A "vingança" de Ace Frehley: o sucesso do álbum solo de 1978
Por Fernando Claure
Postado em 22 de fevereiro de 2025
Em 1978, os membros originais do Kiss lançaram, simultaneamente, álbuns solo pela Casablanca Records, o selo que produziu os dez primeiros LPs do grupo. Os projetos seguiram a visão artística de cada músico: Paul Stanley continuou na rota do hard rock do Kiss; Gene Simmons flutuou com ideias estranhas, mas baseadas em seus gostos particulares e Peter Criss investiu cem por cento nas baladas e no R&B. Mesmo que cada álbum represente o gosto individual do artista, a ideia não foi muito bem recebida pela crítica, com exceção de um. O que faltou para o Starchild, o Demon e o Catman, ficou sobrando para o Spaceman.

O guitarrista principal do Kiss em sua formação original, Ace Frehley, teve o seu projeto solo como o mais bem sucedido do conjunto. Ace trouxe uma variação de ideias mais ampla que a de Simmons e não se prendeu a um estilo ou padrão específico, como Paul e Peter fizeram. Em entrevista para o Ultimate Guitar, o guitarrista admitiu que uma indireta de seus colegas ajudou ainda mais a ligar o seu motor criativo.
"O que faz esse álbum ser tão especial é que eu tinha uma certa mentalidade. Eu lembro de estar em uma reunião com os caras da banda, homens de negócios e a administração. Tinham quase doze de nós na mesa e isso foi antes de nós irmos fazer nossos álbuns. Eu lembro que Paul e Gene fizeram uma declaração para mim em frente de todo mundo que foi meio que uma crítica. Eles disseram ‘ah, Ace, a propósito - se você precisar de ajuda, não hesite em ligar para nós’. Na minha cabeça, eu disse ‘eu não preciso da ajuda deles.’", disse o Spaceman.
Atualmente, o álbum continua sendo o seu projeto individual de maior sucesso, com o cover de "New York Groove" do Hello tendo mais de 66 milhões de ‘plays’ no Spotify (de acordo com a data de redação dessa resenha), o maior número de todas as músicas dos álbuns solo do Kiss de 1978. Na mesma entrevista para a Ultimate Guitar, Ace conta: "quando você escuta esse álbum, primeiro: foi o mais bem sucedido dos quatro álbuns solo. Segundo: ele continua bom até hoje, mesmo que a produção não esteja a par com a de álbuns produzidos hoje. Mas o tema continua relevante".
A capa e o conteúdo do material seguem o mesmo padrão dos outros álbuns de Stanley, Criss e Simmons, com uma arte um tanto quanto psicodélica, feita pelo artista Eraldo Carugati. É o segundo álbum mais longo da série, batendo a marca de 36 minutos. Frehley seguiu a linha de Criss e Simmons, que também incluíram um cover em seus respectivos álbuns.
O álbum começa com "Rip It Out", uma música que incorpora o espírito do hard rock que Ace vinha trazendo para o Kiss. A faixa começa forte e o instrumental, junto com o ritmo estabelecido pelos vocais, às vezes chega a flertar com o beach rock. A letra envolve traição, problemas amorosos e outras coisas que já ouvimos antes, mas que para a época era o normal. E por falar em vocais, Frehley demonstra logo no começo que não tem exatamente uma voz marcante como a de Paul Stanley ou um estilo característico, como o vocal mais rouco de Peter Criss, mas a agressividade que ele impõe nas palavras acaba te prendendo e agem como o seu maior ponto positivo como vocalista.
"Speedin’ Back To My Baby" chega em seguida e é impossível não pensar que Ace escreveu essa canção depois de ouvir alguns álbuns de country rock e southern rock. Talvez um pouco de ZZ Top, Lynyrd Skynyrd e The Allman Brothers Band. O ritmo galopante das guitarras e da bateria criam uma melodia divertida para estourar o rádio na estrada, mas a magia da faixa termina por aí. O solo, o refrão, a letra, tudo se encaixa perfeitamente em um estereótipo de o que é uma faixa de southern rock. Mesmo que o Spaceman tenha tido intenções diferentes, a segunda música de seu álbum acaba sendo pouco criativa e um dos poucos pontos baixos do projeto.
Diferentemente de "Snowblind" do Black Sabbath, essa "Snow Blind" além de ter um espacinho nas duas palavras, não fala sobre cocaína. E por incrível que seja, também não fala sobre amores e romantismo. A terceira música de "Ace Frehley" tira o pé do acelerador e parte para um ritmo mais concentrado e impactante, aumentando a presença do baixo. O vocal volta a ser mais agressivo e o solo começa a mostrar mais as ideias que Ace pode ter quando leva indiretas de Paul Stanley e Gene Simmons. Com uma das melhores instrumentações entre os quatro álbuns e na velocidade perfeita, "Snow Blind" é com certeza um dos destaques do projeto e é um crime não ter sido incluída na compilação "Best of Solo Albums".
Se a comparação de antes foi com uma faixa do "Vol. 4", essa é com uma das mais famosas de "Master Of Reality". O quarto título do álbum, "Ozone", evoca um sentimento em qualquer um que o escuta pela primeira vez: É impossível não pensar que essa é a "Sweet Leaf" de Ace Frehley (até mesmo do Kiss como um todo). A faixa é claramente sobre maconha (Eu sou o tipo de cara/que gosta de se sentir chapado/chapado e seco/e eu gosto muito de voar), mas não entra no estereótipo de música para fumar. "Ozone" segue um ritmo constante com as letras repetitivas e até mesmo as cordas criam uma melodia parecida com as palavras de Ace durante o solo. É uma composição hipnotizante que mostra a versatilidade e o alcance criativo de Frehley. O Foo Fighters fez um cover da faixa, mas que acabou sendo lançada apenas em duas versões especiais do primeiro álbum da banda e no EP "00959525", de 2020.
