Lethal Fear: 15 anos de dedicação ao metal nacional
Por Junior Frascá
Postado em 18 de novembro de 2013
O Heavy Metal tradicional passou por um período de instabilidade entre meados dos anos 90, e início dos anos 2000, até se estabilizar novamente. Contudo, mesmo nesse período conturbado do estilo, surgiu na cidade da Amparo, interior de São Paulo, uma das boas bandas de metal tradicional de nosso país, o LETHAL FEAR. E os caras acabam de lançar, em formato físico, seu novo álbum (que já estava gravado desde 2008). Aproveitando esse fato, conversamos com o baterista Cassio Paceta, que nos conta um pouco mais sobre o novo lançamento, a história da banda, e os planos para o futuro. Confiram.
Olá Cássio. O LETHAL FEAR já está na estrada desde 1998. Conte-nos um pouco sobre a história da banda nesses mais de 15 anos de existência.
Cassio - Bom, como já faz algum tempo posso esquecer algo ou errar alguma data (risos). A banda foi formada na verdade nos últimos dias de 1997 pelo Lixandrão (ex-baixista), Nando (ex-guitarrista) e João (ex-baterista), mas já no primeiro ensaio em estúdio o Rodrigo e o Thiago (ex-guitarrista) também estavam presentes. Isso foi em Janeiro de 1998 e foi considerada a data oficial pelo time estar completo. O primeiro nome que a banda teve foi SOUL STEAL. No final de 1998, Thiago, Rodrigo e João deixaram a banda; fui convidado a assumir a bateria e me juntei ao Francisco (irmão do Nando e ex-tecladista) e ao Vinícius (guitarra), sendo que o Nando comandou provisoriamente os vocais e passamos a nos chamar DREAM WORKS. Em 1999, o Rodrigo retornou e mudamos o nome definitivamente para LETHAL FEAR. Em 2000, o Francisco deu lugar à Fátima nos teclados e essa formação gravou a primeira demo (2002). A partir daí, a história da banda foi tomando mais forma, até que nos firmamos como um quinteto, sem teclados.
O que me atraiu de cara na banda foi sua qualidade musical e o fato de já possuir músicas próprias. Foi um grande desafio pessoal, pois nunca havia tocado metal e sequer havia "pisado" num pedal duplo (risos). Mas foi muito bom, sinto grande orgulho por fazer parte do Lethal. Nesses anos todos de estrada lançamos duas demos e dois CDS, realizamos abertura para bandas como ANGRA, SHAMAN, DR. SIN, MADE IN BRAZIL e SEPULTURA. Apesar das dificuldades enfrentadas, posso afirmar que já nos divertimos muito.
Durante todo esse tempo, quais foram as principais dificuldades que vocês encontraram na cena metálica nacional? E quais foram os momentos mais gratificantes?
Cassio - As dificuldades ainda são a falta de estrutura e até de profissionalismo (em todos os níveis), bem como a dispersão que acontece nesse meio, até mesmo pela dimensão geográfica do País. Tecnicamente falando, a tal "cena metálica" brasileira existe, afinal há muitas bandas, inclusive de altíssimo nível musical. O que não existe é um mercado que permita uma sobrevivência digna das bandas. O público brasileiro paga alto para assistir a shows de bandas internacionais e também paga para assistir aos covers dessas bandas, mas se recusa a pagar, por menor que seja o valor do ingresso, quando se trata de banda brasileira com som próprio. Já ouvi alguém dizer que o público brasileiro é tão cover quanto as bandas que paga para assistir. Claro, há exceções, mas se analisarmos bem faz sentido.
Os momentos gratificantes são sempre aqueles em que você recebe um bom feedback pelo trabalho que realiza. Modéstia à parte, tudo o que colocamos em exposição teve excelente receptividade por parte da mídia e público e é isso que nos mantém na ativa: a certeza de que criamos um som bem honesto. Acredito que criar algo e o submeter à crítica é um ato de coragem, pois sempre existe a possibilidade de reprovação. Assim, quando alguém do ramo elogia nosso trabalho, sem que para isso tenha recebido jabá, definitivamente nos sentimos orgulhosos.
