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Arquivo do Rock: Vida e obra de Chuck Berry

Por Rafael Ferrara
Fonte: Radio Catedral do Rock
Postado em 24 de março de 2020

Chuck Berry foi mais que um dos pioneiros do rock and roll. Foi ele quem pegou o jeito de cantar de Nat King Cole, a forma de tocar de Muddy Waters e, a partir do R&B, ele criou algo novo. Ele deu luz a um novo estilo que mudaria a história da música para sempre. Não bastante, ele inseriu a tudo isso movimentos que inspiraram artistas de diversos estilos, não somente o rock and roll.

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Em 18 de outubro de 1926, nascia em St.Louis, Missouri, Charles Edward Anderson Berry, o mais novo de um total de quatro irmãos. Seu pai, Henry Willian Berry, se revezava entre a função de diácono em uma igreja batista do bairro conhecido como Ville e a carreira de empreiteiro. Sua mãe, Martha Bell, trabalhava como diretora em uma escola. A forma como foi educado lhe permitiu que dedicasse parte de seus estudos para a música. Tanto que aos 15 anos já estava fazendo sua primeira apresentação enquanto aluno da Summer High School. Aos 18 foi preso por roubo. Em sua biografia, Chuck diz que seu carro apresentou um defeito e precisou roubar um carro que passava pelo local usando uma arma de brinquedo. Foi mandado para um reformatório e, além de praticar boxe, formou um quarteto de canto. O grupo começou a impressionar e, por isso, passaram a permitir que se apresentassem fora do reformatório. A sua relação com condenações e prisões seria tão constante quanto com o sucesso nas paradas.

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De volta à década de 40, mais precisamente em 28 de outubro de 1948, Chuck Berry e Themetta "Toddy" Suggs se casaram. Dois anos depois tiveram à primeira filha, Darling Ingrid Berry. Para ajudar no sustento da família, Chuck, assim como seu pai, passou a se revezar entre tarefas. Além de ter trabalhado como operário em duas fábricas de carros, ele atuava também como zelador do próprio prédio em que morava. Mais à frente, após se formar como eletricista, conseguiu uma certa estabilidade financeira, podendo então comprar sua primeira casa. A residência consta até hoje nos Registro Nacional de Lugares Históricos como a casa de Chuck Berry. Durante todo esse tempo, Chuck seguia tocando blues. Sua principal influência era T-Bone Walker. Ele tocava no Trio Johnnie Johnson, banda que tinha como principal estilo blues e baladas. Por vezes, músicas do estilo country eram colocadas no roteiro, pois faziam sucesso entre os brancos da região. Essa escolha, segundo o próprio Chuck, gerava desconfiança e piada entre o público negro que não entendia "qual era daquele negro caipira". Mais tarde, o mesmo público que ria, passou a pedir essas mesmas músicas.

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As coisas começaram a deslanchar para Berry em maio de 1955 quando teve a oportunidade de conhecer Muddy Waters. Dentre vários assuntos, Muddy recomendou que Chuck procurasse o responsável pela Chess Records, Leonard Chess. Num primeiro momento, Chuck pensou que Leonard Chess já estivesse interessado na sua música. Na verdade, o que Chess queria era que ele regravasse a música Ida Redd a qual era muito fã. Berry topou mesmo assim o desafio e juntou Johnnie Johnson no piano, Jerome Green que era da banda de Bo Diddley, Jaspers Thomas na bateria e Willie Dixon no baixo. Com um novo nome, a música foi gravada como Maybellen, vendeu um milhão de cópias, alcançou o topo da categoria R&B da Billboard e o número 5 geral de vendas nas lojas.

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No ano seguinte, Chuck emplacou seu segundo sucesso, Roll Over Beethoven. A música chegou ao 29º lugar da Top 100 da Billboard. Com o sucesso jogando os holofotes em Berry, ele acabou se credenciando para fazer uma turnê chamada "Top Acts of 56". No meio de tanto astro da música, Chuck acabou desenvolvendo amizade com Carl Perkins que declarou ser fã da sua música que evidentemente tinha inspirações na música country, estilo que ele também tocava. No ano de 1957, Chuck permaneceu no topo e pode participar da turnê pelo país organizada por Alan Freed com o nome de Biggest. Com ele, tocaram grandes nomes da música da atualidade como The Everly Brothers e Buddy Holly. Foi no show da ABC chamado Guy Mitchell Show que, no mesmo ano, Berry emplacou mais um sucesso, Rock and Roll Music. Daí para frente foi uma sequência de sucessos lançados em série por mais dois anos, entre eles School Days, Sweet Little Sixteen, You Can’t Catch Me, Menphis e o seu maior clássico Johnny B. Goode. Um sinal de que um músico se tornara um astro naquela época era estrelar um filme e Chuck participou logo de dois. Em 1956, ele fez um papel no filme Rock Rock, onde cantou You Can’t Catch Me. Em 58, um filme de jazz reproduziu sua performance de Sweet Little Sixteen do festival de Newport. Já em 1959, foi a vez do filme Go, Johnny, Go, onde cantou Little Queenie, Memphis, Tennessee e, obviamente, Johnny B. Goode.

