Lobão: em exclusiva, falando sobre disco de regravações, rock nacional e mais
Por Igor Miranda
Postado em 25 de setembro de 2018
Fotos: Anatole Klapouch / divulgação
Além de paixão pela música, Lobão é notável por gostar de falar. Por isso, entrevistá-lo é uma atividade prazerosa: diferente de muitos cantores e músicos, João Luiz Woerdenbag Filho não impõe filtros ao expor suas visões e opiniões. Tal postura rende críticas, mas ele parece estar não apenas consciente, como, também, preparado para lidar com elas.
Em entrevista exclusiva ao Whiplash.Net, Lobão falou sobre tudo que cerca "Antologia Politicamente Incorreta dos Anos 80 Pelo Rock", seu lançamento mais recente. O disco, de formato duplo, é composto pelo que o título indica: versões próprias de sucessos do rock nacional dos anos 1980. Músicas de Rita Lee, Lulu Santos, Capital Inicial, Ultraje A Rigor, Ira!, Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e Cazuza, entre outros, entraram na lista de regravações. A inspiração para o álbum é, claro, o livro que ele divulgou em 2015, "Guia Politicamente Incorreto dos Anos 80 Pelo Rock", que também trata da produção roqueira nacional na década em questão.
Como dito, Lobão falou não apenas sobre "Antologia Politicamente Incorreta dos Anos 80 Pelo Rock", mas, também, de tudo que cerca o disco – como era fazer rock na década de 1980, quais suas opiniões sobre algumas das principais bandas e por aí vai. O momento atual de sua carreira também foi pautado, pois Lobão está mais produtivo do que nunca e já planeja lançar, em breve, um álbum de inéditas – acompanhado d’Os Eremitas da Montanha, assim como foi na "Antologia".
Durante o bate-papo, Lobão contou que o principal critério para escolha das músicas que compuseram "Antologia Politicamente Incorreta dos Anos 80 Pelo Rock" foi técnico. Não das bandas que seriam homenageadas, mas dele próprio, no que diz respeito às suas limitações. "Eu não sou cantor. Estava com muito medo, por exemplo, de regravar Renato (Russo, Legião Urbana), que tem um tom muito mais alto do que o meu, apesar de eu ter conseguido gravar no mesmo tom. Também fiquei nervoso com as letras, porque teve música que eu gosto muito, mas eu não consegui interpretar e vivenciar as letras. Tentei cantar Titãs e não consegui, como ‘Sonífera Ilha’, ‘Televisão’, ‘Polícia’… não consegui", disse.
Seja pela falta de domínio técnico, confessa de forma modesta pelo próprio, ou por personalidade musical, Lobão optou por dar a própria cara às músicas que regravou. E isso foi feito não só em performance, como, também, em produção. "A gente queria timbrar mais rock mesmo, sabe? Pelo que eu conheço das pessoas da época, reclamavam muito quando você ia gravar e o cara no meio da noite botava uma guitarra com chorus (efeito), sabe? Tirava o peso das músicas. Tentei privilegiar uma linguagem de rock contemporâneo e seco. […] Optamos por instrumentos tradicionais e, mesmo mexendo, tentamos manter o máximo possível da estrutura das músicas", afirmou.
O resultado deixou Lobão bastante satisfeito e, claro, há músicas que se destacaram entre suas versões. "Acho que ‘Pânico em SP’ é uma das minhas favoritas. A gente adora ‘Geração Coca-Cola’ também, ‘O Tempo Não Pára’, ‘Eu Não Matei Joana D’Arc’, ‘Primeiros Erros’, ‘Vítima do Amor’, ‘Lanterna dos Afogados’. [...] São músicas que são verdadeiros hinos, sabe? E eu tenho certeza que se eu tivesse competência e tempo o suficiente, faria mais uns três discos duplos só dessa época", disse.
Apesar do repertório antigo, há elementos no entorno de "Antologia Politicamente Incorreta dos Anos 80 Pelo Rock" que mostram a sua contemporaneidade. Um deles é, basicamente, mercadológico, que é o método usado para seu lançamento: o álbum foi financiado pelos fãs de Lobão, com mais de 800 contribuições por meio de uma campanha de crowdfunding que, somadas, atingiram à meta de R$ 100 mil.
"Foi recorde de arrecadação. O primeiro, ‘O Rigor e a Misericórdia’ (2016), foi por arrecadação e recebeu até prêmio de melhor campanha do ano de 2016. Fizemos esse bater o recorde do primeiro. No meu caso, não tenho gravadora e não uso lei de incentivo do governo. É uma maneira realmente mais honesta e direta, você lida com quem quer comprar o seu produto, então é mais legal. Tem que ser criativo e cooperativo", disse.
