O que você está fazendo aqui? A vida e a libertação de uma mulher negra no heavy Metal
Por André Stanley
Postado em 08 de junho de 2022
"Como uma pessoa negra e como uma mulher, posso não ter sido benvinda, pois os olhares e a hostilidade no ar teriam feito com que minha presença ali se tornasse desconfortável para todos." (Laina Dawes)*
"What Are You Doing Here? A Black Woman's Life and Liberation in Heavy Metal" (O que você está fazendo aqui? A vida e a libertação de uma mulher negra no heavy Metal – tradução minha) livro lançado em 2012 pela fotógrafa, crítica, escritora e jornalista musical Laina Dawes, ainda é um dos poucos que ganhou relevância ao tratar da presença – muitas vezes não notada – da mulher negra no Heavy Metal.
O livro conta com o prefácio da cantora e ativista Skin do Skunk Anansie. Além de Skin, Laina entrevistou várias musicistas negras da cena. Ela apresenta ao leitor uma série de musicistas e bandas que muitos – eu incluso – nunca haviam ouvido antes, e é justamente esse o grande serviço prestado por essa obra. Segundo a autora seu trabalho se resume basicamente em "encontrar e criar uma voz para as que não têm voz." (Laina Dawes). *
Bandas consagradas como o Mother’s Finest e Skunk Anansie dividem as páginas deste livro com expoentes – naquela época – como as cantoras de Metal, Saidah Baba Talibah, Militia Vox do Judas Pristess, , Rowe do Tetrarch, Urith Myree do Dormitory Effect, Alexis Brown do Straight Line Stitch, além das cantoras de punk rock Felony Melony e Yvonne Ducksworth líderes das bandas The Objecx e Jingo de Lunch respectivamente.
Além destas, temos belas palavras de Tamar-Kali, que ganhou notoriedade na cena punk ao participar do documentário "Afropunk" (2003), que mostra a vida de negros que aderem ao movimento punk. Ou seja, a autora procura dar voz às essas musicistas negras que aderiram à cena metal, hardcore e punk. Às vezes até nos perdemos na leitura e não sabemos se é a autora ou alguma das entrevistadas falando. As aspas não ajudam muito quando está muito imerso na leitura.
Algumas dessas musicista deixaram de atuar, podemos especular que foi por causa dos desafios encontrados por serem negras, no entanto, é bom saber que, depois de 10 anos, a maioria das entrevistadas por Laina Dawes ainda está na estrada e algumas até mesmo voltaram à cena depois de anos de hiato, como o próprio Skunk Anansie e a o Straight Line Stitch.
Laina Dawes se embrenhou no underground em uma caçada por companheiras negras que assim como ela, não se encaixavam nos estereótipos construídos em relação à comunidade negra, onde era vista com estranheza por usar roupas não identificadas com o hip-hop ou com a black music e por gostar de "música de gente branca". Por outro lado, a comunidade headbanger, tampouco a aceitava como uma igual, segundo ela, era um grande desconforto estar presente em uma situação de "tensão silenciosa centrada ao redor do fato de estar em um espaço social onde sua presença é considerada uma anomalia" (Laina Lawes).*
A autora não poupa críticas a hipocrisia da tão apregoada irmandade entre os headbangers:
"Os gêneros musicais metal, hardcore e punk que são com frequência vistos como espaços inclusivos e centrados em um espírito de comunidade, mas falham em bloquear os problemas de raça e gênero que existem no mundo exterior." (Laina Lawes).*
Lawes também visitou escritos anteriores de algumas de suas colegas, como a jornalista Keidra Chaney que escreveu um artigo sobre o mesmo tema anos antes, onde diz que:
"A sabedoria convencional sustenta que gente negra "normal" não ouve Heavy Metal. Como café descafeinado, uma mulher headbanger negra é algo que não faz sentido para muita gente. O que eu poderia achar atraente no Heavy Metal, visto que como não refletia minha experiência de vida ou minha identidade cultural de nenhuma forma tangível?" (Keidra Chaney,)*
Skin, líder do Skunk Anasie, é enfática ao destacar algumas experiências não muito boas vividas por ela, principalmente pelo fato de ser negra. Sobre a recepção de sua banda nos EUA, ela destaca:
"Os EUA, em particular, foram muito difíceis em três níveis: Foi difícil por eu ser uma mulher a frente de uma banda de rock, foi muito difícil por eu ser uma negra a frente de uma banda de rock e foi difícil por eu ser uma mulher de cabeça raspada a frente de uma banda de rock. Tivemos muitas barreiras que nos tornaram outsiders, mas ao mesmo tempo, estas situações também nos trouxeram um belo suporte" (Skin)*
O livro de Lawes é um trabalho primoroso de jornalismo, revisão bibliográfica com toques autobiográficos e entrevistas centradas no tema de como é ser uma mulher negra em um mundo de gente branca. Aliás, ao final do livro há uma série de questionários que a autora usou para sua pesquisa que podem ser bem interessantes para quem gosta de dados. Mas o ponto alto do livro é realmente as conclusões que a autora chega como podemos ver nesse trecho:
"Para mim e para as fãs negras que eu entrevistei, o Heavy Metal nos ajudou em períodos de conflitos pessoais, mesmo quando nós pensávamos em silêncio, como não perdemos nossa sanidade. A música alta e às vezes agressiva nos permite extravasar nossas frustrações, gritar e berrar e pôr para fora emoções que não são exatamente aceitáveis expressar em público." (Laina Dawes) *
Infelizmente, 10 anos após o lançamento, o livro ainda não tem uma tradução para o português, o que, de certa forma, demonstra que o tema ainda não foi devidamente enfrentado pelo público brasileiro de Metal. Será que não temos mulheres negras que gostam de Heavy Metal? Fica a minha pergunta.
Em síntese, essa obra nos põe diante de uma triste realidade que não é trazida à tona no meio da música pesada – em lugar nenhum do mundo. Se as mulheres passaram décadas tentando se inserir no Heavy Metal como musicistas e compositoras e reverter a imagem misógina que elas sofriam principalmente na década de 1980, sendo muitas vezes tratadas como simples adornos de palco ou modelos de capas dos discos de bandas como Kiss e Manowar – e ainda continuam a vencer batalhas em relação a isso – para a mulher negra essa jornada parece ainda mais longa e árdua.
* tradução minha
Título original: What Are You Doing Here? A Black Woman's Life and Liberation in Heavy Metal
Língua: Inglês
Autora: Laina Dawes
Editora: Bazillion Points
Número de páginas: 285 páginas
Ano de lançamento: 2012
Sites Úteis sobre o tema:
Bazillion Points
Skunk Anansie official Website
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