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Rei Lagarto: a maioria das bandas precisa é descer do salto

Por Ben Ami Scopinho
Postado em 13 de novembro de 2011

É com o disco "Clockmaker's Dream" que o Rei Lagarto encerra duas décadas de atividades em prol do Hard Rock setentista. O Whiplash! conversou com Fabiano Negri, o solícito vocalista que falou com muita franqueza sobre os motivos que levou ao término da banda, os novos projetos e o que pensa da atual fase pela qual a cena Rock´n´Roll brasileira está passando.

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Whiplash!: Olá Fabiano! Antes de mais nada, sinto pela decisão em o Rei Lagarto encerrar as atividades, principalmente após o lançamento do ótimo "Oceans" em 2010. Bom, considerando que este disco conseguiu distribuição nacional, qual foi a real aceitação deste trabalho?

Fabiano Negri: Olá Ben! Até hoje não vi um centavo do dinheiro dos CDs que esse tal selo, cujo nome eu prefiro não citar, pegou para distribuir. Na verdade o "Oceans" foi bem aceito dentro do atual mercado. Hoje em dia toda a resposta que se obtém de um trabalho vem através da internet, e essa foi muito positiva. Quanto ao CD físico, trata-se de uma mídia morta para bandas independentes. Se nem os mega artistas vendem mais o que vendiam antes, imagine uma banda como o Rei Lagarto...

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Whiplash!: Foi dito que "Clockmaker's Dream" é o último álbum do Rei Lagarto, e considero faixas como "She´s Star" e "Still Raining" entre as melhores de sua carreira. Vocês tinham em mente algo diferente que quisessem por em prática durante o processo de composição? Como você definiria este trabalho, afinal?

Fabiano: O álbum foi feito à ‘toque de caixa’. Todos nós tínhamos algumas músicas engatilhadas, e decidimos juntar em um CD de despedida. Para se ter uma ideia de como foi a produção, cada um gravou seus instrumentos em casa. Eu, por exemplo, gravei todos os vocais na sala da minha casa entre uma aula e outra, praticamente tudo em um único take, e não deve ter sido diferente com os outros membros da banda. O resultado, por incrível que pareça, ficou ótimo para esse padrão ‘custo zero’ de produção. Todos ficamos muito contentes, e acho que todas as influências do Rei Lagarto, como banda, estão expostas nesse álbum.

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Whiplash!: Vocês ‘musicaram’ alguns poemas da escritora britânica Ekla Reuel. Como rolou tudo isso? O que ela achou do resultado?

Fabiano: A Ekla é uma amiga do Yon, e eles têm trabalhado em algumas coisas há algum tempo. É sempre bom trabalhar com uma letrista nativa da língua em que cantamos. Sua abordagem é muito mais rica e com metáforas muito mais inspiradas do que as nossas. Foi realmente um prazer trabalhar com uma pessoa tão talentosa quanto ela. Ela adorou o resultado e ficou muito orgulhosa e honrada por ter participado do projeto.

Whiplash!: Sei que há outros fatores envolvidos, mas saber que a falta de espaço para tocar também afetou na decisão em o Rei Lagarto se aposentar é algo para reflexão. Como vocês, enquanto artistas, absorvem esta dura realidade, afinal?

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Fabiano: Vou representar o momento em uma história que aconteceu aqui na minha escola. Um aluno convidou uma amiga para ir a um show do Rei Lagarto. Ela disse que não conhecia a banda e queria saber do que se tratava. Ele retrucou "é banda de som autoral" e teve como resposta "ah, não, som autoral é uma bosta, não sei como você consegue assistir". Por aí você vê como está a situação. Isso é cíclico. Uma hora vai mudar.

