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Ceará: Lucas Powerhead, o primeiro porta-voz da cena

Por Leonardo M. Brauna
Postado em 10 de outubro de 2013

O Headbanger LUCAS JÚNIOR, ou LUCAS POWERHEAD é uma das figuras emblemáticas da cena roqueira de Fortaleza, foi ele que teve a idéia de chamar amigos para a fundação de um fã-clube de onde partiu a primeira manifestação escrita sobre Heavy Metal do estado do Ceará, isso em 1985. O "informativo" que carregava o nome do fã-clube, True Metal’s, foi fruto de uma iniciativa pioneira deste homem que ajudou a formar uma cena metálica que hoje é uma das maiores do Nordeste. Na conversa que tivemos, POWERHEAD conta como fazia para informar as pessoas sobre o que acontecia no mundo da música pesada em plena transição da ditadura, sobre a sua luta também em procurar espaço na mídia popular da época e várias outras histórias.

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Fotos: Barcelos Saxon

O Rock nos anos setenta possuía uma originalidade espantosa nas criações, que chega a ser difícil encontrar uma banda que fizesse música ruim. Cada composição um estilo próprio, cada riff uma marca própria, solos então, a confirmação da identidade de quem os criara. Quais foram as primeiras bandas de Rock que você conheceu e como surgiu a sua paixão em cima disso?

Lucas Powerhead: Exatamente. Os ingleses sempre tiveram a preocupação com a originalidade. Detalhistas, esforçavam-se em fazer um som pesado e de qualidade. Não precisava a gente olhar a capa do LP, era só escutar a primeira e a última música e dizer: "essa banda é britânica!" O JUDAS PRIEST, PINK FLOYD, BLACK SABBATH, AC/DC (da escola), URIAH HEEP, LED, PURPLE, MOTÖRHEAD, QUEEN já focalizavam a importância da musicalidade, sem a preocupação do comercialismo, sem a necessidade de trazerem uma ou duas músicas para puxarem as vendas. Eu comecei ouvindo PETER FRAMPTON aos doze anos, com guitarra forte, já me induzindo para algo mais pesado. Achar disco de Rock em Fortaleza já era algo raro, quanto mais por um garoto. Foi quando um colega de escola "roubou" de seu irmão o "Comes Alive", ao vivo, 1976, e me levou a este mundão que é o motivo maior da minha vida. Ouvia, ainda, discretamente, ROLLING STONES, HENDRIX, PINK FLOYD...

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No final daquela década até a chegada dos anos oitenta, a cultura do Rock no Norte e Nordeste era bem mais "retraída" que no sudeste do país, porém em Belém (PA) a banda STRESS surgiu em 1974, e como sendo uma das primeiras bandas de Rock ‘tupiniquim’ é considerada também a primeira banda de ‘Heavy Metal’ brasileiro. Você acha que realmente essas duas regiões eram supostamente "fracas" dentro do novo cenário que se erguia, ou o problema estava nas poucas coberturas de mídia da época?

Powerhead Totalmente retraída. A questão era comunicação. Cada um no seu canto, passando as notícias pelos Correios. Eu lá sabia que exista banda STRESS na Amazônia e O PESO em minha terra... Quem iria divulgar Rock em plena ditadura? Era risco para o jornalista. Os caras do PESO foram para o Rio de Janeiro e por lá fizeram o seu nome, não aqui. Conheci o STRESS em 1985 com "Flor Atômica", um puta disco, não dava para acreditar que vinha do Pará. Mas o cenário era fraco, não tinha como afirmar o contrário se até uma ligação telefônica era cara. Só foi melhorar a partir da metade dos anos oitenta, uma explosão após a queda dos militares.

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Você foi o primeiro "zineiro" (digamos assim) da cena metálica do Ceará. A idéia surgiu a partir de seu fã-clube True Metal’s. Quando você achou que se fazia necessário esse trabalho de informação para um público ainda emergente em Fortaleza?

Powerhead Não usávamos o termo "fanzine". Era tudo True Metal’s Fan Club, cujo endereço era o meu, na Piedade, Fortaleza. Surgiu em 1985 porque era realmente necessário. Terminei o segundo grau no ano anterior e sequer fiz o vestibular. Estava decidido a me dedicar exclusivamente ao Rock e não voltei atrás. Já me correspondia com a galera do Sul desde 1979, quando fiz parte do fã-clube do PETER FRAMPTON em São Paulo, e tinha segurança quanto à decisão de ousar e mostrar que Fortaleza crescera, com bangers surgindo de todos os lados, e o mais importante, com vasto material. Eu tinha pôsteres importados colados até no forro do meu quarto.

