Roupa Nova: Seriam eles o Toto brasileiro?
Resenha - 30 anos ao vivo - Roupa Nova
Por Daniel Junior
Fonte: Aliterasom
Postado em 20 de março de 2011
Antes de falar propriamente sobre o DVD produzido pela banda em 2010 precisamos entender porque a banda retomou parte da importância conquistada na década de 90 e completamente dissipada na entrada do novo século.
Vítima da pirataria, o mercado fonográfico buscou alguns meios de manter as contas em um vermelho menos rubro. A queda era iminente e mesmo com uma baixa dos preços em termos percentuais de 60% a 80%, o consumidor passou a se sentir à vontade com um produto que não era original. Em 2002 começa a explosão das vendas dos produtos que reproduziam mp3. Simultaneamente, o fã de música (de qualquer estilo) começa a entender os mecânismos simples que envolvia os downloads.
Downloads = mp3 = player mp3. A fácil equação começa a transformar o mercado de música no mundo. Há uma revolução na relação do ouvinte com seu produto de veneração. As rádios passam a exercer um poder menor de influência. Através dos zilhões de sites especializados, a audiência passa a escolher seus preferidos, sem um apontamento específico. Agora cada um poderia fazer seu playlist, criar sua própria rádio, com um programação personalizada.
As tecnologias que envolviam a qualidade de som, as mudanças de bitrate através de players simples como Windows Media Player, os artistas se rendendo divulgando seus singles em seus sites/myspace; tudo isso vai mudando o perfil da indústria e do ouvinte.
E agora, como criar produtos rentáveis, já que de graça, qualquer um poderia buscar canções de seu artista favorito e descobrir outros?
No início da década o mercado do DVD começa a ser aquecido, não só pela pirataria (que já conseguia fazer cópias perfeitas de originais que custavam entre 60 e 120 reais), mas também pela queda de preço que tentava (em vão) competir com os produtos vendidos em qualquer esquina. Artistas começam a investir – até de maneira independente – nas produções dos shows, trazendo convidados especiais, comemorando discos de sucesso ou apelando para o formato acústico. De fato, isso ajudou muito artista e fazia com que o público quisesse ir ao show da qual ele assistiu o DVD.
E foi mais ou menos nesse cenário que o Roupa Nova fez enorme sucesso com o "Acústico" (2004), disco caprichadíssimo que ganharia um bis, o "Acústico 2" (2006), este com menor repercussão. Ambos receberam o apreço musical característico da banda, com muitas orquestrações, convidados especialíssimos (como Ed Motta) e um repertório lotado de hits.
Roupa Nova seria uma banda que dispensaria maiores apresentações por se tratar de uma das bandas mais antigas do Brasil com a mesma formação, por contar em sua composição com músicos de excelência e ter um dos melhores conjuntos vocais de música pop da América Latina. No entanto, a banda estranhamente nunca recebeu muito respeito dos críticos, embora mantenha um público fiel e que se renova.
Junções hipotéticas como esta são sempre repletas de subjetividade mas o Roupa Nova é uma espécie de junção de Chicago/América/Toto. Seus compositores sempre primaram por canções com formatos ‘redondos’, com refrões grudentos e letras bem encaixadas. Talvez no repertório de outros cantores e intérpretes, pode ser confundido com o mais popularesco gosto popular, mas a banda há muito se destaca, sem fazer sucesso apelando para receitas manjadas, até porque não é uma banda fake, é um banda de músicos de verdade.
Tudo bem que receberam uma baita força da Rede Globo por terem suas canções em várias novelas da década de 80/90. Algumas feitas de encomenda (como foi o caso de A Viagem) mas isso em nada desmerece o grande talento de uma das melhores bandas do país.
Mas por que então a banda nunca foi alvo de homenagens ou de críticas avassaladoramente positivas?
Talvez porque não se envergonhem da veia pop que carregam desde os primórdios. Se há 20 anos parte da crítica musical valorizava a banda alternativa da Nova Zelândia, que tem em sua formação um chinês, um chileno e um brasileiro, apenas porque ninguém havia juntando 3 personas de línguas diferentes numa só banda, imaginem agora que a linha tênue que divide o underground e o alternativo foi pro espaço…
O outro motivo talvez (sempre usarei este advérbio) seja o fato de bandas que explorem arranjos vocais apurados dificilmente conquistem algum sucesso no Brasil. O que é uma bobagem. Quando o grupo Fat Family surgiu no cenário musical não apenas chamou a atenção pelo seu visual "diferente" mas pela sua vasta qualidade vocal. Em contrapartida conjuntos como Boca Livre, 14 Bis, Quarteto em Cy jamais conseguiram ser unânimes fora de um público mais sofisticado.
Bem, de verdade e certeza só podemos ter alguns fatos. Um deles por exemplo é que, graças a valorização das produções de shows em DVDs, a banda re-encontrou seu espaço midiático e voltou a estar mais na TV e no rádio como há muito não se via. Um dos motivos da sobrevida é que a banda continua sendo excelente no que faz: cantando e tocando.