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Fabiano: O Rei Lagarto perdeu seu grande momento em 2003. Nessa época fazíamos uma média de 100 shows por ano em casas sempre lotadas. Muita gente estava interessada na banda e tínhamos um disco pronto. Infelizmente o ego e a falta de cabeça fizeram a banda dispersar. Primeiro eu saí e depois a coisa descambou de vez. Quando voltamos em 2007 já nos deparamos com uma realidade totalmente diferente. A cena noturna estava dominada por bandas tributo ou covers, e pouca gente ainda insistia em traçar seu próprio caminho. Passados quatro anos, percebemos que não conseguiríamos subir mais um degrau, e que, ao invés disso, estávamos nos tornando uma banda apenas de ensaio e gravação. Nesse momento, outros interesses começaram a aparecer pra cada um de nós e decidimos colocar um ponto final na história.

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Whiplash!: Pois bem, Fabiano, você já está envolvido em mais música. Que tal falar um pouco sobre o Whigger Soul Band? Esta é uma banda real ou apenas um projeto?

Fabiano: É uma banda real, com a qual estou muito empolgado. É uma banda basicamente de soul e rock em que estou tentando trabalhar um som bem raiz, sem complicações, com total valorização da melodia. É uma música mais abrangente, com menos ego. Vamos trabalhar uma música de cada vez, inclusive vocês ouvirão alguma coisa até o fim do ano. Estamos preparando um show bem legal também, com nosso trabalho e versões para grandes clássicos do soul, funk e blues, com a nossa identidade. Dessa forma estamos abrindo novas portas e um novo circuito de bares e casas de shows, que está bastante aquecido. O Yon está comigo novamente, e o time é completado por Eliezer Oliveira e Ricardo Palma nas guitarras, e César Pinheiro na bateria. César e Eliezer estão comigo também no Dusty Old Fingers.

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Whiplash!: E a situação do Dusty Old Fingers, projeto capitaneado por você e o Tony Monteiro? O disco já tem até nome e conceito, certo? O que poderia adiantar sobre essa ópera rock?

Fabiano: Está a todo vapor. O álbum "The Man Who Died Everyday" já está composto e estamos ensaiando para gravação, que deve acontecer em março de 2012. O álbum é conceitual e conta a história de Brian Jones, guitarrista e fundador do Rolling Stones. Eu compus toda a parte musical e Tony, que é uma verdadeira enciclopédia sobre o tema, além de ser um dos melhores críticos musicais no Brasil (nota do editor: veterano da revista Roadie Crew), escreveu todas as letras. A sonoridade da banda é basicamente classic rock, com todas as influências que esse rótulo pode agregar, e eu particularmente estou muito orgulhoso do resultado. Nesse projeto, além de cantar eu toco guitarra junto com o Tony, e temos conosco Joni Leite, baixista muito famoso na região por ter sido membro do Bando, e os já citados César Pinheiro e Eliezer que, aqui, além da guitarra toca órgão também.

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Whiplash!: "... O Rock de antigamente era muito melhor do que o de hoje...". Essa é uma frase que está no blog e que sintetiza o Dusty Old Fingers. Vocês acreditam mesmo nisso?

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Fabiano: É óbvio que existem coisas boas atualmente, mas pelo menos para o meu gosto, todas as bandas e artistas atuais que me agradam, remetem ao que já foi feito. Sempre ouço ecos do passado nas coisas novas. Basta saber separar quem requenta a marmita de quem realmente traz alguma coisa de qualidade. Mas com certeza pode aparecer alguma coisa que me surpreenda. Estou aberto a qualquer tipo de música, desde que seja boa... Para os meus ouvidos (risos).

Whiplash!: Sem querer ser polêmico, mas, considerando tudo o que conversamos, quais suas perspectivas para a cena Rock´n´Roll deste Brasil?

Fabiano: Vou falar por mim. Não trabalho com perspectivas. Componho e gravo com meus amigos porque isso é uma necessidade. Não sou músico por opção. Quanto à cena no geral, vai continuar da mesma forma. Bandas batalhando, uma disputa acirrada num mercado virtual que está cada vez maior. Existe dificuldade, mas, se você, músico de verdade, realmente ama o que faz, não há problema em tomar uma, duas ou três portas na cara. O prazer em exercer seu talento continuará intacto. Agora, se você está a fim de aparecer e fazer seu ego inflar, acho que o tempo do Rock’n´Roll, para isso, já passou.

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Whiplash!: Vez ou outra levanto a questão do discurso inflamado que o Tiago Bianchi (Shaman) fez sobre a falta de união da cena Heavy Metal e a oficialização do ‘Dia do Heavy Metal Brasileiro’. Até onde você acha que medidas deste tipo poderiam ser eficazes contra a apatia do nosso público?

Fabiano: Pois é... Não me envolvo com esse tipo de manifestação e não sou partidário da opinião do Thiago Bianchi. A grande mídia nunca vai dar atenção para o Heavy Metal nacional. Existem problemas insolúveis na cultura brasileira, e esse é um deles. A música proposta nas manifestações não é uma música de massa. É e sempre será underground. E como aconteceu no discurso do Thiago, pode-se gerar certa ridicularização do artista. Temos que tomar muito cuidado com o que escrevemos na internet. De repente a ‘espada’ pode sair pela culatra. Eu acho que, apesar de todos os problemas, nós ainda temos uma cena muito forte. Basta uma adequação aos novos tempos.

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Whiplash!: Certo, mas quais poderiam ser essas adequações?

Fabiano: Com menos lugares para tocar, aproveitar mais as oportunidades fazendo dos poucos shows uma forma de apresentar a banda e vender muito material: camisetas, CDs, adesivos e o escambau. Encarar o fato de que a música independente é muito mais consumida virtualmente do que fisicamente, achar formas de diferenciar seu trabalho dos outros.

Fabiano: Na verdade, o que a maioria das bandas precisa é ‘descer do salto’. O atual momento nivela tudo de maneira igual e não adianta sair esperneando. Não é assim que se consegue espaço. É com trabalho, trabalho e trabalho. A política de supervalorização através do marketing, hoje em dia, na maioria das vezes ridiculariza uma banda pequena ou média...

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Fabiano: Apesar de acharem que grande parte do público é meio acéfalo, a parcela que consome música independente - os garimpadores - estão muito mais cultos com relação à música. Grande massa? Esqueça! As bandas têm que deixar o ego de lado e dar mais valor aos poucos que compram e ouvem bandas que não estão na vitrine. Esse público pode propagar o seu nome!

Whiplash!: Ok, Fabiano, fica aqui os meus votos de boa sorte a você, ao Yon, Henrique Matos e Ivan Melo. O espaço é dseu para os comentários finais...

Fabiano: Como você pode ver, continuo trabalhando com o Yon no Whigger Soul Band, o que é um prazer, e o Dusty Old Fingers vai muito bem. O Ivan está estudando música na Inglaterra e vai ficar por lá pelo menos pelos próximos quatro anos. O Ric é um dos bateristas mais requisitados da região. Embora o Rei Lagarto tenha encerrado as atividades, estamos todos envolvidos com música e muita coisa boa vem por aí. Temos muito orgulho do que fizemos, e é sempre muito bacana ler e ouvir comentários positivos sobre os nossos álbuns e apresentações ao vivo. Gostaria de agradecer a todos os fãs do Rei Lagarto, a banda que me lançou para a música e me deu a oportunidade de fazer e viver apenas do que gosto. Isso já é o suficiente.

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Sobre Ben Ami Scopinho

Ben Ami é paulistano, porém reside em Florianópolis (SC) desde o início dos anos 1990, onde passou a trabalhar como técnico gráfico e ilustrador. Desde a década anterior, adolescente ainda, já vinha acompanhando o desenvolvimento do Heavy Metal e Hard Rock, e sua paixão pelos discos permitiu que passasse a colaborar com o Whiplash! a partir de 2004 com resenhas, entrevistas e na coluna "Hard Rock - Aqueles que ficaram para trás".
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