Scorpions: O surreal e ensurdecedor "Fly To The Rainbow"
Resenha - Fly To The Rainbow - Scorpions
Por Ronaldo Celoto
Postado em 20 de dezembro de 2013
Nota: 10
Em 1965, em uma Hanôver pós-Reich, alguns adolescentes estudavam para tornarem-se cientistas e engenheiros, embasados na propaganda governamental alemã de tornar-se, no futuro, um dos países da tecnologia, do automobilismo, dos eletroeletrônicos, entre outras particularidades. Outros preferiam estudar música clássica em conservatórios, e, adaptar este conhecimento para a sonoridade de seu tempo, o rock direito e o progressivo lisérgico que se fundiam na Europa Ocidental.
Ali, os irmãos RUDOLPH e MICHAEL SCHENKER, embrionavam-se em um projeto de criação de uma banda juntamente com os amigos KLAUS MEINE (voz), LOTHAR HEIMBERG (baixo) e WOLFGANG DZIONY (bateria). Após uma pequena fita demo e um contrato com a RCA RECORDS, os SCORPIONS (nome concebido para a banda) conseguem empilhar o disco de estréia, chamado de "Lonesome Crow" (capa abaixo), cuja resenha, permissa vênia, será contada em outra oportunidade, apenas enfatizando a sonoridade realmente cósmica, um tanto "kraut", trazida pela banda, e, o talento do prodígio MICHAEL SCHENKER, com menos de 18 anos e demonstrando técnica e lirismo que mais tarde ecoariam de forma magistral junto aos ingleses do UFO.
Com a ida de MICHAEL para a banda supracitada, e, a saída de LOTHAR e WOLFGANG, o projeto de repente, parecia naufragado. Eis que chega (por indicação de MICHAEL) o então desconhecido ULRICH ROTH para a guitarra (prestes a completar 20 anos de idade), que resolve trazer consigo o baixista FRANCIS BUCHHOLZ e o baterista JÜRGEN ROSENTHAL, do seu projeto conhecido como DAWN ROAD (foto).
Dispostos a manter a banda e dar continuidade às suas ideias que ainda se fomentavam com a exploração de diversos gêneros, esta formação de músicos (foto abaixo) grava o que seria um dos discos mais influentes (embora muitos não percebam isto) da história pós-1974, especialmente para bandas e guitarristas especialistas no chamado "metal neoclássico": o surreal e ensurdecedor "Fly To The Rainbow", objeto desta resenha.
Ao primeiro ressonar dos motores (sim, porque a guitarra inicial traz a sensação de que estamos virando a chave de um carro para dar partida à emoção que viria logo em seguida), temos um deslize sonoro até então nunca visto, e, a partir dali, os riffs bem encaixados de RUDOLPH e as técnicas de alavanca de ROTH carregam de relâmpagos a canção que poderia ser extremamente simples (se não fosse a sonoridade trazida pelas mãos do exímio guitarrista), mas tornou-se um clássico absoluto: "Speedy’s Comming".
De forma sarcástica, KLAUS perguntava na letra: "Do you like Alice Cooper?/Do you like Ringo Starr?/You like David Bowie?/And friends in the Royal Albert Hall?", avisando para todos que quisessem ouvir, e, conclamando: "Come to see me today", que o novo som, a nova era, o novo ápice da música nasceria ali, com os hoje aclamados escorpiões: "Speedy’s Coming"!
E a partir daquele pequeno início, a canção evolui para um solo desconcertante e uma explosão de efeitos que se fundem a uma explosão final, para abrilhantar quem estivesse a ouvir o disco com a sensação de que sofreu um choque na tomada.
Alguns segundos separam a intrépida sensação de uma agradável surpresa, para serem logo sobressaídos pelos dedilhados clássicos absolutamente incríveis de ROTH, anunciando um mágico momento: "They Need a Million".
