Fuga: uma jóia perdida do hard rock gaúcho
Por Ricardo Seelig
Fonte: Collector's Room
Postado em 16 de fevereiro de 2010
Quando se fala do rock gaúcho dos anos oitenta, o que vem à mente das pessoas são bandas como Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós, TNT, Replicantes, Cascavelettes, Garotos da Rua e DeFalla. Alguns mais informados lembrarão também de Tarantiriça, Astaroth, Bandaliera, Pupilas Dilatadas e Os Eles. Mas poucos, mesmo dentro do Rio Grande do Sul, fazem ideia que o estado foi o berço de uma das melhores bandas de hard rock surgidas no Brasil naquela década: a Fuga.
O grupo nasceu no coração do RS, na cidade de Santa Maria, e era formado por Edson Kroth (o popular Pylla) nos vocais, Rafael Ritzel e Zezinho Cacciari nas guitarras, o excelente baixista Gonçalo Coelho e o baterista Pipoca. O som do quinteto era um hard rock refinado, com ótimas passagens instrumentais e grandes melodias, que conquistou uma grande legião de fãs entre a juventude gaúcha do final dos anos oitenta.
A Fuga começou a chamar a atenção da galera através dos shows constantes em Santa Maria. Para quem não sabe, a cidade é um grande pólo estudantil, graças a universidade federal que lá existe e que atrai milhares de estudantes de todos os cantos do estado, e também do Brasil. Ou seja, viver em Santa Maria no final dos anos oitenta, época em que centenas de bandas explodiam Brasil afora e o rock brasileiro ganhava cada vez mais destaque nos mais variados veículos, era o paraíso para qualquer jovem fã de rock and roll.
Um fato chamava a atenção na cidade: enquanto Porto Alegre sempre primou por possuir uma cena de bandas influenciadas pelo rock inglês sessentista de Beatles, Stones e afins, Santa Maria tradicionalmente sempre possuiu grupos mais pesados e tremendamente influenciados pelo heavy metal e pelo hard rock californiano.
Com a Fuga não era diferente. Todos bons músicos, os integrantes do grupo desde o início executaram um som pesado, cuja principal característica, além da excelência instrumental inédita até então, eram as linhas vocais grudentas criadas pelo vocalista Pylla. Isso fica claro já no primeiro disco dos caras, batizado apenas com o nome do grupo e lançado em 1989. Nele estão os principais sucessos da banda, e pelo menos duas faixas que marcaram época na cena gaúcha do final dos anos oitenta: "Sentimento Perdido" e "Sem Medo".
O play abre com a música mais emblemática da carreira da Fuga. "Sentimento Perdido" é um hard cadenciado, com um arranjo que vai crescendo aos poucos, até culminar em um refrão pra lá de grudento, que não sai da cabeça tão cedo. Nessa faixa já ficam claras as principais qualidades do grupo: a ousadia instrumental, buscando caminhos diferentes daqueles que a maioria das bandas gaúchas trilhava na época - lembre-se, naquele período vivíamos o apogeu dos Engenheiros e Nenhum de Nós -, com arranjos complexos e ricos trechos instrumentais; o timbre vocal de Pylla, muito similar ao de Geddy Lee, do Rush, cantando letras interessantes com interpretações carregadas de feeling; e a habilidade excepcional para compor refrões antológicos, feitos sob medida para cantar a plenos pulmões.
"Sentimento Perdido" virou hit cult em todo o estado, e explodiu de tal maneira que levou a banda a tocar até na principal rede de rádios do RS, a Atlântida, pertencente ao Grupo RBS, afiliado da Rede Globo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Sem dúvida, um dos melhores sons desconhecidos do hard brasileiro oitentista.
Mas a estreia da Fuga tem outros grandes momentos. "Jogos de Imagens" foi feita sob medida para pegar a estrada, e tem uma letra sensacional adornada por grandes linhas vocais. "Laranja Mecânica" é uma das melhores composições do grupo, e costumava levantar o público nos shows. A energética "Dama da Noite" fez a cabeça da galera com o seu inesquecível refrão - "menina de dia, dama da noite" - e pelas excelentes guitarras de Ritzel e Cacciari.
A linda balada "Sem Medo" foi outra que tocou direto nas rádios e puxou as vendas do disco. Contando mais uma vez com uma bela letra, a faixa contém uma interpretação soberba de toda a banda, principalmente de Pylla, que canta de maneira sublime. Trilha sonora de inúmeros primeiros encontros, de beijos inesquecíveis e declarações de amor eternas, "Sem Medo" faz parte das lembranças afetivas de uma considerável parcela da juventude gaúcha do final dos anos oitenta.
Após o lançamento do álbum, o grupo, embalado pela sua boa repercussão junto às rádios e pela fama de bons de palco que sempre possuíram, tocou por todo o estado, levando o seu som aos mais variados recantos do Rio Grande do Sul. O impacto foi muito positivo, e a banda deu mais um passo importante ao participar do primeiro Circuito de Rock, evento promovido pela RBS TV que contou com eliminatórias em todo o estado. A Fuga, como era de se esperar, venceu a etapa de Santa Maria, e foi até Porto Alegre tocar na final do evento, que ocorreu na Usina do Gasômetro e foi transmitida ao vivo pela TV para todo o RS. A imagem de Pylla no palco, com o Rio Guaíba ao fundo e o sempre belo sol de Porto Alegre como moldura, é antológica. Infelizmente a Fuga não venceu o evento, mas foi lançado um LP com as bandas finalistas do Circuito de Rock, e o grupo participa com "Sentimento Perdido".
Em 1992 chegou às lojas o segundo álbum, "Crime ao Vivo". Apesar do título, trata-se de um disco de estúdio contendo dez novas e inéditas canções. Entre as músicas, destaques para a faixa que abre o LP, "Peças de Desilusão"; a ótima "Intimidade" - outra que rolou direto nas rádios -; "Quem é Você" e a pesadíssima "Santo Inocente".
Mas o melhor momento do play é "Saudade", uma excepcional balada que mais uma vez levou o grupo a conquistar corações e mentes. Letra esperta, Pylla cantando como nunca e belas melodias tornaram a faixa um dos grandes hinos da carreira da Fuga, dando combustível para a banda continuar tocando incessantemente por todo o estado. Apesar da repercussão, o disco não é tão bom quanto o primeiro, mas mesmo assim vale a pena.
Mas o que parecia apenas o início de uma carreira promissora, revelou-se um caminho sem volta. Brigas internas, desorganização e falta de estrutura, somados aos excessos de Pylla, levaram a banda a encerrar suas atividades em 1994.
Depois de anos cheirando montanhas de cocaína e bebendo oceanos de whisky, Pylla passou a viver quase como mendigo, até que teve um colapso a cerca de dois anos. Após semanas internado na UTI de um hospital em Passo Fundo e ser dado como praticamente um caso perdido pelos médicos, o vocalista milagrosamente se recuperou, e atualmente tenta levar uma vida de cara limpa e retomar a sua carreira.
Com o passar dos anos, a Fuga foi sedimentando cada vez mais o seu status de cult, sendo redescoberta por novos ouvintes gaúchos mas, infelizmente, continuando desconhecida no resto do Brasil. Para quem se interessar, os dois discos do grupo volta e meia aparecem no Mercado Livre, e a preços decentes. Se você encontrar algum deles, compre sem medo, pois tratam-se de grandes álbuns que irão fazer a alegria de qualquer apreciador de um bom hard rock.
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