Arquivo do Rock: Trinta anos de Hollywood Rock 1990
Por Rafael Ferrara
Fonte: Radio Catedral do Rock
Postado em 22 de março de 2020
Em janeiro de 2020, a terceira edição do Hollywood Rock que rolou em 1990 completou 30 anos. Muitos fãs do festival estranham a edição de 1990 ser considerada a terceira, pois antes dela só se lembram da edição de 1988. Contudo, em 1975 rolou uma edição do festival levando exatamente o mesmo nome. O problema é que como não teve bandas internacionais, a maioria prefere desconsiderar essa edição. Aliás, muitos preferem chamar essa edição de Amigos do Nelson Motta Rock, pois foi composto apenas por bandas próximas ao jornalista que foi quem fez os convites. Mesmo assim, isso é assunto para outro episódio do Arquivo do Rock.
A edição de 1990 do Hollywood Rock foi a segunda com line-up misturando artistas nacionais e internacionais. Além disso, foi também a segunda no formato de duas agendas iguais. Uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. Desde que se iniciou em 1988 com artistas nacionais e internacionais, o festival manteve um line-up igual em ambas as capitais. Isso é, quem tocava em São Paulo, tocava alguns dias depois no Rio de Janeiro. A única exceção foi exatamente no festival de 1990, porque entre o final de semana de São Paulo e o do Rio Janeiro, Gilberto Gil, um dos artistas daquela edição, perdeu o filho em um acidente de carro e, por isso, precisou ser substituído por Margareth Menezes no Rio de Janeiro. Aliás, o filho de Gil também era o baterista de sua banda.
Tanto em São Paulo, quanto no Rio de Janeiro, a edição de 1990 aconteceu em três dias, respectivamente no Estádio do Morumbi e na Praça da Apoteose. O line-up nacional foi composto por Barão Vermelho, Capital Inicial, Engenheiros do Havaí, Lobão e Gilberto Gil/Margareth Menezes. Detalhe para o Lobão que um depois seria hostilizado pelo mesmo público carioca, desta vez no Maracanã na segunda edição do Rock in Rio. Já o line-up internacional foi composto por Tears for Fears, Terence Trent D’arby, Eurythmics, Marillion, Bon Jovi e Bob Dylan. Resumindo, um line-up que em um todo foi bem comercial e fofinho.
Dentre os nomes internacionais da edição, sem dúvidas, Terence Trent D’Arby foi o nome que menos vingou. Ele chegou no festival com a turnê do seu segundo álbum Neither Fish Nor Flesh que já era considerado bem fraco na época. O fato era que seu único sucesso, a chiclete Wishing Well, foi o que o credenciou ao festival. Até tentaram, cinco anos depois, emplacar um segundo single dele por aqui colocando a faixa Hold On To You na trilha sonora da novela A Próxima Vítima. Ainda assim, a música, que era chatíssima, não vingou. Uma curiosidade sobre o Terence Trent D’Arby é que, numa tentativa de se reinventar e voltar às paradas, ele mudou seu nome legalmente para Sananda Maitreay. Obviamente não surtiu efeito pois, era evidente que o problema não estava no nome. O mais impressionante sobre a tamanha expectativa sobre ele é que ele foi colocado como head-line num dia com Barão Vermelho, Lobão e Eurythmics.
Diferentemente do Terence Trent D’Arby, a banda Eurythmics, que na verdade é um duo, possui mais de um sucesso. A dupla inglesa, formada pela talentosíssima Annie Lennox e seu parceiro Dave Stewart, levou para o festival a faixa febre, que é contagiosa até hoje, Sweet Dreams. Para se ter uma ideia do quão atemporal a faixa é, Sweet Dreams credenciou a dupla para um festival de 1990, mesmo sendo um hit de um álbum homônimo de 1983, sete anos atrás. Vale destacar que a turnê em que estavam naquela época era de um álbum chamado We Too Are One de 1989. A turnê se chamava Revival Tour que, pelo nome, já dava sinais de que estavam prestes a encerrar atividades. Tanto que só lançaram outro álbum em 1999. A dupla, como disse, teve outros sucessos, destaque para The Miracle Of Love e There Must Be An Angel em que nos primeiros segundos Annie Lennox já coloca para quebrar nos vocais com agudos que só ela consegue alcançar. Aliás, em sua carreira solo já no século atual, Annie emplacou alguns sucessos como No More I Love You’s.
Quem não podia ser rotulado naquela edição como banda de um hit só eram os ingleses dos Tears For Fears, ou Tias Fofinhas como brincamos por aqui. A banda, composta em essência por Roland Orzabal e Curt Smith, talvez seja a maior "hit maker" do gênero que gosto de classificar como rock bonzinho. Eles chegaram no Hollywood Rock com a turnê de seu terceiro álbum The Seeds Of Love. Só deste álbum, eles emplacaram três hits épicos como Sowing The Seeds Of Love, Advice For The Young At Heart e Woman In Chains que tem o vocal inesquecível de Oleta Adams. Aliás, poucas pessoas sabem, mas quem toca a bateria em Woman In Chains é ninguém menos que Sir Phil Collins. No set-list, eles trouxeram outros hits que já há tempos tocavam nas rádios como Shout, Mad Word, Change, Head Over Heels e seu maior clássico Everybody Wants To Rule The World que é inconfundível apenas pelos acordes iniciais. A banda tocou na mesma noite que Gilberto Gil (em São Paulo), Margareth Menezes (no Rio de Janeiro) e Bob Dylan (head-line em ambas as capitais).
