Resenha - Crimson Thunder - Hammerfall
Por Leandro Testa
Postado em 30 de novembro de 2002
Nota: 8
Em 1996, já se dizia: "Crimson thunder running through their veins..." e foi usurpando duas palavras da canção "Unchained", contida no ‘debut’ "Glory to the Brave", que o Hammerfall deu título ao seu mais novo trabalho. "Crimson Thunder", conforme dito pelo vocalista Joacim Cans, é aquele sentimento impetuoso que temos pelo heavy metal, que corre como sangue por dentro de nós, e, de forma audível, é o que a banda vem tentando traduzir em forma de música, para se superar após Renegade, terceiro e menos inspirado álbum da carreira destes suecos, que contraditoriamente foi o primeiro deles a ganhar disco de ouro (nos padrões internacionais) e a atingir o número 1 de mais vendidos na sua terra natal, devido à popularidade que a banda usufruía quando do seu lançamento.
E "Crimson Thunder" já começa bem, chegando ao terceiro posto por lá, ao passo que, de forma inédita, eles figuraram na décima terceira posição dos rankings alemães, provando que os "templários de aço" se mantêm em pé, segurando firmemente seus martelinhos, sem deixá-los cair. Mas o por quê disso? Alguma autocomercialização? Esta seria a iminente pergunta de qualquer "entendido no assunto". Não, eu diria que não. O Hammerfall sempre teve uma ou outra música de maior apelo, sejam elas as indefectíveis e inevitáveis baladas, ou mesmo outras mais acessíveis como a faixa-título do disco antecessor, que teve seu respectivo single e até um vídeo-clipe, algo que agora se repete em "Hearts on Fire", segunda do novo álbum, iniciada por um riff esmagador, que desemboca numa levada cativante, ratificada pelo refrão no melhor estilo hard rock (pena que em seus 3 min. e 51 seg. o título seja repetido 27 vezes - fora os backings "Hearts!" - mas nem sei porque eu estou dizendo isso... só eu ligo pra essas coisas...), que certamente irá mover montanhas nos shows do quinteto, já em andamento junto ao King’s X e ao ilustríssimo Sr. Ronnie James Dio, com passagem prevista pela América do Sul (mas não vá se animando, pois os outros dois nomes só estarão excursionando pelos EUA).
E por falar em shows, quem esteve presente nas duas ocasiões em que eles aportaram em terras tupiniquins, sabe que os caras dominam em palco. A primeira passagem aqui por São Paulo foi grandiosa em termos de espetáculo, porque em se tratando de espaço físico, é melhor nem falar... Afora as cotoveladas que levei na boca enquanto rolava o cover do Warlord, "Child of the Damned", e a carranca do ex-baterista Patrik Räfling, tudo correu bem, em especial quando fecharam a noite com a troca de instrumentos em "Breaking the Law" do Judas Priest, culminando num dos piores surtos que já tive em meu papel de headbanger.
A segunda delas, bem mais expressiva e fresca em minha memória, tinha tudo para contar com a minha ausência (?!?!?), devido uma aversão parcial que cultivara contra o Renegade, cujo conteúdo demorei a me acostumar por completo... se eu fosse ‘bidú’ e tivesse como sentir a perda de não ter ido, amargaria uma profunda angústia pelo resto dos meus dias, pois o que não tinha nada para ser, acabou se tornando uma das minhas melhores experiências ‘ao vivo’, tamanha interação e simpatia destes músicos, atuando como os seus ídolos oitentistas, à exemplo do consagrada banda inglesa que acabo de citar ali em cima. Lembro-me que o ‘set’ começou com "Templars of Steel", músicas assaz cadenciada do terceiro CD, que, agora, muito provavelmente será substituída por "Riders of the Storm", faixa que abre "Crimson Thunder", mas não tão lenta quanto o outro ‘opening act’. Aliás, esse é o atual direcionamento do Hammerfall, distanciando-se do ‘fast-tempo’ a la Helloween de outrora, para se aproximar ao Accept de sempre, numa predominância do ‘mid-tempo’, ou uma mescla deles repleta de melodia, o que se revela um ponto positivo, à medida que, do contrário, não passaria de uma insistente manutenção da mesmice, salgada pela redundância.