O "Roupa Nova 30 anos" (Roupa Nova Music) é um mais do mesmo de sucessos, que em um primeiro momento pode afastar o ouvinte nada nostálgico, mas a qualidade da produção deixa qualquer um de boca aberta, até o crítico mais rigoroso.
O DVD começa com o classudo "Sapato Velho"(Mú Carvalho, Cláudio Nucci e Paulinho Tapajós), hit presente em todos os luais e serenatas das quais você um dia participou ou participará. A canção que está no repertório da banda desde 1981 é uma excelente prova da qualidade musical dos seus integrantes, com falsetes precisos e uma sofisticado arranjo, que mesmo com 30 anos, soa moderno de tão original e pouco usual na música pop brasileira. Vale observar que a versão apresentada além de valorizar o arranjo supracitado, tem um "q" mais pesado, com várias viradas de bateria e muito peso nas ‘cabeças’ da nota da harmonia intrincada da canção.
Além dos clássicos "Linda Demais" e "A Viagem", em seguida uma merecida homenagem a um dos músicos que conferiu DNA à música brasileira e que anda sumido, com discos de pouca exposição e breves aparições: Milton Nascimento. O cantor a quem Gal Costa se referiu dizendo que se Deus tivesse voz teria a voz de Milton Nascimento, canta "Nos Bailes da Vida com Ricardo Feghali e é ovacionado pela galera presente ao Credicard Hall, espaço onde o DVD fora gravado. A canção que é um hino da MPB ganhou versão definitiva e justa reverência do sexteto.
Como o repertório de hits da banda parece infindo o recurso medley é muito bem vindo e é através dele que Serginho (uma das vozes mais bonitas da música pop desde sempre) embala "Seguindo no Trem Azul" passando por "Anjo" até "Começo, Meio e Fim". Destaque absoluto para o baixo eletroacústico de Nando, utilizado com propriedade entre os intervalos da harmonia e conferindo um charme especial a cada canção.
Acho que versões sempre pioram canções cristalizadas. Eis aqui uma exceção. "A Paz" (Heal The World) tem uma letra caprichada (a canção original já é uma pérola do Rei do Pop, Michael Jackson) sem as apelações características das canções que falam de sentimentos das quais o homem deseja muito mas conhece pouco. A presença do Pe. Fábio de Melo não maculou a interpretação, pelo contrário, o eclesiástico tem talento e sua presença sublinhou o teor da canção.
Em seguida "Coração Pirata", uma das canções mais interessantes do repertório da banda. Com letra dedicada à personagem da novela Rainha da Sucata (1990), o tema fala de uma pessoa arrogante que não se envergonha do seu jeito de ser e nem de dizê-lo. A harmonia e a música parecem pouco combinar com dureza e a crueldade do perfil cantado, o que torna a canção mais especial ainda.
Após mais um medley composto por "Sábado"/"Lumiar"/"Maria, Maria" a banda embala "Chuva de Prata" com a participação especial da cantora Sandy numa interpretação insossa. A intérprete e compositora parece não ter perdido nem um tostão da fragilidade vocal do tempo em que fazia dupla com seu irmão. A canção – talvez a mais assumidamente brega do repertório – serve para contar a história mas pouco acrescenta ao show.
Depois da canção "Todas Elas" (junto com "Cantar faz feliz o Coração" e "Lembranças") que faz parte do disco "Roupa Nova em Londres" (2008), a banda emenda "Dona" e "Meu Universo é Você", dois clássicos do Roupa Nova e que não podem faltar ao repertório da banda em qualquer ocasião. Destaque para o dueto inicial de "Dona" entre Nando e Ricardo ao violão.
[an error occurred while processing this directive]Temos mais um medley que mostra um pouco de toda a contribuição da banda para MPB ao selecionar várias canções que fizeram parte do repertório de várias gerações; desde a canção tema do Rock In Rio até o "Tema da Vitória", conhecida como a canção de Ayrton Senna, com certeza um momento de emoção no palco e entre o público.
Agora mais uma participação especial, desta vez da banda Fresno na canção "Show de Rock and Roll". Segundo a explicação de Serginho Herval a banda fora convidada porque demonstrara ser fã do RN há algum tempo. Nem o grupo gaúcho consegue estragar o momento de celebração no palco.
O show encerra com "Whisky a Go Go", "Lembranças" e "Canção de Verão", primeira música do Roupa Nova a fazer sucesso radiofônico e não por um acaso trilha sonora da novela "Três Marias" em 1980.
O que se vê no palco é uma banda de rock. Enxuta, madura e suficiente. Mesmo com dezenas de músicas românticas, percebe-se nitidamente a influência de bandas como Journey, Toto e tantas outras que "abusaram" das harmonizações vocais e das baladas para mostrarem seu trabalho. Com um leque de hits de dar inveja em muito gringo idolatrado e com uma qualidade de produção (e composição) que não recebeu às devidas homenagens. Infelizmente alguns artistas no Brasil só recebem veneração, citação e tributos quando "partem desta para melhor" e deixam o lugar de artistas de valor para se tornarem deuses da hora (ou dependendo da circunstância, do mês, do ano).
[an error occurred while processing this directive]Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps