Resenha - Fully Unleashed - Cactus
Por Marcos A. M. Cruz
Postado em 31 de dezembro de 2004
Vez por outra me pego pensando se não deixei passar algo que iria mudar minha vida de uma hora prá outra, ou que ao menos fosse render alguma diversão - sabe aquele lance de uma combinação de números com o qual se sonha e que na semana seguinte sai como resultado da loteria? Ou aquela festa em que havia uma loira fatal de minissaia te encarando que você, encharcado de álcool, não deu a mínima bola?
Pois é, quando fiquei sabendo que seriam lançados dois CDs duplos dedicados ao CACTUS, um deles compilando todo o material de estúdio que gravaram e o outro com registros ao vivo, não dei muita atenção, pois no caso dos sons de estúdio já tenho todos discos desde a época do vinil (obrigatórios para todo roqueiro setentista que se preze), e em relação ao disco ao vivo, achei que se tratasse da oficialização de algum dos shows piratas que circulam por aí - provavelmente o Ultrasonic Studios - acrescido das conhecidas faixas ao vivo do "Ot'N'Sweaty", "Isle Of Wight", etc.
Pois o imbecil aqui correu o risco de, daqui a 30 anos, meus netos, orgulhosos do avô roqueiro, viessem a descobrir que eu não tenho o Cactus ao vivo oficial... o que eu diria para eles? Com que cara poderia encará-los nas confraternizações de fim de ano???
E olha que meus amigos ficavam me cutucando, dando uns toques aqui e ali... "e aí, já pegou o treco?" e eu respondia "putz cara, depois eu vejo, devo ter isto perdido por aqui", um tanto quanto desanimado, principalmente por causa do precinho salgado que tavam pedindo pelo troço.
Até que um dia, de tanto insistirem em "guitarras tonitruantes", "cozinha matadora", "qualidade sonora estupefaciante" e outros superlativos chamativos, resolvi checar com mais cuidado a coisa, e fui ler com atenção o release da Rhino Handmade.
No meio de todo aquele blá-blá-blá típico de textos promocionais, li que o pacote trazia um show inteiro num tal de Ellis Auditorium em Memphis, 19 de dezembro de 1971, no que teria sido a última apresentação realizada pela formação original. Futuquei meus CDRs e percebi que não tinha este material, e daí resolvi dar uma escutada nos trechos disponíveis no tal link.
"Caraca, o negócio parece violento!" pensei comigo, ao mesmo tempo em que constatava que de fato nunca tinha ouvido aquilo. "Bah, quer saber? Vou encarar, meu saldo bancário já está no vermelho mesmo, não é um CD a mais que vai me afundar, além do mais não é um disquinho qualquer, trata-se de um Cactus, porra!" disse para mim mesmo, me convencendo que sim, como sempre gastaria mais que o habitual nas festas de fim de ano e que a chegada dos habituais IPTU e IPVA no início do outro ano são um problema, mas bolas, estamos em 2004, os problemas de 2005 devem ser resolvidos no próximo ano...
Dias depois peguei o bichinho nas mãos e logo de cara fui conferir o encarte, bem informativo e com algumas imagens interessantes. Muito legal. Mas eu não tinha pago uma fortuna apenas para ler uns textos e ver fotos duns sujeitos cabeludos, barbudos e mal-encarados, faltava o veredicto final dos meus ouvidos.
Liguei o som no volume quatro, me posicionei no meio das caixas e comecei a audição: "Hello... good evening everyone... everybody knows that tonight we gonna have a live recording... so... (I'd) like to really hear what you really think about this... so everybody else around the country, when they hear this album... they'll know what Memphis is at, they'll know what Cactus is at..., anuncia Rusty Day, com Jim McCarty emendando uma seqüência de riffs dignos de um bom air guitar... é, a coisa começou bem...
Mas aquilo não era nada: o troço pega fogo mesmo lá pelos dois minutos de "Long Tall Sally", quando me entra uma cozinha SIMPLESMENTE ESTONTEANTEMENTE MARAVILHOSA, PUTAQUEOPARIUQUÁDRUPLO!!! Baixão marcante, batera segurando a onda e ao mesmo tempo indo na viagem... com isto o volume já tava batendo no cinco...
Saca o Beck Bogert & Appice ao vivo no Japão? Pois é, para quem não sabe, os dois sujeitos que cuidavam do baixo e da bateria (Tim Bogert e Carmine Appice) foram do Cactus - aliás, não vou perder tempo escrevendo sobre a história do grupo, caso você não conheça clique abaixo em "ver mais informações sobre a banda" ou visite este link para ler uma biografia mais recente feita pelo meu amigo Eduardo Buss (fala, brother!)
