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Rogério Skylab: Rock Nacional nada ortodoxo

Por Timoteo Fassoni
Fonte: Godard City
Postado em 22 de janeiro de 2020

"Tenho mais de 300 composições, trabalho ininterruptamente. Mas nunca fui interpretado por ninguém. Sabe o que é um compositor sem um intérprete? Tem bandinhas independentes que tocam minha música, mas estou falando de uma cantora que goste de seu trabalho e cante suas músicas. É por isso que me sinto um cadáver dentro da música brasileira."

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Indecente, maluco, politicamente incorreto, provocador, gênio incompreendido, imprevisível, pornográfico... Independente do que você pensa sobre Rogério Skylab, a notável máquina de fazer música que ele é o torna um artista, no mínimo, impressionante. Com uma discografia de 23 álbuns lançados até agora (janeiro de 2020), ele sempre surpreende (de uma maneira positiva ou não) qualquer um que o escute, seja com seu som pesado ou com as letras excêntricas, e comigo não é diferente.

Tendo como sua principal influência DAMIÃO EXPERIENÇÁ, suas músicas vão desde bossas como "Urubu" a rocks pesados e viajados como "Alucinação", sempre com muita experimentação e ornamentos surpreendentes. E, no fundo, seu trabalho se assemelha muito ao de Damião.

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Como o compositor diz: "Mergulhar no seio da experiência, desarticulando qualquer possibilidade de discurso, é aonde nos leva as canções de Damião. [...] E assim posto, parece mais uma bricolagem, juntando coisas incompossíveis, mas retiradas da experiência. Tara, vagabundagem, comunismo. Materiais retirados do lixo histórico e, ainda que antagônicos, postos lado a lado, como uma coleção de objetos. Qual dentre eles tem a primazia?"

Mas eu acho que sua obra é meio mal interpretada por várias pessoas. Tá legal, ouvir uma música que conta a história de um assassino em série matando freiras num convento é chocante e fácil de enxergar como uma música ofensiva. Mas devemos encarar o trabalho dele muito mais como poético, metafórico e teatral, com um significado a mais, assim como ele encara o trabalho de Damião.

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A própria música que citei – "Convento das Carmelitas" – é na verdade uma obra metalinguística em que Skylab declara sobre seu trabalho como uma sequência matemática: o 1, o 2, o 3, o 4...

Esse elemento é realmente muito claro no seu trabalho, como por exemplo, toda a série "Skylab" é formada como se fosse sempre os mesmos temas musicais se repetindo de formas muito diferentes (sempre inovando em cada volume), formando uma coleção de objetos tal onde nenhum tenha primazia e seus elementos não precisam ser conexos ou desconexos.

Devemos imaginar essa série não como vários discos isolados, mas sim como se conectados como páginas de uma revista, onde cada uma pode falar sobre qualquer coisa mesmo não tendo nada de semelhante entre elas, mas estando sempre conectadas. Já os seus trios de discos – a trilogia do carnaval e a trilogia do cu – devem ser encarados como pequenas coleções de objetos temáticos: uma que os liga pelo carnaval, a outra, pela infame filosofia do cu.

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Eu sinto que é preciso encarar seu trabalho como um fruto da cultura pós-moderna, indo além de letras sobre sexo, orgias, carnificinas e coisas absurdas. É preciso encará-lo como uma obra catártica para nossos sentimentos e rotinas tão sequenciais quanto suas séries e temas. Enxergar assim nos faz muito mais do que empáticos com sua música. Nos faz ver que sua obra é uma metalinguagem sobre nossa vida e nosso cotidiano. Assim como ele vê o trabalho de seu influenciador: "desarticulando qualquer possibilidade de discurso, é aonde nos leva as canções de Damião, alguém de olhos e ouvidos bem abertos ao seu tempo."

O que reforça mais ainda essa beleza excêntrica, é que muitas de suas músicas são algum tipo de resposta à outras do passado. Respostas essas sempre incertas e relativas ao significado dado por quem ouve, afastando um pouco de Damião nesse aspecto. A clássica ‘Matador de Passarinhos" dele é uma resposta à "Passaredo" de CHICO BUARQUE e FRANCIS HIME.

