40 anos de The Lamb Lies Down: Relembrando o clássico
Resenha - Lamb Lies Down on Broadway - Genesis
Por Marcos Aurélio
Postado em 06 de dezembro de 2014
O que leva um álbum a ser considerado um clássico? Ótimas músicas. Assim poderia ser a resposta a pergunta mas não são só ótimas composições que criam um clássico. Inovações musicais, relevância no contexto social da época e boas histórias por trás das músicas são valores de grande peso na criação de um clássico. Em novembro de 2014, o disco "The Lamb Lies Down on Broadway" da banda GENESIS completou 40 anos de existência, e podemos afirmar facilmente que ele tem todos os ingredientes para ser considerado um grande clássico.
Muito foi já foi dito e escrito sobre o disco e parece que até hoje é difícil de chegar a um consenso sobre significado da surreal história que o disco conta. Até musicalmente o disco não é unanimidade entre os fãs do GENESIS, já que foi um divisor águas na carreira da banda e o último com o amado vocalista PETER GABRIEL. Muitos consideram a sua saída como o início da decadência da banda. Apesar das intermináveis discussões ainda é válido analisar e apreciar essa bela obra de arte, então vamos lá:
Concepção da obra:
A obra originou-se nas sessões de composição da isolada e pacata fazenda Headley Grange, que outras bandas já tinham utilizado o local anteriormente como LED ZEPPELIN e BAD COMPANY. A intenção da escolha era conseguir compor isolados das distrações externas, porém as coisas não saíram como o imaginado. O vocalista PETER GABRIEL teve que se ausentar do exílio algumas vezes por causa do nascimento de sua primeira filha que ficou encubada algumas semanas após o parto. Além disso o vocalista recebeu uma inusitada proposta de escrever um roteiro com o diretor WILLIAN FRIEDKIN (Exorcista), o cineasta tinha gostado do conto que PETER GABRIEL escreveu no encarte do primeiro disco ao vivo da banda e decidiu convidá-lo. Mesmo com grande interesse do vocalista o projeto acabou não andando pra frente e quem terminou trabalhando com o diretor foi a banda alemã TANGERINE DREAM.
Com todos esses empecilhos PETER GABRIEL não conseguiu contribuir com a parte musical do projeto que originou-se de diversas jams entre os demais integrantes. O vocalista ficou encarregado de escrever as letras e a história do disco separadamente, o que era muito mais de seu interesse, o mesmo chegou a dizer que grandes histórias não são escritas em conjunto. Até o momento aquilo não seria um problema pro grupo já que a única ideia que eles tinham no momento era adaptar o Pequeno Príncipe de Saint Exupery sugerido pelo baixista MIKE RUTHERFORD e rapidamente descartada pela banda.
As ausências de PETER GABRIEL somadas as condições precárias da fazenda que além de estar infestada de ratos ainda era mal assombrada segundo o baterista PHIL COLLINS criaram um clima muito ruim entre a banda. Apesar de todo esse processo difícil o álbum foi lançado em 18 de novembro de 1974.
Conteúdo da obra:
Resumir a história contada no Lamb Lies Down é uma tarefa complicada, o surrealismo torna a história difícil de compreender levando a diversas interpretações diferentes mas o consenso geral é que o álbum descreve a longa e estranha jornada do protagonista em busca de purificação, quase uma catarse espiritual. Cada um dos obstáculos dessa jornada podem ser vistos como um tipo de teste para o protagonista, um tipo de jornada em busca ao auto conhecimento e aperfeiçoamento pessoal. A partir das letras e do texto que vinha em conjunto ao álbum é possível resumir a história da seguinte forma:
A história começa com o jovem de descendências porto riquenhas, Rael, saindo de uma estação de metrô que acabara de pichar e indo em direção as ruas em uma manhã normal em Manhattan. A única coisa no momento fora do cotidiano parecia ser uma uma inocente ovelha deitada nas ruas da Broadway até que uma imensa nuvem negra aproximou-se da cidade. Essa nuvem negra desce e se transforma em uma tela que mostra imagens em três dimensões. Subitamente a imagem some e tela racha como se fosse argila começando a absorver tudo a sua frente, ninguém parece perceber isso acontecer, somente Rael que mesmo tentando fugir é perseguido e enfim tragado à tela como uma mosca em um para brisa.
Ao entrar em contato com a tela Rael é levado para um turbilhão de visões onde vários personagens da cultura da época aparecem como se fossem personagens de um filme. Ganhando consciência Rael parece estar em algum tipo de casulo onde só uma fraca luz pode ser vista e um barulho de água corrente escutado.