Outra coisa que sempre chamou atenção naquele BBA ao vivo era justamente a qualidade sonora, e o que temos aqui é algo do mesmo nível, tudo excepcionalmente claro e nítido, gravado e mixado profissionalmente, com os instrumentos no talo, como manda um autêntico Concerto de Rock.
Mas não é só a qualidade sonora que conta: na realidade, isto é apenas um detalhe que ajuda a salientar o conteúdo, pois com este ao vivo fica patente que o Cactus foi uma das GRANDES BANDAS DE ROCK de todos os tempos, e quando digo ROCK não estou me referindo a babas radiofônicas com corinhos alegrinhos e guitarrinhas chinfrim ou ao pessoal deprê que diz que faz rock, mas sim ao LEGÍTIMO E VERDADEIRO HARD-BLUES-ROCK'N'ROLL DE MACHO, ao lado de luminares como Ten Years After, Humble Pie, Mountain, James Gang, Free, Grand Funk, The Who, Led Zeppelin e outros - por sinal, alguns dizem que o Cactus se trata de uma espécie de versão americana deste último, já que atuava no mesmo front (Blues Rock/Rock'N'Roll swingado e pesadão), e seus músicos não deixassem a desejar se comparados com Page & Cia.
Os petardos foram se sucedendo enquanto eu me descabelava e pulava feito doido pela casa (a esta altura do campeonato eu já havia ligado as quatro caixas de som e o volume já estava no sete, um pouco mais e as paredes viriam abaixo): "Bag Drag", "Evil" (com direito a um solo de bateria, como manda o figurino), "Parchman Farm", "Alaska", "Oleo" (com Bogert mostrando o que sabe fazer no baixo, só para se ter uma idéia, algo mais ou menos parecido com o que Jack Bruce apresenta no West Bruce & Laing ao vivo), todas em versões expandidas e energéticas, com guitarras solando o tempo todo, cozinha marcante e pesada, vocalista carismático etc.
Em seguida uma versão bluesy MAGISTRALMENTE ESTUPENDA de quase vinte minutos de "No Need To Worry", com Rusty improvisando as letras e chegando ao ponto de desejar Feliz Natal e Próspero Ano Novo, no que agradeci com lágrimas nos olhos: "thank you very much Mr. Day".
É pouco? Pois têm mais ainda: o rock'n'roll escancarado de "Let Me Swin", a swingada "Big Mama Boogie" e para finalizar um medley com clássicos do rock'n'roll, numa verdadeira tour de force de meia hora de duração!
Tudo isto e ainda estamos no set do Ellis, que se estende até o começo do segundo CD, e ainda têm mais de quarenta minutos pela frente - como se precisasse! Se o resto do disco viesse vazio ou com uma apresentação do Richard Clayderman com a participação de Kenny G já teria valido a pena, mas de quebra ainda há as faixas ao vivo do "Ot'N'Sweaty", as do Isle Of Wight (aquelas que saíram no LP "First Great Rock Festivals Of The 70's") e dois registros muito bons datados de junho de 71, com o guitarrista Ron Leejack.
Nesta hora eu já havia chamado atenção de toda a vizinhança, pois o que se via do lado de fora era um sujeito que parecia tomado por um poltergeist, tocando air guitar tresloucadamente, balançando a cabeça que nem maluco e praticando mímica com a vassoura (apesar que eles já estão acostumados, devem achar que não bato bem da cachola).
Daí alguns garotos que moram por aqui, geração MTV, me perguntaram, gritando do outro lado da rua: "ei, o que é isto que você está ouvindo?"
Coloquei as mãos em forma de concha na boca, estufei o peito e berrei a pleno pulmão para eles, meio que imitando aquele comentarista esportivo global, que têm o hábito de puxar os erres:
"ISTO AQUI É RRRRRRRRRRRROOOCCKKK'N'RRRRRRRRRROOOLL, PORRRRRRRA!!!!!!!"
Faixas:
Intro
Long Tall Sally
Bag Drag
Evil
Parchman Farm
Alaska
Oleo
No Need To Worry
Let Me Swin
Big Mama Boogie (Parts 1 & 2)
Medley: Heeby Jeebies / Money / Hound Dog / What'd I Say
No Need To Worry
Parchman Farm
One Way... Or Another
Bro. Bill
Swin
Bad Mother Boogie
Our Lil Rock-N-Roll Thing
Bedroom Mazurka
Total Time: 158:20
Formação:
Rusty Day (vocal, harmonica)
Jim McCarty (guitar)
Tim Bogert (bass)
Carmine Appice (drums)
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps