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Yngwie Malmsteen: O reencontro com o virtuosismo em Odyssey

Resenha - Odyssey - Yngwie Malmsteen

Por Rodrigo Contrera
Postado em 27 de agosto de 2016

Agora que tenho o CD de Odyssey, o quarto LP e K-7 de Yngwie Malmsteen em sua carreira solo (é o único cara que tem uma banda a tiracolo), alguma coisa nele me incomoda. E eu sei o que é. Pois quando eu o ouvia eu ouvia suas músicas, em meio a uma fita K-7 anódina, e apenas imaginava a capa do LP. Que eu imaginava fosse Krakatoa, a ilha que afundou e que deu origem a Krakatau. Mas não, desta vez é a primeira em que Yngwie aparece realmente, em todo seu olhar de bazófia, como que zombando de todos nós, mas também imperscrutável, como um enigma. Claro que essa mania de aparecer iria, ao menos em parte, com que alguns se irritassem e outros o idolatrassem. Não creio, porém, que essa seja a melhor forma de abordar a obra - que é o que nos atrai verdadeiramente, e também o que fica. Mas adentrando nela.

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O disco começa com uma faixa que nomeia a própria banda e talvez a própria visão do sueco diante do mundo: força em ascensão. Lembro-me claramente como ela me surpreendia, não pela pegada forte, necessariamente - que me agradava -, ou pelos claros momentos de derrapada, mas pelos solos, que tinham tudo de erudito mas que não eram, e pelo clima mitológico, expresso em coro no começo da faixa e por breves momentos de gritos da guitarra, como que emulando figuras de mito. Pois a faixa, em si, é relativamente comportada, não muito complexa nem nada, muito menos a letra, extremamente fácil de apreciar e de cantar (embora eu não o fizesse à época). Pois era como se essa música resumisse uma visão de mundo, remetendo sim a uma certa mitologização do mundo, mas mais que isso, dizendo que o mundo era para a frente, que não adiantava nem valia recuar. Essa visão, deixo claro, nunca me abandonou na minha percepção do sueco, que por mais que seja menosprezado pelo ego descomunal, parece-me alguém sabedor do que faz, como inclusive muitos de seus ídolos, figuras ensimesmadas que apenas fazem o favor - à humanidade - de seguirem em frente. E esse começo cativava o garoto que eu era - até por terminar como o fazia (de repente).

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A faixa que vem em seguida, "Hold On", é uma balada de amor, aparentemente de incompreensão amorosa, e poderia desagradar alguém - como eu - predisposto a ouvir algo mais trabalhado. Mas acontecia e acontece o contrário. É uma típica faixa que cola em nós, pegajosa, e que com seus solos matadores nos embala no sentimento daquilo que poderíamos experimentar com o amor, decepção, tristeza, mas ao mesmo tempo um tênue calor de esperança. Não há muito mais o que dizer dela, a não ser o fato de ela ser o típico fruto de um Malmsteen jovem que visava se expressar e vender com faixas mais comerciais, que não o levassem ao buraco dos virtuosos que não conseguem ser desfrutados porque excessivamente complexos. Neste caso, há uma ponta de brega em que ele aposta, e não aposta errado. Mais um motivo para gostar e curtir esse CD, que estava apenas começando.

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Mas a fita continuava e com ela o abuso a clichês que tanto me agradavam. Como na faixa em sequência, "Heaven Tonight", uma balada que principia como "Carry On Wayward Son", do Kansas, mas que se desenvolve bastante distante de uma pegada progressiva, que poderia até agradar a alguns, mas menos ao público que estava se formando do sueco. Lembro-me, porém, que eu queria algo mais do que essas jogadas da guitarra com o teclado - ou com um timbre mais tecladístico dela mesma -, e que esta faixa não me fornecia. Mas, se havia isso de ruim, havia também o fato de abusar de solos, em registros que ninguém mais me dava naquele momento, registros que por vezes lembravam Jimi Hendrix, mas que por outros pareciam remeter somente a si mesmos, a outros exemplos do próprio Yngwie. O mesmo acontecendo com as guitarras base, barulhentas de uma forma que ninguém mais conseguia fornecer. Mas eu deixava a faixa passar, na verdade. Esperando algo que abrisse meus olhos, como nos outros CDs dele sempre havia.