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Na música original o eu lírico é um homem preocupado com a vida dos pássaros espantando-os de perto sobre o aviso: "o homem vem aí." Já na resposta de Skylab, o eu lírico parece justamente o homem que vinha, mas já chegou para matar os passarinhos, declarando "para espantar o tédio e o vazio do existir" como sua motivação para a crueldade. Isso pode ser muito bem uma certidão de óbito sobre o velho MPB ou até mesmo uma letra que não vai mais afundo além da morte dos pássaros, sendo, de qualquer forma, mais uma das "coisas [...] retiradas da experiência."

Essa característica vai além da antropofagia cultural, é um diálogo músico-literal com o passado, tornando-o revigorado e muito mais atual, fazendo assim uma retórica do hoje com o ontem. Observe, também, faixas como "Carrocinha de Cachorro Quente", toda estruturada com declarações de cenas desconexas, isto é, objetos de igual primazia entre si, todas ligadas apenas pelo mesmo tema central, isto é, são todas cenas que retratam o cotidiano do nosso contemporâneo.

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Skylab já disse que vê essa música como uma espécie de ‘Tropicália’ moderna. Se na música de Caetano, é pintada uma parte da imagem a cada verso, tendo no final, um quadro que retrata a diversidade do Brasil intercedendo com as diversidades sonoras do movimento artístico. Já na proposta de Skylab, as pinceladas são abruptas, duras e desconexas, além de que cada uma delas conversam com a realidade que vivenciamos hoje, assim como suas diversidades sonoras.

Isso torna seu trabalho atemporal, hoje dialogando diretamente conosco, mas no futuro vai ser uma espécie de diagnostico da nossa sociedade, assim como o de Damião mostra os acontecimentos da época em que gravou seus discos, como quando ele fala da URSS e dos EUA se referindo à guerra fria.

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Mas antes de concluir, não posso deixar de falar de suas letras. As pessoas que olharem para elas sem analisar num contexto maior podem pensar que é apenas cômico e de mau gosto, mas não creio seja o caso. Primeiro porque isso apaga o que o artista de fato é, como já disse: "nem 20% do meu repertório traz letras com palavrão, mas é o que marca, o que chama atenção. Minha música não é isso!"

Além de que, suas composições dizem muito mais do que a superfície que lemos e escutamos, rejeitá-las pelas palavras que usam me parece algo como negar nossa capacidade de interpretar o poético e o abstrato. Adentrando mais nos seus significados, num século onde o niilismo e o absurdismo são muito difundidos no ocidente, um artista que encarna isso com sinceridade de uma forma niilista e absurda é, sinceramente, um retrato honesto, reconhecível e inteligente do nosso século, indo além no que Damião faz ao retratar seu tempo.

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Mas eu admito: é de fato fácil de condenar suas letras pelo peso que elas têm e pelos seus desvios da boa moral que até hoje faz parte de nosso imaginário. Mas observamos nossos dias: drogas, sexo, palavrões, piadas com os bons costumes, ironias e afins são objetos cada vez mais comuns em nosso cotidiano, cada vez mais deixamos para traz a antiga moral que tínhamos. Retratar esses objetos integrando-os com sensibilidade e naturalidade é necessário.

Mas se mesmo assim as letras dele parecerem absurdas demais para você, seja por qual for o motivo, lembre-se sempre que podemos gostar das coisas admitindo um olhar crítico tal que aproveitamos somente o que julgamos sermos bom no produto oferecido. Não é difícil deixar para lá o que te incomoda tanto nas letras, basta assumir esse olhar crítico sobre ela.

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A música de Rogério Skylab é mais do que putaria, carnificina e humor, aliás, ela não encarna de fato essas coisas, na verdade, ela é um retrato sincero e cru sobre o contexto que estamos inseridos, é uma coleção de objetos onde nenhum deles precisa ter primazia alguma. Ela, de uma forma nada convencional, nos trás para nossa própria cultura pós-moderna. Eu acredito que tudo isso o faz mais do que um simples músico e definitivamente não posso vê-lo como cadáver, por isso escrevo esse texto, preciso falar sobre o que de fato faz dele um artista notável: não é pelas palavras usadas, mas sim pela sua arte como um todo.

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