Os "fundadores" dos anos 80
As duas primeiras músicas escolhidas para abrir "Antologia Politicamente Incorreta dos Anos 80 Pelo Rock" refletem muito da visão de Lobão a respeito do rock brasileiro da década de 1980. Enquanto muitos falam sobre Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho, entre outros nomes, o músico atribui enorme importância a Rita Lee e Guilherme Arantes, autores de "Ôrra meu!" e "Planeta água", respectivamente. Mesmo anteriores àquela década, Rita e Guilherme sãa descritos por Lobão como "os fundadores" daquele movimento e período.
"Como digo no livro, os anos 1980 começaram em 1976, no festival de Saquarema, quando a Rita Lee conheceu o Roberto Lee, o Roberto de Carvalho. O Vímana lançava seu primeiro disco e levava um esporro do Big Boy, dizendo: ‘vocês têm que gravar música de black and blue, invadir programa de auditório, pra tocar na rádio, deixar de fazer música de 13 minutos’. O Guilherme Arantes estava lançando o primeiro disco", afirmou.
Lobão destacou, ainda, que Guilherme Arantes é "ghost-writer" do primeiro hit da década de 1980: "Perdidos na Selva", da Gang 90 e as Absurdettes. "Não tem isso nos outros livros sobre os anos 80. Os que li, indicam que começa em 1984, 1985. Os anos 1980 são elaborados, gestados nos anos 1970 com Julio Barroso, comigo, Ritchie, Lulu (Santos), Guilherme (Arantes), Marina (Lima), Rita Lee... e todas essas músicas são dos anos 80. ‘Planeta Água’ ganhou o 2° lugar no festival Shell no mesmo ano que tocou ‘Perdidos na Selva’. A Rita Lee inaugura os anos 1980 com o ‘Saúde’, disco que tem ‘Ôrra meu!’ e inaugura sua terceira encarnação. Ela veio com Os Mutantes, virou Tutti-Frutti e, nos anos 80, arromba a festa com ‘Saúde’ vendendo mais do que nunca. São a abertura dos anos 80 e depois logo vem a Blitz", disse.
"Voltando atrás" nas críticas?
Como Lobão sempre gostou de falar – e sem filtros –, muitos comentários feitos ao longo de sua trajetória foram bem críticos a certos movimentos ou bandas. O músico sempre teve ressalvas com todo o movimento do rock brasileiro, especialmente da década de 1980, e não poupava alfinetadas aos Paralamas do Sucesso, com quem ele teve problemas desde o início.
Ao fazer o "Guia" e gravar a "Antologia", com direito a duas músicas dos Paralamas – "Quase um segundo" e "Lanterna dos afogados" –, Lobão "se rendeu" e enxergou valor no movimento e na própria banda. No entanto, antes de explicar o "encanto" daquela fase, o músico apontou os principais problemas. "No rock brasileiro dos anos 1970, como instrumentistas, você tinha músicos infinitamente superiores. Pegava O Som Nosso de Cada Dia, Os Mutantes, O Terço... tocavam pra c*ralho! São bandas de exímios instrumentistas. Quando chegou os anos 80... lá fora, ‘neguinho’ tocava duas notas, mas até o baixista do The Clash, que nunca tinha tocado, estava tocando pra c*ralho dois meses depois. Era simples, mas muito bem timbrado. Aqui, não: era mal tocado e mal timbrado. Era minha principal inadequação aos anos 80, que tiveram, de bom instrumentista, além de Edgard Scandurra (Ira!)… não tenho na minha cabeça outros que arrebentavam. Lulu era da minha geração, o (Luis Sérgio) Carlini, que tocou em ‘Eu Não Matei Joana D’Arc’ (Camisa de Vênus) são músicos de uma envergadura que você não tem nos anos 80", disse.
Lobão, aliás, se vê como "um cara dos anos 70". "Se você pegasse a crítica musical da década de 80, metiam o pau no Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd... era tudo um pecado mortal (risos). Minha fase musical de formação é de 1966 até 1975. Foi quando aprendi os instrumentos. Quando entrei nos anos 80, entrei muito deslocado, porque sabia que tinha de correr atrás, se não, ia ficar velho. Todo mundo sofreu essa pressão do ‘datado’ que ficou dos anos 70. Agora, é uma liberação poder usar e abusar com felicidade do que foi a época de ouro do rock and roll, o classic rock, dos anos 70", afirmou.