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Talvez fosse complicado trabalhar com esse tipo de informação numa época em que não existiam recursos para pô-la em tempo real ou mesmo aproximado, e se tratando de uma cena underground é que as coisas ficavam ainda mais delicadas, pois tudo exigia um esforço mútuo tanto pra quem enviava e recebia como quem publicava as matérias. Você sentia muito essa dificuldade?

Powerhead: Para se ter idéia, como conta bancária era artigo de luxo, tínhamos duas opções para adquirir materiais de fora. Um era através do vale postal dos Correios, pagar para enviar dinheiro, ou arriscar colocando grana dentro do envelope e torcer para dar certo. Felizmente nunca vacilei. Meus contatos eram de confiança. Antes de a ‘Woodstock Rec’. surgir a gente mandava gravar fitas em São Paulo. Todos os nossos ‘thrashes’, na época, vieram pelos Correios. Já algumas revistas importadas chegavam à Fortaleza. Ir às bancas era tarefa diária, mas feira do ‘troca-troca’ era evidente em todo o País, quando fazíamos uso dos free-shops da ‘Somtrês’ e da ‘Rock Brigade’, que era informativo (não revista). Foi através deles que conhecemos uma de nossas primeiras bangers, a ‘Jurema’, cearense que morava em Sampa.

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Quando a primeira publicação do True Metal’s foi lançada, já existia banda de Heavy Metal em Fortaleza?

Powerhead: Em 1984 havia a primeira banda de Heavy Metal de Fortaleza. Ensaiava na casa da líder, baterista TETÊ MOREIRA, a maior fã do KISS que conheci, mais até do que meu amigo ‘Zé Antônio’. URANIUM 38 Possuía músicas próprias mais execuções do KISS e VAN HALEN. Pessoal de classe média, bem instrumentado, tinha tudo para dar certo. Mas de repente a banda acabou e nunca se soube por quê. Como nunca tocou ao vivo creio que a ASMODEUS ficou com a ‘coroa’.

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Outros três amigos seus participavam da estruturação das publicações, as tarefas ficavam divididas entre você, ‘Jander Martins’, ‘João Carlos’ e ‘Ferré’, o espanhol. Já aconteceu de algum contato não responder, causando assim, uma pauta extra (de improviso) para a substituição daquele tema, ou tudo era fechado quando achavam que deveriam?

Powerhead: As bandas da vez eram METALLICA, MANOWAR, SLAYER, EXCITER, ANTHRAX, ANVIL, VENOM, MERCYFUL FATE, ACCEPT e, obviamente, todos queriam comentar os discos delas. Mas ainda restavam BLACK SABBATH, IRON MAIDEN, AC/DC e MOTÖRHEAD. Dava para dividir com todos. ‘No problem’, sem pautas extras. No primeiro número assinei como LUCAS YOUNG, depois LUCAS POWERHEAD, homenageando o MANOWAR até hoje e sempre.

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Hoje, como está o seu contato com os antigos colaboradores?

Powerhead: O ‘Jander’ ficou "môco" (N.R.: Palavra do costume cearense de referir-se à pessoa com problema de "surdez") de tanto ouvir som alto e endoidou dormindo com a ‘caveira Melissa’, que profanara do Cemitério São João Batista durante a célebre reportagem do jornal O Povo em 1987. O ‘João Carlos’ é fazendeiro no Maranhão. E o ‘Ferré’ vive viajando tratando de disco voadores e astronomia que aprendeu no colégio. Meu contato com eles é zero. Mas sei que continuam curtindo Metal.

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Falando sobre ‘Jander Martins’, a matéria de ‘Flávio Paiva’ em 10 de janeiro de 1987 falava de um festival que acontecera no famigerado ‘Clube do América’. A foto ilustrativa mostrava ‘Jander’ junto de amigos nesse cemitério "empunhando" restos humanos, isso na época devia ter chocado muito a população, já que o referido jornal é um dos que têm maior circulação no estado do Ceará...

Powerhead: Você se refere ao ‘Necrofestival’? Sim, em janeiro de 87 no ‘América clube’. Tava lá a foto do Jander, fazendo "inveja" a CRONOS (VENOM), com ossos humanos na boca para a tristeza do pai dele, auditor da Receita Federal.

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Além desse trabalho de informar o Headbanger sobre o que acontecia na cena, você chegou a gravar a ‘demo’ da primeira banda Metal de Fortaleza, o ASMODEUS. É uma pena que tal material hoje não exista mais, até porque assim como os dois exemplares do True Metal ’s, as gravações daquela fita cassete seria um patrimônio valioso para o Metal cearense.