A quinta e última música do lado A do LP, "What’s On Your Mind?" evoca uma confusão sentimental. A bateria e o baixo chegam explodindo, mas a mistura do violão, guitarra e o tom que Ace usa para cantar acabam formando uma melodia mais suave. A faixa chega até mesmo a lembrar um pouco do estilo do Rush, banda que nessa época já havia aberto shows do Kiss e que Frehley possuía contato. A semelhança veio como uma boa coincidência, considerando que esta acaba sendo uma bela composição de hard rock e muito bem vinda no primeiro disco solo do Spaceman.
"New York Groove", cover da banda Hello, abre o lado B como uma excelente surpresa. Ace revitaliza a música dos britânicos e traz um pouco mais de impacto e presença com a sua guitarra e os back vocals. A faixa por si só é bem simples e tranquila, mas é essa simplicidade que molda o seu charme. O baixo ‘blocado’ e os struts de guitarra fluem perfeitamente com todos os vocais presentes e acaba gerando uma composição de rock que qualquer pessoa pode aproveitar. A escolha de Ace Frehley para fazer cover dessa canção em específico foi uma das melhores que ele poderia fazer e com certeza, no final das contas, foi a mais bem executada entre os outros covers que Criss e Simmons fizeram.
Frehley decidiu continuar a calmaria na faixa seguinte e sétima do álbum, "I’m In Need Of Love". Apesar de ter alguns momentos de elevação vocal, o ritmo permanece o mesmo pela maior parte do tempo. A repetição remete à "Ozone", mas em menor escala. O baixo, tocado por Will Lee, da banda do programa do ex-apresentador David Letterman, fica tímido no começo mas aos poucos vai se soltando, com algumas improvisações, até que ele se liberta completamente durante o solo. A bateria de Anton Fig também entra mais em evidência nesse momento. Por mais que não pareça, "I’m In Need Of Love" traz o melhor de todos os envolvidos no projeto e estampa a sinergia de Ace com os outros músicos.
A penúltima faixa do projeto e a única com créditos de composição atribuídos ao baterista, Anton Fig, além de Frehley. Apesar do nome ser comumente associado ao surfe, "Wiped Out" apenas ameaça um tom voltado para o estilo. As estrofes e o refrão nem parecem ser da mesma composição. Os versos são mais agudos e constantes, subindo mais na escala tonal até que terminam no refrão pesado e com a sutileza de uma tesoura de aço. Essa dualidade em uma composição única não é muito comum, o que pode contribuir para a estranheza diante da primeira ouvida. Mas do mesmo jeito que é diferente, é absolutamente viciante. A quebra que o refrão traz é um deleite para os fãs de hard rock, que no caso, seria a audiência inteira de Ace Frehley e do Kiss.
"Fractured Mirror" chega sorrateiramente para encerrar o álbum. A faixa mostra mais ideias da mente de Frehley, deixando quase impossível adivinhar a rota que o Spaceman pode escolher com o rumo da melodia. Os sinos de início não combinam com o sintetizador que vem em seguida, o baixo galopante e o resto dos instrumentos começam a abafar a bateria, até que um segundo sintetizador aparece e aumenta a intensidade geral. Ace realmente construiu uma estrutura dramática nos instrumentos, mas tudo isso para começar a acalmar até restar somente o violão. Tudo o que os instrumentos (que são vários) começam a mostrar, um por um, não conclui em nenhum encerramento épico ou algo estrondoso. Apenas se mantém firme, até o fade out. A música não é ruim ou decepcionante, mas com tudo o que os instrumentos constroem, parece que Frehley poderia ter terminado essa melodia de outra maneira. O ápice ser o segundo sintetizador parece algo que o Nine Inch Nails faria, quase como um proto-industrial, de certa maneira.
Por mais que não seja perfeito, "Ace Frehley" continua sendo não só o melhor álbum dos solos de 1978, como também mostra a força criativa do guitarrista como um músico completo e a sua capacidade como artista solo. O que Ace fez neste projeto foi o básico, o famoso arroz e feijão, só que muito bem feito. Ele acabou se distanciando das características negativas que atingiram os outros três integrantes do Kiss como um vírus: a mesmice de Paul Stanley, o ‘fantástico mundo’ de Gene Simmons e a teimosia de Peter Criss em achar que é capaz de compor ótimas músicas de R&B, disco e boogie rock. A carreira solo de Ace pós-Kiss seria completamente diferente sem este álbum, que deu a confiança que ele precisava e, acima de tudo, provou para Stanley e Simmons que eles não eram as únicas mentes criativas do grupo.
Nota final: 8/10
Tracklist:
1- Rip It Out
2- Speedin’ Back To My Baby
3- Snow Blind
4- Ozone
5- What’s On Your Mind?
6- New York Groove (original pelo Hello)
7- I’m In Need Of Love
8- Wiped-Out
9- Fractured Mirror
Créditos:
Ace Frehley - Vocais, Guitarras, Sintetizadores e Baixo
Anton Fig - Bateria e Percussão
Will Lee - Baixo em "Ozone", "I’m In Need Of Love" e "Wiped-Out"
Carl Tallarico - Bateria em "Fractured Mirror"
David Lasley e Susan Collins - Back vocals em "Speedin’ Back To My Baby", "What’s On Your Mind?" e "New York Groove"
Larry Kelly - Back vocals em "Rip It Out"
Bill "Bear" Scheniman - Sino em "Fractured Mirror"
Bobby McAdams - talkbox (guitarra falada) em "New York Groove"
Produção por Ace Frehley e Eddie Kramer
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