invés de falar sobre "Phantom...", ele veio à frente do palco e disse: "Toda vez!... que a gente vem pra Grécia a gente não deixa de lembrar de uma música que tem tudo a ver com vocês e que a gente sabe que vocês querem que a gente toque. Infelizmente nesse show não vai dar pra tocá-la porque a tour só engloba os 4 primeiros álbuns. Mas eu vou fazer o seguinte: nós vamos cantar a música... mas só nós... sem a banda. Vamos ensaiar a música aqui agora e então quem sabe na próxima vez que a gente voltar... a gente toca a música."
E o público cantou. Cantou com o Bruce o refrão de "Alexander the Great", rendendo momentos inolvidáveis. Quando acabou, perguntou à platéia: "à propósito... sobre o filme Alexandre, o que vocês acharam?" A resposta foi unânime: "buuuu!!" Bruce correu de volta ao fundo do palco enquanto a banda entrou com "Phantom of the Opera" – que, diga-se de passagem, foi sem sombra de dúvida um dos momentos mais altos do show. A interpretação de Bruce, juntamente com "Remember Tomorrow" (que, em Portugal, foi dedicada a Manu, gerente do Eddie’s Bar naquele país, que veio a falecer recentemente devido ao câncer) e "Revelations", foi realmente fenomenal.
Depois daí ainda tocaram "The Number of the Beast", "Hallowed be Thy Name" e "Iron Maiden", onde fizeram uma pausa para o bis às 10:20 da noite. Bruce voltou ao palco 5 ou 10 minutos depois e, conversando com a platéia, deixou saber que em 2006 o Iron Maiden lançaria um novo disco. O encore trouxe os britânicos de volta com os clássicos "Running Free", "Drifter" e "Sanctuary" – essas duas últimas, ótimas surpresas para o final de show, acompanhadas da presença de Eddie, eterno mascote do grupo.
Às 10:45 os fãs deixavam, relutantemente, a grade e o espaço do show para irem para casa, uma multidão visivelmente aniquilada fisicamente pelo som robusto dos ingleses, ainda que revigorada espiritualmente – a marca de felicidade estampada nos rostos da platéia era incontestável.
Alguns detalhes do espetáculo são interessantes mencionar: o palco, primeiramente, com imagens fazendo menção ao passado do grupo (Hammersmith, Acacia Avenue, Rainbow, pôsters e cartazes de turnês antigas); o boneco Eddie, que apareceu usando as mesmas vestes (e até as correntes) da capa de "Piece of Mind"; o baixo de Steve Harris, igualzinho ao da "Piece of World Tour" de 83 – aquele mesmo, o quadriculado! Mas um detalhe que provavelmente passou despercebido foi que o bumbo da bateria de Nicko McBrain mostrava uma imagem em preto e branco do Eddie de "Powerslave" – que, logicamente, não pertence à época dos Early Days. Proposital? Desapercebido? Isso aí só quem pode responder, além da banda, é o Rod Smallwood.
Foi uma noite e tanto. Houve, claro, alguns inconvenientes. O primeiro foi o do show ter durado apenas 1 hora e 45 minutos – é incrível como o tempo passa rápido quando é o Iron Maiden tocando. Segundo, para desespero de muitos, o show aconteceu numa terça-feira (em vez duma sexta ou dum sábado, por exemplo), e, o que é pior: em pleno período de provas – tanto universitárias como escolares – dos gregos. Além disso, no final de semana haveria Black Sabbath e nos dias seguintes Slayer, Dream Theater e outras atrações, o que provocou profunda dissensão na hora de escolher com o que gastar o dinheiro do mês. O resultado é que uma vasta maioria não pôde comparecer ao evento (já que muitos não moram em Atenas e, portanto, não poderiam viajar), transformando uma potencial presença massiva de fãs numa realidade de números flutuando entre 15 e 20.000 pagantes.
Mas valeu. O Iron Maiden é uma banda que continua na ativa como se fosse ontem a data de seu primeiro disco. O modo como se portam no palco, mesmo quando seus integrantes já beiram os cinqüenta anos de idade (ou inclusive sessenta, como é o caso de Nicko), é algo mais que louvável; e não menos respeitável é a forma como proporcionam ao público o que parece ser a razão de suas vidas. Durante 1 hora e 45 minutos parece que nada mais existe, e, no final do dia, o que antes sabia-se por ouvir falar torna-se quase senso comum: o Iron Maiden é uma das melhores idéias que já tiveram na história da humanidade e definitivamente esse grupo veio pra ficar. É um símbolo de qualidade sonora que fincou seu marco nos anais da música e que merece ser lembrado até o final dos tempos.
E não sou eu quem está dizendo: são os rostos de cada um dos espectadores presentes naquela terça-feira. Não é sempre que se vê novos fãs de 12 anos de idade assistindo, em êxtase, a um show lado a lado com bangers de mais de 40 anos de idade – muitos deles seus próprios pais. Se o Iron Maiden não for um ícone do que há de melhor no mundo da música, não tente provar a mim que estou enganado. Prove à maré infindável de acólitos mundo afora – os mesmos que não se contiveram e derramaram lágrimas durante o show da Donzela. Eles é que vão dizer se estou errado ou não.
Set List
1. The Ides of March
2. Murders in the Rue Morgue
3. Another Life
4. Prowler
5. Remember Tomorrow
6. The Trooper
7. Where Eagles Dare
8. Run To The Hills
9. Revelations
10. Wrathchild
11. Die With Your Boots On
12. Phantom Of The Opera
13. The Number Of The Beast
14. Hallowed Be Thy Name
15. Iron Maiden
- bis –
16. Running Free
17. Drifter
18. Sanctuary
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