Ao acordar de vez Rael ainda nauseado da última viagem e não está mais preso em casulo mais sim envolto por estalactites e estalagmites como se fosse uma gaiola. Olhando para ele está o seu irmão John do lado de fora sem demonstrar nenhuma expressão. Sem reagir aos gritos de socorro John derrama uma lágrima de sangue e vira-se e vai embora calmante sem emitir sequer um som. Logo após John sair a gaiola desaparece e Rael começa a girar como um pião e ao parar o protagonista se encontra no piso de um grande corredor. Nesse corredor uma misteriosa vendedora está expondo seus produtos que nada mais são do que pessoas inanimadas empacotadas, como se fossem uma parada, entre essas pessoas Rael consegue distinguir alguns conhecidos de seu passado nas gangues. Entre essa "parada" John é visto brevemente, dessa vez com um nove estampado no rosto, mas ao tentar persegui-lo Rael acaba se perdendo em suas memórias.
Durante as suas memórias Rael relembra de seus pais, de seus tempos no reformatório, a raspagem dos pelos de um porco espinho e de seu primeiro encontro sexual em qual ele consegue lembrar os passos que seguiu em um livro e os exatos 78 segundos de duração da relação.
Voltando de suas memórias, Rael se encontra em um longo corredor em carpetado em que perto de seu fim ele encontra um grupo de pessoas ajoelhadas murmurando em direção a uma porta de madeira. Rael ansioso para conversar com alguém real vai em direção ao grupo e tenta contato, primeiramente com um monge sem sucesso e depois com uma espécie de esfinge que diz que o monge está bêbado e que eles estão tentando chegar a escada que irá os tirar lá, sem questionar muito Rael atravessa a porta encontra uma escada em formato de espiral e ao subi-la chega em uma povoada câmara cheia de porta.
A multidão nessa câmara estava tão falante e exaltada que Rael teve que gritar "calem a boca" para conseguir atenção, no meio da confusão ele descobre que a câmara tem 32 portas mas só uma leva ao lugar certo, ninguém parecia saber qual era essa porta até que uma mulher cega bem pálida pede ajuda a Rael dizendo que se ele a tirasse do barulho ela o guiaria pela porta certa. Seguindo juntos os dois atravessam a fatídica porta e chegam em corredor escuro que daria em uma caverna redonda.
Nessa caverna a mulher cega deixa Rael repousado em um bando de pedras que lembram um tronco enquanto uma luz emana de um outro túnel a sua direita. Rael fica ansioso esperando o que aguarda e começa ter delírios de desespero, em um deles ele chega a encontrar um anestesista supernatural, mais conhecido como morte, a única coisa que o trás de volta aos sentidos é um perfume, ainda se sentindo vivo ele é atraído a uma rachadura que o leva até outro cômodo possuindo uma suspeita piscina cor de rosa de onde o perfume parecia sair.
No meio dessa piscina aparecem três criaturas estranhas que se parecem com serpentes com cabeças e seios de mulher que convidam o rapaz a se juntar a elas e provar um pouco da água. Rael deixa o receio de lado e vai ao encontro delas, ao provar a água uma substância líquida pálida, azul, começa a sair pelos poros de Rael, nesse momento as criaturas chamadas Lamias começam a lamber o jovem e consequentemente a tomar essa líquido. Em uma mistura de dor e prazeres a primeira gota de sangue caí de Rael, ao provar o sangue as criaturas começam a agonizar até a morte. Insatisfeito, Rael decide comer o que sobrou das Lamias para assim juntar a ele o que sobrou de suas amantes.
Saindo pela mesma porta que entrou Rael chega a um gueto estranho, ao ser avistado um grupo de pessoas distorcidas começa a gargalhar e um deles vem ao seu encontro. O horrível ser que parecia estar coberto de nojentas bolhas e caroços contou ao rapaz que todos os outros seres daquela colônia tinham passado pelo mesmo encontro romântico com as Lamias e que elas sempre se regeneravam, só assim Rael percebeu que sua aparência agora era igual a deles. No meio dos outros slippermens Rael encontra seu irmão John que explica com desgosto que os slippermen tem como objetivo de vida simplesmente satisfazer seus desejos carnais, tal fato foi herdado das terríveis Lamias. O único jeito de acabar com essa maldição seria encontrar o Doktor Dyper que iria literalmente cortar o mal pela raiz, ou seja, castrá-los. Apesar da relutância os dois vão ao seu encontro e completam a operação, só que ao concluí-la, o órgão genital de Rael que ainda poderia ser reutilizado e estava guardado em um pequeno tubo amarelo acaba sendo roubado por um grande corvo negro.
[an error occurred while processing this directive]Rael pede ajuda a John para correr atrás do corvo gigante mas com medo da ligação dos corvos com a morte John desaponta seu irmão mais um vez pra trás. Rael persegue o corvo com proximidade, apesar da ave parecer estar deixando isso acontecer, até um rio onde o corvo joga o pequeno tubo amarelo. De repente uma luz que parecia vir de Nova Iorque reflete próximo a Rael mas nesse momento o seu irmão John grita por ajuda no mesmo rio. Mesmo com a janela, com o caminho de volta para casa, parecer estar fechando e as constantes decepções que seu irmão o deu Rael decide ir em direção ao rio salvar seu irmão. Ao finalmente conseguir alcançá-lo e tirá-lo da correnteza Rael olha no rosto de John e vê o seu próprio rosto.
Entendendo a obra:
Captar e digerir o real significado da obra é impossível, talvez nem o próprio PETER GABRIEL tinha em mente toda a profundidade e interpretações que a aventura de Rael traria mas analisando as referencias encontradas nela é possível esclarecer algumas dúvidas e abrir espaço para certas interpretações.
O nome do protagonista é um dos principais motivos de discussão, existem semelhanças óbvias com o nome do autor Peter Gabriel, e com a palavra "real" que tanto em inglês como em português é um anagrama do nome do protagonista. Algumas teorias levam até a Lear o rei louco de uma das obras de Shakespeare.
A referencia mais óbvia é ao cristianismo, tanto o fatídico cordeiro da Broadway como o renascimento são ligações diretas a religião. A mitologia grega também está presente as Lamias são oriundas dela, GABRIEL provavelmente retirou as criaturas de um poema do escritor John Keats assim também utilizando a literatura inglesa mais uma vez como referencia.
[an error occurred while processing this directive]Referencias a cultura pop das décadas de 60 e 70 também são fáceis de encontrar, a música "Broadway Melody of 1974" é recheada delas, ícones como Marthin Luther King, JFK são citados. Até músicas famosas da épocas são citadas como "rain drops keeps falling on my head" em "In the Cage", "Purple Haze" de JIMI HENDRIX em "It" ainda contém uma citação a Rollings Stones ao invés de "It's Only Rock n' Roll (But i Like It)" vemos "it's only knock and knowall, but i like it". O contexto social da época também foi explorado no disco, muitos ligam a aventura surreal de Rael com as recentes experiências dos jovens com as drogas alucinógenas como o LSD. A sexualidade é abordada de uma forma muito natural durante a história isso pode ser uma alusão ao momento de liberdade sexual que os jovens da época estavam vivendo. O passado delinquente de Rael e a superficialidade do consumo da cultura popular são temas que ainda são atuais nos dias de hoje.
Consequências da obra:
Apesar do GENESIS carregar o esteriótipo de dinossauro progressivo que viria a ser criticado abertamente pelos punks em breve, "Lamb Lies Down.." foge de certos padrões do estilo. Ao invés dos temas fantasiosos antes abordados pela banda Rael e seu passado conturbado são personagens que continuam atuais até hoje. PETER GABRIEL usava jeans e jaquetas de couro para interpretar Rael, uma vestimenta quase punk. As longas canções e as passagens instrumentais intricadas quase não aparecem no álbum, a banda estava quebrando seus próprios padrões.
Mesmo com todo o brilhantismo a obra ainda teve seus pontos baixos. A aventura de Rael é tão densa que afastava alguns ouvintes, GABRIEL foi incentivado a escrever a história que vinha junto ao disco para tentar esclarecer dúvidas que as letras surreais traziam. A própria turnê não deu muito certo, a banda excursionou logo após o lançamento do disco apresentando ele na íntegra, muitos ainda não conheciam as músicas. Era complicado utilizar microfones com a fantasia dos slippermen fazendo o vocalista ficar quase inaudível, o slide show com mais de mil imagens que acompanha a narrativa dava problemas constantemente. No final de algumas apresentações somente GABRIEL era elogiado pela mídia, fazendo que a banda injustamente fosse considerado meramente apoio. Com todo esse acúmulo de problemas PETER GABRIEL decide abandonar o grupo no meio da turnê mas por profissionalismo o vocalista ainda chega a completá-la.
Infelizmente, mesmo com algumas, propostas do grupo nunca se reuniu novamente, propostas de transformar o Lamb em filme chegaram a acontecer mas nenhuma delas se concretizou. Provavelmente nunca veremos nenhuma das duas coisas acontecerem, provavelmente nunca se chegará a um consenso sobre o significado da obra e de fato acho que a forma de apreciar o disco de verdade não é não levá-lo tão a sério, ao invés de procurar respostas o jeito é simplesmente aproveitar a jornada. Então bote o álbum para tocar mais uma vez e aprecie um dos melhores discos já gravados na história.
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