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Com o sucesso, Chuck Berry pode fazer investimentos e um deles foi a abertura de uma boate na sua cidade natal, St.Louis. Berry’s Club Bandstand, uma casa de miscigenação racial. Naquele mesmo ano, ele foi preso sob a alegação de "tentar cruzar a fronteira na companhia de uma menor de idade para fins imorais". Resumindo, Berry foi acusado de levar uma menina de 14 anos para outro estado na tentativa de prostituí-la. Após um julgamento relativamente longo, duas semana, Chuck foi condenado a cinco anos de prisão mais multa de cinco mil dólares. O astro recorreu alegando que o juiz foi racista durante o julgamento e isso comprometeu a avaliação do júri. O recurso foi aceito e após novo julgamento ele foi condenado a três anos de cadeia. Esse fato praticamente devastou sua popularidade. Seu último síngle antes de ser preso foi Come On. Ainda na prisão, Chuck continuou escrevendo e ensaiando, mas, depois de um ano e meio ele foi solto e viu sua carreira arruinada.

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Já solto e com a imagem muito arranhada, Berry precisava de uma ajuda extra para conseguir retomar a sua carreira. Para a sua sorte, o seu retorno à liberdade coincidiu com a invasão britânica de The Beatles e The Rolling Stones, bandas cujos músicos assumiam publicamente terem sido influenciados por Chuck. Ser a inspiração dos dois maiores nomes da música mundial no momento e ter músicas suas regravadas por eles foi um sopro de esperança para Chuck conseguir dar prosseguimento aos trabalhos. Não bastante, outros nomes que começavam a crescer também foram importantes para reerguer a carreira dele. Um desses nome foi o Beach Boys que estourou nas paradas com Surfin’ USA que tinha uma melodia inspirada em Sweet Little Sixteen. Com esse "empurrão", Chuck conseguiu emplacar alguns sucessos no Top 20 da Billboard 100 no meio da década de 60, foi o caso de No Particular Place To Go, You Never Can Tell e Nadine. Já no final da década de 60, ele lançou dois álbuns, com o destaque para Live At Fillmore Auditorium que foi totalmente gravado ao vivo na emblemática casa de show de Bill Graham.

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Obviamente que, com esse golpe do destino a seu favor, Chuck precisava colaborar também para que a sorte continuasse soprando as velas da sua carreira. Todavia, foi nessa mesma época que ele começou a ganhar a fama de ser um artista difícil. Seus shows tinham contratos "engessados" e ruins de negociação. Não bastante, passou a optar sempre por bandas de apoio locais com raros ensaios. Isso tudo somado a um comportamento que começou a se mostrar sombrio e errante fez com que ele ficasse desinteressante para quem o contratava para shows. Ainda assim, seu nome abria as portas para certos eventos, como o Toronto Rock and Roll Festival em 69 e uma apresentação marcante no Central Park em Nova Iorque no mesmo ano.

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A década de 70 talvez tenha sido a mais dramática para Berry em diversas esferas. Na parte criativa, sem dúvidas, foi a mais fraca de todas. Chuck até tentou lançar alguns discos e singles, mas poucas canções conseguiram atenção do público e quase todas dessas eram versões ao vivo de outros sucessos ou releituras. Não é possível afirmar se de fato Chuck passou por um período de bloqueio criativo ou que apenas seu estilo ficou datado comparado ao de outras bandas que começavam a surgir no mesmo período. Ele chegou a retornar para a Chess, mas durou apenas os três primeiros anos da década, fechando o contrato com um álbum ao vivo com participações de Muddy Waters e Howlin’ Wolf. Depois disso, não lançou muita coisa. No final da década, ele lançou o álbum de estúdio Rockitt pela Atco Records. Depois desse álbum, Chuck só lançaria outro de estúdio em 2017, 38 anos depois, no seu último ano de vida.

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Talvez por entender que não conseguiria mais causar o mesmo impacto da década de 50, Chuck optou por shows que revisitassem o seu passado. E exatamente nessas turnês que tinham potencial de dar uma guinada na sua carreira que estava outro drama que o assolou na década de 70. Sem fazer uma autocrítica, Berry insistiu no erro de turnês com bandas de apoio que eram contratadas localmente. A consequência disso era uma série de shows de qualidade ruins, com músicos medíocres, desempenhos irregulares e nenhuma vontade de estar ali. A AllMusic na época afirmou que essa decisão de Chuck acabou criando uma nova mancha em sua carreira, tanto para os mais velhos que tinham a oportunidade de celebrá-lo novamente, quanto para os jovens que estariam dispostos a descobri-lo. Para não dizer que tudo era tragédia, numa dessas turnês surgiam alguns músicos reservas de qualidade que estavam em início de carreira. Dois nomes que podem ser citados são o de Steve Miller e Bruce Springsteen. O The Boss, que sempre foi fiel ao pioneiro do rock and roll, fez diversos relatos confirmando as histórias dessas trágicas turnês. O mais comum era que Chuck não passava um set-list para a banda. Ele queria tocar os primeiros acordes e a banda que "corresse atrás dele". Além disso, Berry ficou famoso por, ao final dos shows, sequer falar com a banda. Ainda assim, no final da década, Chuck foi convidado pelo então presidente Jimmy Carter para tocar na Casa Branca.