Felizmente, esse não é o caso de "On the Edge of Honour", que apesar da conhecida levada ao bumbo duplo, conta com melodia e refrão deveras interessantes, servindo também para não decepcionar os fãs de última hora ou novatos no estilo. Em contraponto a ela, segue a faixa-título, com uma linha épica bem parada, fato que pouco me contenta, pois sempre espero algo diferente e satisfatório de uma canção que poderia ser o carro-chefe de um CD. Naturalmente, ela não é nada comum para a banda em questão, porém se mostra inexpressiva, simplezinha e certamente é a menos interessante das faixas-título nestes quatro CDs (mas se preferires contar os EPs e singles, tudo bem, dá na mesma).
Também pelo lado dos ofuscamentos vem a balada "Dreams Come True", bonita, principalmente pelo arranjo de cordas, entretanto aquém do padrão ISO9002 de qualidade (com uma letra até certo ponto piegas), e nem se pode mais arriscar a dizer "olha, é daquelas que só o Hammerfall consegue fazer", já que tal tipo de composição vem sofrendo um declínio desde "Always Will Be" (decorrente da ausência de Jesper? - explicarei em breve). Ainda uma faixa que pode passar desapercebida é a (curta) instrumental "Lore of the Arcane", com cantos gregorianos reproduzidos no teclado, cujo empecilho reside no fato de que realmente parece ter sido tirado em tal instrumento, e isso me desagrada profundamente. De qualquer modo, seu minuto e meio serve como propulsor de uma surpresa desabrochada na emenda com "Trailblazers", uma das melhores músicas do conjunto, empolgante e com uma pegada bastante especial. Tá vendo, é só colocar um pouquinho mais de peso, que o negócio funciona, algo que pouco se evidenciara no passado, talvez mais à tona em músicas como "Destined for Glory" (mesmo não sendo tão boa assim).
Como de praxe, em todos os seus lançamentos sempre há uma regravação, muitas vezes de bandas obscuras dos anos 80 a quem prestam tributo, ganhando uma melhor produção, chegando ao ponto de se tornarem tão populares, que permitem aos seus idealizadores colocarem material novo no mercado, aproveitando o ensejo. Aconteceu com o Stormwitch, que acabou editando um ‘greatest hits’ logo que o Hammerfall, em início de carreira, coverizou "Ravenlord", e acontecerá agora com David T.Chastain, que devido à projeção desta sua canção "Angel of Mercy", relançará o seu álbum originário. Muito legal essa troca de favores: um vem com a influência/inspiração e o outro, com a emersão daquilo que seus ídolos produziram duas ou três décadas atrás. Especificamente neste caso, até o cover é diferente dos demais já feitos, o mais cadenciado dentre eles, na verdade bem sombrio, que parte para um peso esplendoroso em seu núcleo, porém muito breve. (Obs.: a versão original contava com vocais femininos e Joacim Cans se saiu muito bem desta feita.)
Em seguida, "The Unforgiving Blade" é outra que prima mais para o termo "metal" do que para "speed", lembrando um pouco a "Let the Hammer Fall" do álbum Legacy of Kings, só que melhor, mais pesada e com uma engrenada primorosa em seu final. Boa canção, abrilhantada pelo forte coro, que até tem uma particularidade interessante: no meio do ano, houve uma promoção cujo vencedor seria o fã que criasse o melhor nome para o guerreiro-símbolo (das capas), sendo gratificado com um jantar junto aos integrantes da banda, além de fazer ‘backing vocals’ em uma das faixas. Portanto, o felizardo foi até a Espanha, em Tenerife, no estúdio de Andi Deris (Helloween), e o resultado está aí, para quem quiser ouvir (não dá para discernir as vozes mesmo...).
No que tange à tão falada labuta anterior, o grupo gravara a sua primeira faixa instrumental, com ótimos resultados. Contudo, deixando a velocidade de lado, em "In Memoriam" eles atacam de melodia, numa faixa belíssima, sublime, que transborda emoção e certamente agradará a gregos e troianos, principalmente àqueles que não gostam do timbre de voz de Joacim Cans (um eterno litígio), inexistente aqui.
Agora, uma parte importante: o ‘grand finale’... amadores de plantão, prestem atenção em "Hero’s Return", pois é assim que se deixa a melhor das impressões, com um encerramento digno de quem vende milhares de cópias, num mundo como este, em que inúmeras bandas renomadas colocam suas melhores músicas na primeira fila, se esquecendo das disposições finais. Se parasse por aí, eu até que titubearia em comprá-lo, apesar de não haver uma música sequer que fosse um ‘patinho feio’, algo que não acontecia desde os seus primórdios, no seu magnífico ‘debut’. Mas o melhor de tudo é que para quem comprar a versão nacional ou a ‘digipack’, será presenteado com a ‘bonus-track’ "Rising Force", cover do quase brasileiro Yngwie Malmsteen (he, he), principal influência de Stefan Elmgren. Tudo bem que o estilo vocálico se distancia bastante do original, porém Joe Lynn Tuner se encaixara melhor à canção. A despeito da fidelidade, prefiro não comentar sobre as guitarras, pois quem é fã contestará com um sonoro "ah, o Yngwie é bem melhor!". O que posso argumentar é que ela ficou bem mais pesada, e que de uma coisa não se pode reclamar: o teclado e a bateria, pois aqui temos dois dos membros que a gravaram no ano de 1988, os irmãos Johansson. Jens (Stratovarius, Star One – um sujeito retardado, no bom sentido. Alguém o viu explodindo uma privada numa casa de shows, cena que consta no DVD Infinite Visions?) somente fez uma participação especial nesta bônus e Anders, cuja performance anterior ficara ofuscada (também pelo estrelismo do Sr. Malmsteen), agora foi beneficiado pela gravação cristalina, que muito acrescenta ao conjunto da obra.
Passadas todas à limpo, resta responder a pergunta que não quer calar: "e aí? qual é o melhor álbum deles?". Pois coloque uma ‘silver tape’ na boca dela, pois me esquivarei de fininho. Há quem prefira o Legacy of Kings; também soube de um sujeito que disse simpatizar com o Renegade (um em um milhão, então tal hipótese está descartada); aqueles que preferem algo heterogêneo, ou seja, cujas músicas pouco parecem entre si, irá adorar o "Crimson Thunder", que mostra um som mais maturado, pesado, uma banda mais profissional e com letras mais bem compostas; mas já no meu caso, continuo com a garra do Glory to the Brave, o mais distante cronologicamente e em termos de sonoridade, feito pelo combinado ‘HammerFlames’, que contava em suas fileiras com o respeitadíssimo Sr.Jesper Strömblad, compositor que mesmo depois de seu desligamento, no qual também levou o guitarrista Glenn Ljungström (no intuito de se dedicarem ao In Flames), continuou ajudando na criação de grandiosos hinos metálicos junto aos seus ex-companheiros até Renegade, o álbum anterior. Isso prova que a banda tem potencial o bastante para se sustentar sozinha, afinal o auxílio do Strömblad sempre foi muito benvindo.