Powerhead: Não gosto de lembrar dessa demo. Tanto eu como o ANDERSON (ex-baixista do ASMODEUS) a perdemos, mais pelo aspecto histórico. Fui convidado para o ensaio e disse que só iria se gravasse. Cheguei para eles, ANDERSON, MAJELA (ex- guitarra/vocal) e HERCULANO (ex- baterista), e mandei baterem pesado, fazerem de conta que estavam num estúdio. E o meu ‘National’ japonês registrou que foi uma beleza, saindo no final o meu grito: "Year"!

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Você chegou a gravar materiais para outras bandas daquela época? Além das já citadas, URANIUM 38 e ASMODEUS ainda existiam PARANÓIA, ORPHEUS, ZOLTHAN, sem falar nas bandas Punks RAMORTE e REPRESSÃO X, correto?

Powerhead: As bandas que surgiram após ASMODEUS já possuíam boa estrutura, não precisaram de mim. Deram o recado magistralmente. Aliás, as bandas cearenses de Metal sempre foram boas. Já as punks eram divididas, sem público e sem apoio. Quando eles iam tocar chamavam a gente para ter público e "enxame" (N.R.: "aglomeração de pessoas", no bom ‘cearês’).

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Hoje como você avalia a atenção e a honestidade da mídia sobre a cena underground de Fortaleza? Falo dos veículos de massa e os especializados.

Powerhead: A imprensa cearense é conhecida em boicotar o Underground. De cem pedidos ela atende dez, e quando o faz é porque algum jornalista gosta de Rock. Em 1985 eu tive a infeliz idéia de ir à ‘Rádio FM do Povo’ reivindicar um programa diferente e só vi uns idiotas rirem, escondidos, dos nossos cabelos. Um tal de ‘DJ Stone’ de repente colocou OZZY nas alturas fora do ar para ver nossa reação. O ‘Jander’ olhou pra mim surpreso e gratificado, e eu disse: "vamos embora porque isso aqui não é pra nós". A força da internet mandou essa mídia para a ‘casa do caralho’. Prefiro me comunicar com vocês no ‘FaceBook’, ler um ‘blog’, prestigiar ‘Estação Bem Fazer’ do JERÔNIMO (N.R.: vocalista da AGONY que mantém o programa de web - radio, ‘Blitz Metal’).

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Atualmente quais as bandas cearenses que mais lhe chamam atenção?

Powerhead: OBSKURE e DARKSIDE pela história, pelo legado. Profissionalismo, paciência e muito amor ao Heavy Metal. Ouço o ‘Prayers in Doomsday’ (último álbum do DARKSIDE) e me pergunto por que só agora, um ano depois, está sendo reconhecido fora do País. É difícil entender. Não posso esquecer-me do puta sonzão Thrash do WARBIFF, do CLAMUS e da grande evidência do S.O.H., som cearense, destaque na imprensa especializada e agora tocando na Europa. Isso é bom demais. Não quero citar mais porque alguém vai ficar injustamente de fora. E quero conhecer mais. Podem ter certeza que elas têm o meu apoio.

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Eu agradeço pelo seu pioneirismo que muito incentivou os primeiros jovens headbangers, que conseguiram vencer as suas barreiras e, hoje, fazem do Ceará um dos mais importantes cenários no Nordeste. Obrigado também pela oportunidade de entrevistá-lo. Fique à vontade para as últimas considerações.

Powerhead: Agradecer nada. Por acaso eu comecei cedo e na hora certa. Muitos desses nossos fodidos amigos hoje com dezoito anos vão morrer ouvindo Metal assim como nós, não é, Leonardo?

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Certamente.

Powerhead: Quero dizer que eu só ouço Heavy Metal. Se comecei por PETER FRAMPTON foi porque já era Rock e não existia SLAYER. Sofri correndo da ‘PM’, com o preconceito da sociedade, por não trabalhar, mas infinitamente feliz por amar o verdadeiro Metal, o Metal que não tem idade. Jamais abra mão da sua felicidade.

Contatos:

https://www.facebook.com/lucas.junior.370515?fref=ts

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Sobre Leonardo M. Brauna

Leonardo M. Brauna é cearense de Maracanaú e desde adolescente vive a cultura do Rock/Metal. Além do Whiplash, o redator escreve para a revista Roadie Crew e é assessor de imprensa da Roadie Metal. A sua dedicação se define na busca constante por boas novidades e tesouros ainda obscuros.
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