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Acertos, erros e psicodelia: o novo retorno do RHCP

Resenha - Return of the Dream Canteen - Red Hot Chili Peppers

Por Eduardo Quagliato
Postado em 08 de novembro de 2022

Nota: 7 starstarstarstarstarstarstar

Eu realmente não esperava escrever a resenha de um novo disco dos Red Hot Chili Peppers tão cedo! Apenas 6 meses depois do lançamento de Unlimited Love, que marcou o retorno da banda após o maior hiato de sua história (e que ainda trouxe como importantíssimos bônus a volta do guitarrista John Frusciante e do mega produtor Rick Rubin), eis que a banda, que é conhecida por sempre ter produzido um volume absurdo de músicas nas sessões de ensaio e gravação de seus álbuns, resolveu que havia muito material de qualidade da "era Unlimited Love" para ser lançado apenas como b-sides (ou mesmo nunca ver a luz do dia)... E então, numa atitude inédita, eles anunciaram o lançamento de um segundo disco "full play" no mesmo ano - de novo, com 17 músicas e passando dos 70 minutos de duração!

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Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Sou fã do RHCP há mais de 20 anos, mas confesso que, desta vez, eu não estava tão empolgado. Não só porque o "grande retorno" já não era mais novidade, mas principalmente porque a expectativa altíssima em torno de Unlimited Love acabou sendo respondida com um disco mediano - que, apesar de ser melhor que os fracos trabalhos lançados com Josh Klinghoffer, não chega ao nível dos discos clássicos da banda (os quais tiveram todos a mesma formação: Anthony Kiedis nos vocais, Flea no baixo, John Frusciante na guitarra e Chad Smith na bateria).

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Ora, se as músicas de Return of the Dream Canteen foram criadas e gravadas nas mesmas sessões de seu antecessor, seria de se esperar que o novo disco fosse uma continuação natural, sem grandes surpresas, certo? Errado.

Devo dizer que, na primeira audição, não gostei do que ouvi. Quase nenhuma música chamou muito a atenção, e eu simplesmente não entendi as várias faixas experimentais, que destoam totalmente do que estamos acostumados a escutar quando se trata de RHCP; de cara, dei uma nota 5 para o álbum, e demorei uns dias para querer ouvi-lo de novo.

Foi aí que a coisa começou a mudar um pouco de figura. Assim como Unlimited Love, o alto número de músicas e a longa duração do disco o tornam de difícil absorção; e, em Return of the Dream Canteen, há, ainda, um fator extra que torna essa "digestão" ainda mais complicada: a boa dose de experimentalismo. Assim, são necessárias varias audições, até que você consiga assimilar melhor o que está acontecendo, e então possa emitir uma opinião mais concreta.

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Devido a isso, desta vez eu fiz diferente de todas as outras ocasiões em que escrevi uma resenha para o Whiplash: sempre redigi minhas impressões logo após o lançamento de um disco, e posso garantir que, posteriormente, elas mudaram muito pouco; porém, com Dream Canteen, resolvi esperar algumas semanas... E com isso, a verdade é que minha opinião sobre o álbum foi mudando - para melhor!

Chega de enrolação - vamos ao faixa-a-faixa.

TIPPA MY TONGUE: talvez a escolha mais óbvia para o primeiro single. Mais "acessível", ela tem uma levada funkeada, no estilo do RHCP antigo, e tanto a letra quanto o videoclipe representam bem a ideia de psicodelia que o novo álbum passa. Não chega a ser uma abertura bombástica, mas cumpre seu papel com dignidade.

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PEACE AND LOVE: na era Californication, a banda produziu uma montanha de b-sides e músicas que nunca foram oficialmente lançadas, como aquelas do bootleg "Teatro Sessions" (se você não conhece, vá atrás porque vale a pena). Essa faixa parece ter sido tirada de lá: a "vibe" é a mesma, e os timbres de guitarra e baixo são bem parecidos. Porém, não chega a ter um ponto alto, somando-se à (extensa) lista de músicas do RHCP que, com o tempo, se tornam um tanto esquecíveis.

REACH OUT: essa segue uma linha bastante explorada em Unlimited Love (e que naquele disco, nem sempre funcionou tão bem): a alternância de trechos calmos e melancólicos com outros pesados e cheios de groove. Mas dessa vez, a banda acertou a mão: a música é boa, e gruda facilmente na cabeça!

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EDDIE: um dos destaques do disco! Os primeiros segundos são idênticos aos de By The Way, e depois disso a música segue no mesmo estilo de outras que também foram produzidas naquela mesma época, como The Zephyr Song e Save The Population. John e Flea criam agradáveis melodias ao longo de toda a faixa, até que na reta final, o guitarrista emenda ótimos solos nos quais usa, inclusive, técnicas de Eddie Van Halen (o grande homenageado)!

FAKE AS FU@K: mais um ponto ALTO do álbum! O começo lento engana, porque logo depois a música vira uma quebradeira só, com uma linha de baixo alucinante, um riff rápido e instrumentos de sopro. Por mais inusitado que possa parecer (e na verdade nem é tanto, devido às influências de Flea), algumas partes lembram demais o nosso TIM MAIA - a única diferença acaba sendo a letra em inglês!

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BELLA: a "malemolência" típica de tantos clássicos antigos do RHCP dá as caras aqui, com aquela levada "malandra" de Frusciante nas seis cordas. O refrão é mais pop, mas gostoso de ouvir e cantar. Assim como em várias outras faixas do álbum, é possível ouvir um teclado ao fundo, preenchendo os espaços. Boa música.

ROULETTE: as características "ghost notes" de Chad Smith enchem a levada dessa faixa do começo ao fim, e é nos últimos segundos que, para os ouvidos menos atentos, elas ficam isoladas e bem evidentes. O refrão é o primeiro momento no álbum - e um dos únicos - em que violões aparecem, mas ainda assim, de forma tímida. Legalzinha.

MY CIGARETTE: terminada a sequência mais consistente do disco (de Reach Out a Roulette), começam aqui os experimentalismos. Com bateria eletrônica, diversos efeitos de teclado, notas bem pontuais de guitarra e até um solo lento de sax no final, parece um pop retrô, MUITO diferente do que qualquer coisa que a banda já fez. Se não chega a ser uma grande música, vale pela inovação.

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AFTERLIFE: boa parte do que foi escrito sobre Peace and Love também cabe aqui. Há as mesmas reminiscências do passado, e a maior parte da música também é relativamente calma. Porém, o final, com um barulhento solo de Frusciante, destoa. Mais uma que não é ruim, mas que não empolga muito.

SHOOT ME A SMILE: as melodias do verso são interessantes, com um bom entrosamento entre o que Anthony Kiedis canta e o que John Frusciante toca. O refrão, um tanto dramático, também agrada. É outra música mais cadenciada, como a maioria de suas "colegas" nesse disco. Not bad!

HANDFUL: em todos os discos da banda desde By The Way, sempre houve ao menos uma música com influências de reggae e/ou ritmos latinos. É o caso desta faixa, na qual, embora talvez elas não estejam tão "na cara", você as percebe conforme ouve a faixa mais vezes - a bateria "arrastada" e os complementos dos instrumentos de sopro são as maiores evidências disso. Contudo, esse conjunto não é suficiente para fazer Handful chamar muito a atenção.

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THE DRUMMER: pelo título, seria de se esperar um show à parte de Chad Smith, mas não é o que acontece. Na verdade, é mais um dos experimentalismos do álbum, consistindo num pop rock com uma forte pegada indie. O órgão, inclusive, aparece mais que a guitarra. Estranha escolha para um segundo single. E a parte mais legal, que é o final com melodias meio psicodélicas só de teclado, acabou ficando de fora do álbum e só aparece no videoclipe.

BAG OF GRINS: provavelmente a faixa mais pesada e "baixo astral" do álbum, com uma notória influência grunge no refrão. Ou seja, dá pra ver que em Return of the Dream Canteen, a banda atira pra muitos lados - mas nem sempre acerta; é o caso dessa música, que, apesar de não fazer feio, não "decola" e acaba entrando na categoria das "fillers".

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LA LA LA LA LA LA LA LA: à primeira audição, a sensação é de "WTF" total; além do título tosco (repetido várias vezes por Kiedis ao longo da música), ela é toda baseada em efeitos eletrônicos, não há bateria nem qualquer tipo de percussão, e o sax e um piano aparecem aqui e ali. Consegue ser ainda mais diferente que My Cigarette! Mas no fim das contas... Sabe que não é ruim? Não tem absolutamente nada a ver com o RHCP que conhecemos, mas a verdade é que esse fator "inovação", somado às bonitas melodias melancólicas, contam pontos a favor dessa curiosa faixa.

COPPERBELLY: não há muito o que dizer sem soar repetitivo, pois o que temos aqui é mais uma faixa semelhante a outros "preenchimentos" como Peace and Love, Afterlife e Handful. A única coisa que sai um pouco da média é o solo, onde os três instrumentistas da banda "soltam os cachorros" como se estivessem numa das jams que sempre fazem ao vivo. Fora isso, nada demais.

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CARRY ME HOME: quando o disco parece estar consolidando uma "caída", vem essa pedrada 100% hendrixiana! Realmente parece uma música saída dos anos 60 ou 70, com Frusciante dando um show à parte e chegando a soar também, em alguns momentos, como Tony Iommi (do Black Sabbath)! Sem dúvidas, um dos principais hits do álbum.

IN THE SNOW: e dá-lhe experimentação - e sentimentos um tanto divididos... A faixa que encerra o disco é a mais longa dele, e mais uma que é difícil de absorver de primeira. Eletrônica, arrastada, cheia de efeitos psicodélicos, com vários versos falados (e não cantados), e marcada por uma batida que sequer soa como Chad tocando uma bateria eletrônica, mas sim apenas como um ritmo pré-gravado de teclado. Extremamente diferente do que se esperaria do RHCP... Mas tem a sua beleza!

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... E então, quais são as conclusões?

A primeira é a de que Return of the Dream Canteen é um disco bem diferente, e, de fato, seria estranho se ele fosse o álbum do "retorno". Provavelmente, a banda percebeu que a sensação de "que porra é essa?" seria muito grande, então, antes deram uma "amaciada" com Unlimited Love (que é um disco um pouco mais convencional e, portanto, mais pensado para agradar os fãs); feito isso, soltaram então esse outro trabalho, que, sem dúvida, corre mais riscos.

Apesar disso, verdade seja dita: muitas vezes o RHCP pecou pelos excessos, e aqui, não foi diferente. Assim como na maioria dos discos da banda (senão todos), o novo álbum também tem várias "fillers" - ou, em bom português, encheção de linguiça; não são músicas necessariamente ruins, mas é fato que elas não fariam grande falta se fossem excluídas (e, de quebra, isso poderia deixar o trabalho final mais consistente).

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Em relação às experimentações, é preciso ter a cabeça aberta para reconhecer o seu valor. Particularmente, prefiro ver os quatro caras mandando ver no rock 'n' roll, e como baterista, eu fico incomodado em ver Chad Smith - uma das minhas maiores influências - sendo chutado para escanteio nessas horas. Mas, por outro lado, é interessante ver a banda saindo de sua zona de conforto e tentando coisas novas, sendo que alguns dos resultados são, sim, positivos. Ah, e aquela declaração de John Frusciante de que ele não traria as influências eletrônicas de sua carreira solo para o RHCP claramente não se cumpriu...

A propósito, assim como ocorreu em Unlimited Love, chega a ser incrível como, apesar de obviamente haver coisas que lembram o passado da banda, o "velho" RHCP consegue mais uma vez ser "novo", pois a banda teve, novamente, fôlego para criar sonoridades inéditas em boa parte do tempo - veja essa e outras constatações na resenha de Unlimited Love.

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De novo, senti falta de: uma boa balada; momentos acústicos (há ainda menos que no álbum antecessor); e uma música que passasse dos 6 minutos. Porém, uma diferença importante entre os dois álbuns de 2022 é que, dessa vez, a banda acertou a mão em cheio ao criar algumas faixas realmente memoráveis - o que sinto que aconteceu menos em Unlimited Love, que é um disco com bons momentos, mas com quase nenhum deles se sobressaindo "pra valer".

O que quero dizer é que, para o meu gosto pessoal, em termos quantitativos, o disco anterior foi melhor: ele tem mais faixas que eu gostei. No entanto, em termos de qualidade, Return of the Dream Canteen ganha, porque mesmo tendo um número um pouco menor de músicas que me agradaram, a maioria das que curti, curti "de verdade" - Reach Out, Eddie, Fake as Fu@k e Carry Me Home que o digam.

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No fim das contas, os dois álbuns, cada um à sua maneira, se completam e equilibram - tanto que minha nota para ambos é a mesma. Sem dúvida, se os excessos fossem aparados e ambos fossem condensados em um disco só, com o melhor de cada um, o resultado final seria - aí sim - um grande retorno dos californianos, se aproximando mais daquilo que a banda já produziu de melhor. Mas convenhamos: se fosse assim, não seria o RHCP, não é mesmo?

1. "Tippa My Tongue" 4:20
2. "Peace and Love" 4:03
3. "Reach Out" 4:11
4. "Eddie" 5:41
5. "Fake as Fu@k" 4:22
6. "Bella" 4:51
7. "Roulette" 4:57
8. "My Cigarette" 4:24
9. "Afterlife" 4:13
10. "Shoot Me a Smile" 3:43
11. "Handful" 4:01
12. "The Drummer" 3:24
13. "Bag of Grins" 5:05
14. "La La La La La La La La" 3:57
15. "Copperbelly" 3:44
16. "Carry Me Home" 4:13
17. "In the Snow" 5:55

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