Após apontar os problemas, Lobão destacou as virtudes do movimento do rock brasileiro da década de 1980. "Nos anos 1970, houve um desenvolvimento instrumental muito grande. E exceto o Tutti-Frutti, que já vinha dos Mutantes, e o Raul Seixas, cujas letras soavam bem, a maioria era muito esdrúxula, pela própria sonoridade do português com inglês. Nos anos 1980, houve uma entrada do cancioneiro popular brasileiro nessas canções de rock. O idioma se introjetou na melodia da canção. A partir dos anos 1980, você tem obras-primas e foi isso que me chamou muito a atenção. Na época, eu nem ouvia os discos porque me irrita muito a sonoridade. Os meus próprios também... poxa, depressão, né?", disse.
[an error occurred while processing this directive]Por ter uma questão pessoal ligada aos Paralamas do Sucesso, Lobão chegou a pedir desculpas à banda, no próprio "Guia" e em recentes entrevistas, por suas ácidas declarações a respeito deles. Lobão destacou que escolheu músicas que considera "muito acima da média" – critério que se aplica às composições do grupo de Herbert Vianna.
"Não só as mais melódicas, mas as letras mais profundas, retratando um Herbert homem que parou de entrar naquela ‘entrei de gaiato’, mais adolescentes – que eu também fiz. aquelas coisas mais adolescentes, que eu também fiz. [...] Tem coisas que eu não curto muito, mas peguei aquilo que posso garantir que trata-se de duas obras primas escritas pelo Herbert. Acho muito feliz poder ter a liberdade e a honestidade de afirmar isso. E poder cantar... porque você pode imaginar a carga emocional que foi pra mim executar essas músicas, principalmente a ‘Quase um segundo’, que tive que tocar os violões, gravei todos os instrumentos. Aprendi numa madrugada, acordei umas 3 e meia da manhã e falei ‘pô, vou aprender a harmonia, chego no estúdio antes de todo mundo chegar e gravo na hora’. Entrei em contato real com ela, cheguei às 10h no estúdio e gravei em um take. Foi muitoemocionante", disse.
Ainda sobre Paralamas, Lobão acredita que o pedido de desculpas fez com que a banda liberasse as músicas para suas versões. "O vórtex de tudo foi o fato de eles tomarem ciência de que peço desculpas ao Herbert no livro. Acho que, a partir dali, perceberam que eu não estava tomando nenhuma atitude traiçoeira ou beligerante. Era uma atitude honesta e séria. Tanto que me encontrei com o (baterista João) Barone. Fui tocar com o Rodrigo Santos, em Niterói, e o Barone estava tocando bateria. Pela primeira vez, tocamos juntos e tocamos ‘Lanterna dos Afogados’. Mostrei a ele uma pré-mix, ele ficou muito emocionado. Então essas coisas são uma p*ta recompensa. Aconteceu com outros também, como o Nasi, que chorou, o Clemente também chorou, o Kiko Zambianchi amou, o Evandro (Mesquita) amou, o pessoal do Capital adorou, o Paulo Ricardo... esse movimento é amoroso", afirmou.
[an error occurred while processing this directive]O "não" de tom político
A ausência mais polêmica do repertório da "Antologia" foi "Surfista calhorda", dos Replicantes. Não exatamente pela música em si, mas pela história por trás: a banda negou o uso da canção e, pelas redes sociais, o baixista Heron Heinz chegou a dizer que "não queria dar luz para golpista brilhar" – em menção ao posicionamento político de Lobão, especialmente durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Lobão chegou a mudar um trecho da letra de "Surfista calhorda", sob a justificativa de "atualização": ele trocou "vai pra Nova York estudar advocacia" por "fez matrícula na UFRGS para estudar sociologia". "Talvez, nos anos 1980, estudar advocacia em Nova York fosse super ‘yuppie’, meio ridículo, e soasse como piada. Nos dias de hoje, parece não ter sentido, ficou datado. Troquei e eles ficaram muito ofendidos comigo. Um disco que é uma declaração de amor virou uma coisa de ódio. Eu estava simplesmente a fim de tocar a música que eu acho genial, de uma banda que eu sempre adorei", afirmou.
O músico "lamentou muito" o veto dos Replicantes, mas respeitou a decisão. "Acho que essa frase não tiraria nenhum espírito da música. Como é uma banda anárquica, de humor ácido, eu tentei ‘Allan-Kardecquicamente’ compor outra frase, do que eu considero hoje que é o ridículo, o ‘militonto’, aqueles caras que tem mais de 40 anos e ainda estão na universidade. Esse é o ridículo atual, não o ‘yuppie’ da bolsa de valores dos anos 80. Mas tudo certo. Lamentei mais porque sei que o grande público que não conhece a música ficaria surpreendido – foi um hit local, mais gaúcho, e eu gostaria que mais pessoas pudessem também compartilhar da mesma sensação. A letra é muito inteligente, mas tudo bem, estamos numa democracia, eu respeito, fazer o que, né? Continuo admirando os Replicantes", disse.
Por fim, Lobão destacou que o posicionamento político não deveria ser impedimento para unir os nomes do rock brasileiro da década de 1980. "O fato de trazer o ódio dos Replicantes é meio fora de contexto, porque o (Edgard) Scandurra, que é um cara de esquerda, disse que também adorou. P*rra, a gente faz parte de uma família. Já é tão difícil fazer rock no Brasil, ficar dando tiro no próprio pé é inconcebível. Talvez, o rock seja o segmento mais desunido da música brasileira. No sertanejo, mesmo se odiando, eles vão lá e tiram fotos se rosnando. Tem que ter um espírito corporativo pra tornar a coisa profissional e viável. Como fui um cara que contribuiu muito para isso, me senti na obrigação de fazer a minha parte. Se recebêssemos toda a pressão contra que vinha de fora – e recebe até hoje –, mas houvesse coesão entre nós, poderíamos ter mais capacidade de sobreviver a isso tudo", disse.
Presente e futuro
Atualmente, Lobão está na estrada para promover a "Antologia". O músico diz que seu show atual é "eclético", com duas horas e meia de duração. "Fiz uma espinha dorsal baseada no disco. Percebi que tinha que colocar músicas minhas da época e as pessoas também pediam ‘A Vida é Doce’, ‘Vou te Levar’... músicas mais recentes. O show fica quilométrico, mas tem uma espinha dorsal. Estamos tocando em lugares muito improváveis, zonas sertanejas do Brasil, pessoas de todos os feitios e tamanhos, negros, rastafáris, sexagenários, octogenários... todo mundo cantando ‘Pânico em SP’ em Itabira (MG), por exemplo, sabe? Fico surpreso. E não estou falando nem dos grande hinos, falo de ‘Pânico em SP’, ‘Eu Não Matei Joana D’Arc’. Senhores, crianças… é emocionante e revelador saber o que essas músicas fizeram com o imaginário coletivo do brasileiro", afirmou.
Além dos shows, Lobão já planeja, junto d’Os Eremitas da Montanha – banda formada por Christian Dias (guitarra), Augusto Passos (baixo e voz), Armando Cardoso (bateria) e Felipe Faraco (teclados) –, seu próximo disco de estúdio. "Estamos em uma fase muito legal. A banda tem uma característica própria, os músicos são muito excepcionais", disse ele, que revelou estar compondo material inspirado em "coisas de guerra, história, Guerra do Vietnã, Segunda Guerra Mundial, num cenário que fosse um campo de batalha".
Musicalmente, o próximo trabalho de Lobão e os Eremitas da Montanha deve ser "um disco de rock moderno". "Um disco de rock ‘afudê’, sabe? Sem concessões como aquelas que a gente fez na ‘Antologia’. Então, essa é a nossa próxima etapa: um disco de banda, onde a banda toda seja autora. Vai ter música de todo mundo", disse.
Podem parecer planos demais para alguém que completou 60 anos em 2017, mas Lobão tem comprovado que está na flor da idade ao mostrar-se tão produtivo nos dias de hoje. Além de lançar discos regularmente, o músico escreveu outros livros além do "Guia". "Graças a Deus, tenho muita vitalidade. Sou muito afortunado de, por exemplo, poder tocar três horas de bateria – o mesmo repertório que eu tocava aos 13 anos. Sou muito grato ao destino, a Deus, seja o que for, de eu poder ainda estar com bastante energia, ter um bom preparo físico e estar com a cabeça relativamente inteira", afirmou.
A sede por produtividade musical vem de sua própria história: Lobão afirma ter sido "arremessado na função de ‘crooner’" durante a década de 1980 e que só considera sua carreira começando em 1995, com o álbum "Nostalgia da Modernidade", onde apresentou-se como autor. "Foi aí que comecei a tocar guitarra direito, aprender a timbrar os instrumentos, mexer em produção. Eu me sinto um aprendiz [...] estou numa euforia quase que infantil, de quem ganha presente da natal, sabe? […] Também aumentei muito o meu índice de leitura e isso me ajudou muito na minha desenvoltura em fazer letras. Era um letrista ‘bissexto’, compus ‘Me Chama’ e ‘Esfinge de Estilhaços’, nos anos 80, mas era uma música em cada 10. Tudo isso me dá vigor", disse.
Que Lobão continue empolgado, ainda mais em uma época onde seus contemporâneos já não são muito produtivos. Os fãs agradecem.
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