Em 2006, de forma independente, vocês lançaram o disco "Unleashed". Como foi a repercussão deste álbum?Você acredita que conseguiram atingir os resultados que esperavam?
Cassio - Por ele ter sido feito de forma 100% independente e ter sido nossa primeira experiência nesse sentido acho que faltou algo. As resenhas foram todas ótimas! Inclusive concorremos ao prêmio Dynamite de lançamento independente. Mas não tínhamos nenhum suporte de distribuição e publicidade. Além disso, o "timing" foi horrível, pois muitas revistas estavam fechando as portas e a mídia física estava começando a entrar no caixão. Ninguém queria arriscar. Tudo era muito incerto, as redes sociais ainda engatinhavam e tinham modelos horríveis para promover algo. O Youtube, por exemplo, estava no berço. Pela receptividade por parte de quem conseguimos atingir o resultado foi excelente. Mas é inegável que queríamos mais.
Já o novo disco, "Y2black?" já estava pronto desde 2008. Porque apenas agora, em 2013, o disco teve sua versão física lançada?
Cassio - Novamente, foi uma série de fatores que atrasaram o lançamento. O principal foram as trocas de integrantes que acabaram causando mudanças na arte (que estava praticamente finalizada). Fora isso, perdemos o nosso apoio financeiro e acabamos arcando sozinhos com diversas despesas. Antigos integrantes saíram e as contas estavam no balcão. Não achávamos justo cobrar dos novos por compromissos que eles não haviam assumido. Também levamos um cano vergonhoso (pagamos por um serviço e não recebemos nem o trabalho e nem o reembolso) de um famosíssimo ilustrador brasileiro e por aí vai. Praticamente enfrentamos todos os tipos de contratempos que você possa imaginar.
Alias, a formação que gravou o disco já teve algumas reformulações, certo? Conte-nos a respeito.
Cassio - Assim como ocorreu com o "Unleashed", perdemos o baixista tão logo as gravações acabaram. O Leo tinha acabado de se formar e mudou de cidade e emprego. Não estava mais a fim de investir numa banda de metal, ainda mais vendo tudo que estava acontecendo com a cena: a cada dia mais e mais bandas cover surgindo e a galera pouco se importando com as bandas autorais. Pulou fora mesmo. O Nando estava abrindo uma escola de música e isso também estava consumindo muito do seu tempo e dos seus recursos. Como a banda dependia de tempo e investimento ele também acabou optando por sair. Por três anos contamos com o Paulo Castro (EXECUTER) no baixo e o Nelson Valadas (ex-ACRON) assumiu de forma definitiva as guitarras ao lado do Vinicius. Quando o Executer voltou à ativa, tivemos que liberar o Paulo, pois as agendas das bandas impossibilitaram a continuidade da parceria. Foi então que o Gustavo assumiu o baixo. Apesar de tantas mudanças, sempre tivemos a sorte de contar com pessoas que se adaptaram rapidamente e contribuíram para a continuidade da banda. Hoje, felizmente posso afirmar que essa talvez seja a formação mais entrosada que temos desde um longo tempo. A química é muito boa e o reflexo disso é que já temos muitas músicas pipocando nos ensaios.
E como foi o processo de gravação do material? Vocês ficaram satisfeitos no geral com a sonoridade do disco?
Cassio - Sim, até mesmo porque tivemos total liberdade para fazer o que queríamos em termos de sonoridade. Tivemos tempo, recursos e equipamentos. Nada foi corrido ou cronometrado. E desde o "Unleashed" a banda sempre primou por ter um som mais orgânico e menos processado. Sei que isso vai contra a maioria das produções atuais, mas faz parte do rock ser rebelde contra as tendências, certo? (rs)
O novo trabalho mostra uma grande maturidade musical, em especial na competência que vocês tiveram em aliar peso e melodia de forma bem orgânica nas composições. Isso foi algo que vocês buscaram desde o início do processo de composição, ou foi algo que surgiu naturalmente?
Cassio - É gratificante ouvir isso. E aconteceu naturalmente. As composições surgem todas em "jams" durante os ensaios. Ninguém escreve coisas em casa e leva pronto. Então todos acabam participando. E como cada um tem escolas e influências diferentes isso acaba refletindo nas músicas. O único cuidado que tomamos é tentar manter ao menos um fio condutor entre as canções para que também não soe como uma coletânea de revista! (rs)
Embora, no geral, o disco seja mais direto e calcado no metal tradicional, há alguns momentos mais progressivos, e ainda algumas influências de hard rock em algumas faixas. Quais são as principais influências da banda?
Cassio - Essa é uma pergunta difícil, pois realmente a banda ouve de tudo. Mesmo! O Vinicius é formado em composição pela Unicamp, o Nelsinho tem forte influência de jazz/fusion, o Rodrigo vem da escola do metal tradicional, mas curte muito pop, eu adoro Beatles e rock/metal clássico, o Gustavo idem. Enfim, é muita coisa pra tentar enumerar. Acho que se for citar influências mais diretas, talvez sejam o IRON MAIDEN, QUEENSRYCHE, HELLOWEEN, BLACK SABBATH, NEVERMORE, SAVATAGE, SOUNDGARDEN, LED ZEPPELIN e por aí vai. Cara, é muita coisa! (rs)
[an error occurred while processing this directive]Outro ponto que chama a atenção no novo álbum é o aspecto gráfico, criado pelo vocalista Rodrigo Bortolleto. De onde veio a ideia das artes utilizadas no álbum? Há alguma relação das mesmas com a temática lírica abordada?
Cassio - Na verdade a concepção gráfica foi uma parceria do Rodrigo com o Mario Cau, que além de amigo da banda é um grande ilustrador (e ele não dá cano, pode ter certeza! rs). O disco em si não é conceitual. As músicas não possuem relação entre elas, mas o encarte foi pensado de forma conceitual. É por essa razão que não existem as letras completas no encarte. O Rodrigo teve a ideia de encontrar trechos que tornassem possível amarrar as ilustrações do encarte e desta forma tentar contar uma história. E há a fusão dos estilos ocidental e oriental na temática justamente por conta do personagem central (um samurai que carrega a maldição da imortalidade) e a banda, que vive uma espécie de liga de anti-heróis que está investigando esse personagem.
E quais são os planos da banda para o futuro? Há previsão de um tour de divulgação do disco?
Cassio - No momento estamos focados na produção de um vídeo-clipe e da reformulação dos nossos canais na internet, uma vez que o MySpace teve seu lay-out totalmente alterado. Queríamos muito fazer uma tour, mas convenhamos, isso não existe aqui no Brasil para bandas independentes. Shows esporádicos não são uma tour. Pensamos em realizar uma ida à Europa em 2014, mas como isso demanda planejamento e grana do nosso próprio bolso, ainda não temos certeza se acontecerá quando pretendemos. Temos um contrato com a MS Metal Press e esperamos que o trabalho de divulgação do CD que a empresa iniciou no Brasil e no exterior apresente algum resultado. Como tenho dito ultimamente, após 15 anos de estrada pagando para sobreviver, hoje o prazer maior da banda é reunir os integrantes, que são grandes amigos, para beber, ensaiar, compor e tocar de vez em quando. Tem que haver diversão, porque profissionalmente é praticamente impossível por aqui. Já tentamos muita coisa nesses anos, investimos muito e o retorno foi praticamente zero. Pode parecer egoísmo, mas já não nos preocupamos mais com mercado, cena ou o que seja. Preocupamo-nos em fazer o que gostamos e seguiremos compondo nosso próprio som.
[an error occurred while processing this directive]Obrigado Cassio. Por favor, deixe um recado final para nossos leitores.
Cassio - Primeiramente, gostaria de agradecer pela entrevista. A disponibilização de espaços como este é uma forma importantíssima de apoio às bandas independentes. Eu adoro os clássicos, mas um dia eles já foram independentes e se eles existem é porque, além de serem muito bons, em dado momento tiveram a oportunidade de mostrar seu trabalho. E esta oportunidade lhes foi dada por alguém que aceitou o novo, o desconhecido. Não se trata de reinventar a roda, apenas de permitir a abertura para outros nomes. Então, meu recado é este: dê uma chance ao novo, mesmo que ele já tenha 15 anos de estrada (rs). Há muita banda autoral de qualidade no Brasil que vale a pena conhecer.
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