"Eu vejo um arco-iris sobre o céu", anuncia MEINE. E, entre tantas e tantas cores, tantas e tantas pessoas passam por nossas vidas, todas preocupadas com o capitalismo selvagem, o estranho e metódico modo de viver e morrer ao redor do dinheiro. E, de repente, como que numa tempestade no deserto, surge o riff impiedoso, a bateria marcante de ROSENTHAL e a sonoridade da guitarra de ROTH a transcender influências orientais, como que a recriar um recital marroquino em plena Alemanha, e, a letra toma requintes místicos, para que ROTH diga, em uníssono, a todos que quiserem ouvir, que ele realizou-se, por não precisar de dinheiro, mas sim, por ter encontrado em si, o grande prêmio, o grande valor da vida, através da espiritualidade. É tão marcante a passagem dos violões iniciais para a batida ritmica (que parece uma batida carnavalesca) e os efeitos "marrakeshianos" da guitarra de ROTH, que perpetuamos dentro de nossos ouvidos e, além de nosso espírito, uma verdadeira viagem no tempo. Imagino se hoje, uma banda de metal como o IRON MAIDEN, na época em que concebeu POWERSLAVE, regravasse esta canção, qual seria o impacto dela para a geração que seguiria logo depois. Para não dizer dezenas e dezenas de bandas influenciadas pelo que fez o SCORPIONS naquela época, citao apenas um fato: - Quem não se lembra do timbre de guitarras de MURRAY/SMITH nas canções "Powerslave", "Flash Of The Blade" ou "Rime Of The Ancient Mariner"? Qualquer semelhança com o que foi feito por ROTH em "They Need a Million" (em termos de sonoridade, não de ritmo) não é mera coincidência, mas sim, absoluta. Um detalhe muito especial, é que, muito embora ROTH detenha a responsabilidade pelo impacto causado à música, ela foi composta por RUDOLPH e KLAUS.
Lamentavelmente, esta canção é pouco executada nos dias de hoje. Aliás, foi executada muito apenas na época, assim como a mais epopéica e "hendrixiana" de todas as músicas do disco, que viria a seguir: "Drifting Sun", que, talvez, seja um dos melhores momentos já executados pelo SCORPIONS em toda a sua história. Embora muitos critiquem a voz de ROTH (que também compôs a canção, além de canta-la), nesta canção em particular, ele assume com propriedade a narrativa introspectiva de alguém que está sentado sobre uma rocha, a assistir as diferenças comportamentais entre as pessoas, e, em meio aos solos espetaculares, os efeitos dantescos e a avalanche sonora trazida pela bateria de ROSENTHAL (que infelizmente, no disco seguinte, já deixaria a banda para alistar-se ao exército, e, ao retornar, uniria-se ao ELOY). E, em meio a toda esta epifania, a canção corajosamente, decide parar, em meio a efeitos de teclados e golpes de alavanca das guitarras, para que surja uma narrativa a dizer: "Alguns dias são como névoa à deriva/Alguns dias como fogo brilhante/Alguns dias como marés de luz/Alguns dias como marés de noite".
Após, a fusão dos elementos entre Terra e céu parece retornar mais acesa, e, a bateria vai novamente, galgando um ritmo acelerado crescente, enquanto que ROTH convoca toda a sua técnica e sua alma para concluir o desfecho desta épica luz em forma de música. Que tempestade soberba de criatividade e força!
Fechando o primeiro lado é a vez da linda e lúcida canção chamada "Fly People Fly", um trabalho vocal harmonioso muito especial de KLAUS, os precisos riffs solados de ROTH e RUDOLPLH, um belo refrão, e, uma letra quase que poética, onde todos juntos, de repente, em uníssono, poderão, naquela noite, chegar aos céus, porque todos eles podem voar, mas nunca é demais lembrar que o homem e o mundo da forma como estão, jamais atingirão aquele céu, pois aquele momento é preciso, e, pertence aos poucos que lá puderem estar. Muito, muito especial, este trabalho lírico de toda a banda. É como se todos eles, naquele momento, quisessem dizer que a grande resposta para a vida, consiste no viver de acordo com a sua escolha, e, somente vivendo desta forma, você poderá emanar a sua própria luz. Esta canção traz, como créditos de autoria, o sempre inesquecível MICHAEL SCHENKER, como dito, irmão de RUDOLPH.
A segunda alma (porque chamar de "lado" seria pouco, diante do transcendental impacto causado para quem ouve este trabalho) do disco começa com a melódica "This Is My Song", uma canção-testamento, uma crítica ao mundo insano e cruel, galgado pelo materialismo e pelo ódio: "I can´t believe what the people say/There´s only hate everywhere/So many people go different ways/So many things don´t you care/They see nobody, they see themselves/(...)/They need your help, they need love, love".
[an error occurred while processing this directive]A bateria de ROSENTHAL novamente recria a pulsação marcante já presente em "They Need a Million", mas a canção desta vez se dirige para o lirismo e a tristeza introspectiva, trazendo um solo maravilhoso de ROTH, e, um desfecho de palavras muito particular: "I sing this song About the world of love/And hope you hear what I say/Forever freedom, forever love/Forever love everyday". Sim, o mundo precisa de amor. Não o amor que um dia LENNON/MCCARTNEY cantaram para uma juventude "hippie", mas o amor que não apenas respira a brisa, mas transforma a sociedade ao seu redor, fazendo com que cada um ouça mais a voz do seu coração e acredite em seu potencial, sem ficar sentado e esperando o vento passar.
Emociono-me, toda vez que ouço esta canção. Penso, por um instante, que todos nós poderíamos, sim, amar mais e receber mais amor, mas todos nós poderíamos também, parar de sonhar acordados e colocarmos nossos pés para andar, para muito além de onde estamos agora.
E lá vamos nós, para além dos confins do "agora", ouvir "Far Away". É talvez, a mais cósmica do álbum, literalmente viajante em termos líricos. A todo tempo, a voz de KLAUS parece chamar os dedilhados líricos belíssimos que acompanham a poesia inicial, até o pulsar definitivo, onde ROTH mostra porque era e é um dos três maiores guitarristas do universo. Lindo momento, que contou com MICHAEL SCHENKER como co-autor. Momentos tenros de vocalização e espiritualidade únicos. Impossível não se emocionar com tudo que foi feito até agora, dentro de um único disco.
[an error occurred while processing this directive]Mas o ápice ainda estava por vir. E lá se uniam MICHAEL SCHENKER e ULRICH ROTH para criar uma canção que é uma verdadeira sinfonia. E assim nascia a galáctica "Fly To The Rainbow", mágica desde o violão clássico inicial, a anunciar a vida a esvair-se, em busca do arco-íris para além de nossos sonhos, um lugar mágico, onde a liberdade, o amor e a felicidade repousam sobre as águas de um lago, e, somente os corajosos de espírito podem lá permanecer. Novamente, a batida de ROSENTHAL é marcante, criando um ribombar como que em forma de marcha acelerada, para completude da voz de KLAUS, as guitarras lírica de ROTH, MICHAEL e RUDOLPH juntos, e, a colossal mudança rítmica na metade da canção, que passa a migrar para o orientalismo completo, os barulhos de ventos e os efeitos sonoros de guitarras, o narrar de ROTH sobre o "paraíso escondido", e, o desfecho final, com alavancas, canhões e uivos trazidos por uma guitarra que deveria ser imortalizada e nunca mais tocada por ninguém, a partir daquele álbum. Ninguém jamais terá em suas mãos uma Fender e a elevará para além dos limites da razão e do espaço, como fez ROTH. E, talvez, nenhum disco será tão mágico, e, ao mesmo tempo, tão poderoso e completo como "Fly To The Rainbow".
Hoje, músicos do mundo todo citam este trabalho e a importância dele (entre outros álbuns de algumas outras bandas) para o que viria a ser o já citado "metal neoclássico". Não é para menos. O que foi feito em apenas sete músicas, tornou-se uma verdadeira bíblia para os iniciantes e também para os já iniciados na estranha e maravilhosa arte de tocar, cantar, criar.
O mundo conhecia, pela primeira vez, e, de forma soberba, os futuros detentores do título de uma das mais importantes bandas de toda a história, com mais de 200 milhões de cópias vendidas, e, muito, muito talento.
FRIEDRICH NIETSZCHE disse, uma vez, que "quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar". Com "Fly To The Rainbow", o SCORPIONS literalmente transpôs toda e qualquer fronteira para além de todo e qualquer universo aparentemente comum. O álbum é, se me permitem: um arco-íris com o ressonar de relâmpagos. E a diferença é que o impacto sonoro deste disco é tão grande, que não são apenas os seres elevados descritos por NIETSZCHE, que conseguem percebe-lo, mas sim, até mesmo os visitantes de galáxias longínquas, que, tenho certeza, não deixariam de se aventurar pela Terra, apenas para ouvir a trupe de KLAUS, RUDOLPH, ROTH e demais músicos, abrilhanta-los com sua extrema e notável musicalidade.
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