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Com uma carreira com algumas manchas, nenhum sucesso atual nas paradas e uma péssima fama da sua turnê, inevitavelmente Chuck Berry começou a ser contratado por empresários de caráter duvidoso e daí surge o terceiro drama que o assolou na década de 70. Sendo contratado por empresários de baixo escalão, Chuck começou a ser pago em espécie pelas suas apresentações. Esse fato passou a chamar a atenção das autoridades fiscais dos EUA que o acusaram de sonegação. Berry não negou às acusações e encarou a prisão pela terceira vez, sendo agora por quatro meses.

A partir da década de 80, Chuck só ganhou notoriedade por conta da sua insistência em aparecer nas notícias policiais e de fofocas. Primeiro foi acusado de agredir uma mulher em Nova York que teve ferimentos diversos na face, entre dentes soltos e pontos na boca. Berry se declarou culpado e foi liberado após pagamento de fiança. Depois, foi acusado de esconder uma câmera no banheiro de um dos seus restaurantes no Missouri para filmar as mulheres. Chuck alegou que a câmera era para flagrar um funcionário que estava furtando do restaurante. Nunca conseguiram provar a sua culpa e, mesmo assim, ele optou por um acordo de ação coletiva. Em uma das biografias sobre sua vida, contam que Chuck gastou mais de um milhão em processos movidos por quase 60 mulheres sobre agressão, abusos ou vídeos íntimos. Isso sem contar com os gastos com honorários dos advogados. Até processo por posse de maconha Chuck Berry respondeu.

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Por quase 40 anos, Chuck nada produziu além de processos e gastos jurídicos. O mais emblemático foi de seu ex-companheiro de início de carreira, Johnnie Johnson, que exigia créditos por ter ajudado na composição de mais de 50 músicas, dentre elas Sweet Little Sixteen, Roll Over Beethoven e Not A Particular Place To Go. O caso foi arquivado porque o juiz considerou que já tinha passado muito tempo para o reclamante solicitar seus supostos direitos.

Sem músicas nas paradas e uma enorme conta com processos para pagar, Chuck não via outra alternativa do que a estrada. Sua agenda de shows era cada vez mais incompatível com sua idade. Na década de 80, quando já estava na casa dos 60 anos, Berry fazia quase 100 shows por ano. E assim tentou por sua vida. Sua primeira aparição no Brasil foi em 1993. Em 2008 fez uma turnê onde passou por diversos continentes. O que parecia ser a gota d’água foi seu colapso em pleno palco num show em Chicago na virada do ano de 2011 em que precisou de ajuda para sair do palco. Mesmo assim, Chuck persistiu e chegou a voltar ao Brasil em 2013, quando fez um show confuso, fiel a tudo aqui relatado. Em 2017, ele lançou seu último álbum de estúdio, 38 anos depois de Rockit. Com o nome de Chuck, o álbum que contava com a presença de seus filhos Charles Benny Junior e Ingrid era uma dedicatória à sua esposa Toddy.

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Chuck Berry passou boa parte da sua vida em uma das suas residência no Missouri que era chamada de Berry Park. Foi lá que ele morreu aos 90 anos de parada cardíaca. Berry deixou um espólio de 17 milhões de dólares só em direitos autorais. De suas músicas metade dos créditos era seu e a outra metade da BMG. Atualmente, a maior parte das gravações são propriedade da Universal Music.


O Arquivo do Rock é um programa de 1 hora de duração que vai ao ar na Rádio Catedral do Rock todo sábado às 14 horas. O Episódio 08: Vida e obra de Chuck Berry foi ao ar no dia 21 de Março de 2020 e está disponível no formato de Podcast no Spotify e Deezer.

Rafael Ferrara é locutor da Rádio Catedral do Rock (90,1 FM – Petrópolis) onde apresenta o programa Arquivo do Rock e também apresenta o Podcast Faixa a Faixa com o Jorge Felipe.

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Sobre Rafael Ferrara

Rafael Ferrara é locutor da Rádio Catedral do Rock (90,1 FM - Petropólis - RJ) onde apresenta o programa Arquivo do Rock todos os sábados às 14 horas. Ele também apresenta o podcast Faixa a Faixa com Jorge Felipe Coelho. Apaixonado por música, Rafael Ferrara acredita que música é memória afetiva porque preenche os espaços da vida. Seu Instagram é @ferrararcr
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