Todavia, existe um detalhe com que não me conformo e não consigo me acostumar: os donos da banda são o guitarrista Oscar Dronjak (que a fundou junto ao Jesper) e Joacim Cans, que pegou o bonde andando (já que o primeiro vocalista, Mikael Stanne do Dark Tranquillity, estaria ocupado durante um período, e por isso um substituto teve de ser recrutado), mas que logo se tornou peça vital para a construção do ‘debut’. Nisso, são eles que compõe tudo, mandam e desmandam e os outros, ali pouco contribuem... Foi assim que o outro guitarrista, Stefan Elmgren, acabou lançando em maio de 2002 um álbum solo, cujas músicas ou simplesmente as idéias poderiam muito bem ter sido aproveitadas na banda a qual se dedica. Para choramingar ainda mais, basta ver a situação do baixista Magnus Rosén... quem esteve no workshop que ele fez por aqui recentemente, ouviu seus CDs de jazz/fusion ou mesmo, à título precário, assistiu ao DVD "The First Crusade" que mostra um trecho de seu vídeo-curriculum para ingressar no Hammerfall, sabe que ele toca muito, pois, segundo suas próprias palavras, dedica muitas horas por dia para aprimorar suas técnicas. Para aproveitá-las, disse que só se estivesse numa banda como o Dream Theater, com arranjos complexos, mas fala para mim: precisava ele fazer linhas tão retilíneas que não deixam transparecer seus predicados? O fato é que o "contrataram" para isso, algo que os donos do time lhe deixaram muito claro na época, e ele parece não se importar, afinal demonstra ser um sujeito sossegado, muito simpático, até se lembrou de mim na manhã seguinte, novamente me agradecendo, quando fui o primeirão na sessão de autógrafos... (também pudera, sou um sujeito pra lá de perguntador). Trocou lembranças com os presentes, dentre eles pôsteres, palhetas personalizadas e até cordas de baixo. De mim, levou um magnético com a bandeira brasileira, nação preferida de Joacim Cans para se visitar.
Quem também ocupou seu tempo com projetos paralelos foi o último citado, na desnecessária reunião do Warlord, idealizada junto a dois dos membros originais, Bill Tsamis e Mark Zonder, mas que lhe serviu como uma maravilhosa realização, já que sempre se declarou fã desta, que teve rápida passagem pelo planeta Terra.
Tá, e o que eu quero dizer com isso tudo? Simples: Não obstante à soberania de dois membros, se TODOS centrassem esforços única e exclusivamente no Hammerfall, ela seria bem melhor. Essa onda de incursões extra-banda vem atrapalhando várias delas, à exemplo do último do Dream Theater, excelente, porém, não fosse isso, seria bem melhor.
Em suma, Crimson Thunder é um ótimo trabalho, que deve ser conferido, atrativo em termos de peso, (culpa do produtor Charlie Bauerfeind - Blind Guardian, Rage, Angra, Helloween, etc), e apesar do inexplicável sentimento de ausência (de alguma coisa), ele se completa com a ‘bonus-track’, formando assim, o trabalho de maior duração na carreira do conjunto, que com seus 52 minutos mostra um Hammerfall que ainda se elevará muito no conceito do público metal, pois a despeito das evidentes influências, tenta procurar uma identidade própria a cada álbum, podendo figurar entre o alto escalão dentro de alguns anos.
Website oficial – www.hammerfall.net
Por favor, só mais um minuto da sua atenção:
Mas nem só de marteladas vive o Hammerfall. Incidentes mais recentes provaram que garrafadas rolam por aí também, denunciando como é lamentável a desunião dos headbangers, que começa desde o nosso fórum, passando pela violência explícita e covarde contra Joacim Cans em um bar sueco, culminando no assassinato de um de nossos irmãos na cidade de Franca, interior de SP (que Deus o tenha †)... isso apenas para citar aquilo que ainda não se apagou de nossas memórias. Gente, eu não vou ficar usando o espaço que o Whiplash! me concedeu para argumentar a respeito... mas será que ninguém consegue colocar a mão na consciência? Paro com esse assunto por aqui, pois não serei eu quem irá mudar a mentalidade de quem teima em ostentar sua tapa, daquelas usadas nos olhos cavalos, jegues, mulas, burros.... Pare um pouco, pense nisso e muito obrigado pelo seu empenho...
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