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Mas era então que chegava "Dreaming (Tell Me)", uma faixa romântica que iria se tornar uma das minhas preferidas (dele) de todos os tempos - e que eu aprendi a cantar SEM conhecer a letra, simplesmente tentando emular o vocalista com impressões de som (sim, isso mesmo). Claro que eu não era burro, e que acertava boa parte das vezes. Mas nem sempre, e o sentido eu não conseguia, a maior parte das vezes, captar. Creio inclusive ter sido com essas faixas que eu comecei realmente a cantar rock, cantar baladas, tais como Still Loving You, por exemplo. Porque este registro me agradava, emulava romantismo, sim, mas não se prendia a nada, aparentemente. Pois era como se a gente pudesse dedicar a música a alguém, mas também a ninguém, restringindo-nos à emoção de sentir, sem sentirmos algo por alguém em especial. Pois eu sempre fui meio tapado, custo admitir, sem conseguir me expressar bem, ou sem conseguir sequer imaginar o sentimento real por alguém. Uma espécie de coração peludo, se é que me entendem. Mas naquilo em que Yngwie me capturava aqui era no solo mesmo, nesse que eu quase decorava, assobiava e cumpria imaginar com essa espécie de coro envolvendo-o, por detrás. E eis que a música terminava como começava, com um teclado simplório até, e um violão comentando. Lindo mesmo. Sei que muitos dos que me lêem concordam. Era isso o que tínhamos dele no final dos 80 e começo dos 90. Quando outros neoclássicos surgiam e outros tentavam pegar a onda para surfar sozinhos, do seu jeito todo peculiar (como Steve Vai e Joe Satriani).

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Eis que surge então "Bite the Bullet", uma maravilha sem vocal e com um solo (mais um, matador) que adianta o clima de "Riot in the Dungeons", faixa que vem logo a seguir e que pega dela emprestado o motivo inicial. Ocorre que Bite the Bullet não é apenas isso, como se fosse algo similar a "Eruption", do Van Halen, mas uma espécie de retomada do espírito, que poderia estar meio acalentado pelo sofrimento após "Dreaming", mas que não, estava ali, inquieto, e buscava retomar as lides da vida. Porque, como eu disse, este CD é uma espécie de chamamento a uma luta que nunca se pretende terminar, porque é essa a leitura que eu via e ainda vejo que ele, Yngwie, parece fazer da vida. Algo bem roqueiro, claro, mas também algo que remonta à ideia de que a vontade sempre prevalece, algo quase filosófico, de alguma forma. Pois a gente tem de convir que o rock tem dessa pegada, também, e que por causa disso ele parece, mesmo quando cansado, nunca morrer, porque a pegada sempre a gente vê mais embaixo, com outras vertentes mais aguerridas, talvez até mais viciadas, ou viciosas. Não sei de onde Yngwie pegou emprestada a expressão que deu origem ao título da faixa, mas ela se contrapõe a tudo que parece ser contemplativo, como em "Dreaming" e parece retomar a vida do jeito que ela foi abandonada, como que jogando para trás o passado, algo que para muitos é difícil demais (como para mim, pois estou num processo desses). Nem sei também de onde veio o título para a próxima faixa, aquela que pegou emprestado o tema de "Bite", mas sei que algo de propenso a atacar está sendo expresso, algo que pode aparentar não conseguir ser detido. Pois, muitas vezes, se não vemos a vida dessa forma, sabemos que - no limite de uma vida - as coisas são mesmo assim: a gente só desiste mesmo quando assume a desistência, quando joga a toalha. A faixa é bem simpática, e abusa do timbre que o sueco dava naqueles idos ao seu instrumento de trabalho, sem apelar tanto assim às influências eruditas, mas jogando força bastante ao solo, que também ficou em mim marcado como um selo (sem conseguir assobiá-lo, contudo).

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Eis que a pegada forte não parecia terminar e agora vinha "Déjà Vu", uma das minhas faixas preferidas naquele então. Por quê? Talvez pelo jeito aguerrido, por ser fácil de assimilar - sabemos como Odyssey ficou marcado como um LP "fácil" mas nem por isso ruim -, ou porque ela dizia respeito a essa sensação de coisas que vêm e vão mas que de alguma forma ficam em nós e reaparecem lá no futuro (essa sensação vem me invadindo muito ultimamente), ou porque ela usava o francês, língua que eu iria dominar (parcialmente) nos anos vindouros, em função da necessidade - minha graduação em Filosofia. Ou porque ela tinha essa parada em que o sueco mandava ver com influências eruditas marcantes - que eu não sei nomear. Ou por causa dos solos, que pareciam gritar como poucas vezes antes. Eu não sei. Sei apenas que a faixa não é muito bonita, não, e que em certo momento dá trela a solos de tipo hendrixiano que na época eu não sabia conectar. Mas eu gostava. E combinava. Era complexo. Não era um rockinho qualquer, fácil de assimilar, e que não deixava algo a pensar. Este deixava, até pelo fim, absurdamente mitológico.

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A fita avançava e as faixas pareciam só me agradar. A próxima, então ("Crystal Ball"), tranquila - ao menos no começo -, me remetia a hits que eu parecia já ter ouvido (era mentira), e isso porque seu tema era simples o bastante para eu reconhecê-lo quase em mim, antes de ouvir. Mas era uma faixa menor, sem muito destaque, que remetia a essa ideia da Bola de Cristal, mito que perpassa os tempos, e que também me atingia. Bastante simples, o tema eu engolia em seco e não questionava, ia até o fim. Até chegar o clima estratosférico (com uma aparência de sinfonia, ao menos no começo), de "Now is the Time", um recadinho romântico que eu também digeria sem ao menos perceber. Bastante brega, inclusive. Mas isso não importava. Acontece que eu esperava por "Faster than the speed of light", um achado de jovem que incluía solos que até hoje se mantêm incólumes na minha mente, e, ainda mais importante, "Krakatau".

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Esta faixa merece uma percepção toda especial. Não se onde, talvez dos seriados que eu via na tv, me atraía tudo o que reacendia a fundo do mar, a terremotos, a vulcões e tudo o mais. Claro, eu havia nascido no Chile, uma terra extensa bastante atingida por terremotos e vulcões, mas mais que isso, eu me sentia atraído por forças maiores, seja criadas pelo ser humano - obras, como as que vi depois como repórter -, seja as terrestres ou mesmo divinas. Porque eu acho que sentia que elas me conectavam às forças e formas em mim, quem sabe; e quando digo formas é como se elas me dissessem que, assim como as forças atuavam no universo, elas atuavam em mim. Ou seja, como se elas me aproximassem, por meio do que era grandioso, impossível de conter, do divino, de algo que seria dado, ou mesmo de uma espécie de destino. E Krakatau remetia ao desaparecimento da ilha de Krakatoa, que espantou na época o mundo. Imaginem uma ilha toda que simplesmente afunda, num mar de lava, e que leva tudo com ela, sem deixar vestígio. Isso, sim, era tema suficientemente grandioso para virar uma peça musical, como a que eu ouvia. E que peça! Uma obra extensa, sim, com seus 6 minutos e pouco, mas, mais que isso, nada redundante. Ela parecia realmente incluir em si diversos dos temas e aspectos relacionados ao evento e ao fato de ver ou de se defrontar com coisas grandiosas. Uma de minhas preferidas para todo o sempre, sem ser necessário comentar que todos os solos eu decorei como lições que eu deveria aprender. Fantástico. O motivo em especial para resguardar "Odyssey" como um de meus CDs preferidos, e a faixa, como aquela que eu gostaria de relembrar ou mesmo de ver tocada - quem sabe. Pois ocorre que aqui, todos sabemos, Yngwie é endeusado por muitos. O final, então, esse jogo simples de um solo rasgando, em diálogo com outro em outro registro, mostrava como o destino comandava tudo, e eu me refestelava na sensação de enfim saber que tudo era assim mesmo, fatalismo, destruição, e impossibilidade, em última instância. Pois o fato é que nos acreditamos como triunfo da vontade, mas temos de entender que a providência vem de fora, e contra ela, não há nada a fazer. Simples destino.

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Mas estava no fim. E no fim, assim como em "Rising Force" havia "Farewell", desta vez havia "Memories", uma pecinha com violões (acho que de doze cordas) de duração de apenas 1 min e 20 segundos, em que como que nos abandonamos ao prazer de voltar a tempos idos, sabendo-os imortais.

Pois bem. Yngwie lançou Odyssey após o acidente de carro em que ficou por uma semana de coma e em que ficou com os movimentos da mão direita comprometidos. Deveria ele ter arrumado tudo antes, com certeza. Mas ouvir isto sem notar o drama é maravilhoso. E foi com essa terceira fita K-7 que eu reencontrava, em pouco tempo, o virtuosismo. Mais um feito do sujeito que muitos criticam por egolátrico. Apreciem a obra que é melhor.

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Espero que tenham apreciado.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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