Sérgio Sampaio: Bendito Seja O Maldito!
Por Claudinei José de Oliveira
Fonte: Rolando Rocha
Postado em 26 de maio de 2015
André Forastieri afirmou que não existe rock nacional. No muito, continuou, existem trombadas da música brasileira com o rock e numa lista de mil músicas essenciais à história do rock, todas seriam em inglês. Argumento perfeitamente plausível mas, ainda bem, rock não se resume à composição musical em si. Desde os primórdios o sentimento, a pegada ou, em dois termos mais exatos porém desgastados, o "feeling" e a atitude numa execução musical gravada puseram por terra limites culturais. Seria inocência supor que todos os ouvintes de língua não inglesa compreendessem as palavras cantadas. Entendimento, no entanto, não passa exclusivamente pela linguagem.
Em essência, o rock é porta-voz da insatisfação, da indignação, do inconformismo, do desafio, sentimentos estes universais, tanto no tempo quanto no espaço. Assim sendo, havia rock antes do rock e, se Forastieri estiver mesmo com a razão e o rock morreu, ele vive depois da morte e, porque não, vive, também, no Brasil.
Dizem que o Brasil não tem consciência histórica e não valoriza os seus verdadeiros talentos, o que não deixa de ser uma verdade. Lastimam a falta de reconhecimento público a um grupo de artistas rotulados como "malditos". Na música e, em essência, o rock, por exemplo, temos Itamar Assumpção, Arnaldo Baptista e Sérgio Sampaio. Importante reiterar: rock não se resume a guitarra elétrica, baixo e bateria pois, até louvor a Deus, agora, é feito com esta instrumentação.
Desde a aurora da humanidade, os grupos humanos produziram párias. Na maioria das vezes, funcionaram como antenas receptoras dos medos, traumas, anseios e limites que o grupo deveria experimentar. Experimentavam pelo grupo. Assim foram os xamãs paleolíticos, as pitonisas, os poetas e os filósofos pré-socráticos na antiga Grécia, os santos medievais e os loucos modernos.
Esta é enquanto maldito, a sina de Sérgio Sampaio. Seus quatro álbuns gravados funcionam como uma esponja que absorveu, na música, as mazelas do espírito humano para que o povão pudesse apreciar, incolor, inodoro e insípido, os sucessos populares.
Não é preconceito elitista, mas a música de Sérgio Sampaio não é para qualquer um, em nome da saúde pública. Saúde pública quer dizer engrenagens encaixadas e produzindo, harmoniosamente. Sérgio Sampaio era sabotador, no sentido etimológico do termo, quando os operários enfiavam saltos de sapato ( "sabot", em francês) no mecanismo das máquinas para parar a produção. Sérgio Sampaio era assim, nos pegava no contrapé e escancarava, na nossa cara, a ilusão de sonharmos um sonho que não era nosso. Seu "compadre" Raulzito também fez isso mas usando da fórmula do sucesso e, portanto, sem a mesma contundência.
Nas tradições da antiga Grécia, o aspecto dionisíaco da religiosidade compreendia o drama existencial dilacerando o deus Dionísio que, sempre, deus que era, ressurgia. Isto é, na origem a tragédia, o teatro na Grécia antiga: Dionísio experimentando até as últimas consequências o drama humano para que, no dia seguinte, a comunidade pudesse levantar cedo e cumprir a banalidade de seus afazeres cotidianos.
Não podemos cobrar injustiça do fato de Sérgio Sampaio não ter sido sucesso de massa. Ele era perigoso demais para tanto. Basta, para ele, a condição dionisíaca do dilema existencial vivenciado até as últimas consequências para que, a cada dia possamos seguir em frente, batendo ponto e construindo sonhos alheios. Para o nosso próprio bem.
A lógica do mercado, na produção industrial, implica que um produto chegue ao número máximo de consumidores, senão, será fracasso comercial. Por outro lado, também na lógica de mercado, existem artigos raros e, por isso, caros. É assim que Sérgio Sampaio deve ser ouvido: como artigo caro, raro e rock, senão, é bom que o rock esteja mesmo morto.
"VIAJEI DE TREM"
(Sérgio Sampaio)
"Fugi pela porta do apartamento
Nas ruas, estátuas e monumentos
O Sol clareava num céu de cimento
As ruas, marchando, invadiram meu tempo
Viajei de trem
Viajei de trem
Viajei de trem
Viajei de trem
Eu vi...
O ar poluído polui ao lado
A cama, a dispensa e o corredor
Sentados e sérios em volta da mesa
A grande família e o dia que passou
Viajei de trem
Eu viajei de trem
Eu viajei de trem
Eu viajei de trem, mas eu queria
Eu viajei de trem, eu não queria
Eu vi...
Um aeroplano pousou em Marte
Mas eu só queria é ficar à parte
Sorrindo, distante, de fora, no escuro
Minha lucidez nem me trouxe o futuro
Viajei de trem
Viajei de trem
Viajei de trem
Viajei de trem
Eu vi...
Queria estar perto do que não devo
E ver meu retrato em alto relevo
Exposto, sem rosto, em grandes galerias
Cortado em pedaços, servido em fatias
Viajei de trem
Eu viajei de trem
Mas eu queria
É viajar de trem
Eu vi...
Seus olhos grandes sobre mim
Seus olhos grandes sobre mim."
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