O primeiro dia do festival em ambas as capitais teve apenas três bandas e quem fechava era Bob Dylan. Cantor, guitarrista, compositor, escritor, pintor, dentre outras coisas, Bob Dylan é tudo e mais um pouco. Talvez o termo amplo artista não seja suficiente para simbolizar sua genialidade. Naquele verão brasileiro de 1990, Bob Dylan pisava no Brasil pela primeira vez. Seu show em São Paulo foi o seu primeiro show na América Latina. Sendo sempre respeitado pelo público que reconhece a sua importância para cenário musical mundial, Bob foi recebido por um público majoritariamente de jovens. Nas suas costas, alguma dezenas de discos de ouro e de platina, além de um enorme catálogo de singles que fizeram sucessos tanto na sua voz, quanto na de outros intérpretes, como Like A Rolling Stone, Mr.Tambourine Man, Blowing The Wind, Knocking On Heaven’s Door e All Along The Watchtower. Ele vinha de dois lançamentos feitos em 1989. O primeiro foi um álbum ao vivo de uma turnê conjunta com a banda californiana Greatfull Dead em 1988. O segundo, de estúdio, chamado Oh Mercy, teve uma recepção bem fria do público, mesmo sendo elogiado pela crítica, principalmente pela qualidade das letras das músicas. Em seu show, clássicos do início ao fim para o deleite de uma plateia vidrada de frente para um dos maiores da música mundial
Das bandas internacionais, a que mais destoava na sonoridade das demais era a banda de rock progressivo, fundadora do movimento neo-progressivo, Marillion. A banda, quando surgiu em 1979, levava o nome de Simarillion em referência ao universo de J.R.R. Tolkien, mas por motivos legais, teve de encurtar o nome. Aliás, o nome atual, na minha opinião, é muito mais comercial. Com a turnê do álbuns Seasons End, a banda aterrissou no Hollywood Rock com um ar de bastante desconfiança por diversos motivos. Primeiro por parte da imprensa local que acreditava que o público estranharia a sonoridade das principais músicas da banda, tendo em vista que seu maior sucesso por aqui era a balada romântica Kayleigh que tocava exaustivamente nas rádios. Segundo porque a banda tinha acabado de trocar seu vocalista. A saída do frontman Fish para a entrada Steve Hogarth, vulgo H, gerou muita polêmica. Tanto que seus fãs divergem até hoje qual foi a melhor fase da banda, a fase chamada Era Fish ou a fase Era H. O que ninguém contava por aqui era com um Steve Hogarth disposto a fazer uma performance histórica para mostrar que chegou para ficar. O auge da apresentação foi quando a banda tocou Incommunicado que teve dois solos de guitarra. Durante o primeiro solo, Hogarth guardou o microfone no bolso e escalou a estrutura do palco. Então, ao final do solo, lá do topo, ele seguiu a cantar a música. Depois, ele aproveitou o segundo solo para descer de volta. Obviamente, o público foi ao delírio, a performance ficou registrada como épica e Hogarth caiu nas graças dos fãs.
Um dos maiores nomes da edição de 1990 foi o Bon Jovi que pisava pela primeira vez em solo brasileiro. O galã que fazia a turnê do álbum New Jersey estava mais que estourado nas paradas com seus recentes hits do último álbum como Lay Your Hands on Me, I’ll Be There for You, Bad Medicine e Born to Be My Baby. Não bastante essa quantidade de sucessos, ele tinha outros sucessos de álbuns anteriores, e o maior deles era You Give Love a Bad Name, que inclusive entrou novamente no álbum New Jersey, mas desta vez com uma versão ao vivo. O single, para quem não se lembra, era oficial da propaganda dos cigarros Hollywood na época. Aliás, era bastante comum a marca utilizar singles de rock and roll em suas propagandas, sempre acompanhados de cenas de esportes radicais. Ele foi head-line no mesmo dia que teve Capital Inicial, Engenheiros do Havaí e Marillion.
O Arquivo do Rock é um programa de 1 hora de duração que vai ao ar na Rádio Catedral do Rock todo sábado às 14 horas. O Episódio 01: Trinta anos de Hollywood Rock 1990 foi ao ar no dia 1º de Fevereiro de 2020 e está disponível no formato de Podcast no Spotify e Deezer.
Rafael Ferrara é locutor da Rádio Catedral do Rock (90,1 FM – Petrópolis) onde apresenta o programa Arquivo do Rock e também apresenta o Podcast Faixa a Faixa com o Jorge Felipe.
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