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Carlos Lopes: crise fonográfica sob os olhos do artista

Por Sergio Filho
Fonte: Ponto Lit
Postado em 19 de outubro de 2009

Texto originalmente publicado no blog Ponto Lit

Saiu dia 28/09 no G1 uma matéria interessantíssima levantando novamente a questão do download de músicas. Opiniões diversas de artistas que criticam as novas tentativas de se proibir ou restringir legalmente a transferência livre de arquivos (em específico, músicas), outros que estão dando um passo atrás em suas opiniões e outros propondo novas visões sobre o assunto.

Nesta confusão estão envolvidos 3 lados: o artista, as gravadoras e os consumidores de música. Até agora, a conclusão é que todos estão perdendo com a crise. As gravadoras que já exploraram os artistas estão padecendo sob seus próprios males enquanto as vendas de disco continuam a cair. O artista sofre a falta de apoio financeiro e incentivo para continuar produzindo suas obras e sustentando-se da música. O consumidor não entende o porquê dos discos e dvd’s continuarem custando uma fortuna. Em meio a todo esse processo cíclico, resolvi convidar artistas e todo tipo de pessoa envolvida no assunto para contribuir com seu depoimento nesta coluna. Sempre que possível trarei junto às novidades do assunto, entrevistas com gente pertinente à toda essa busca por uma solução que atenda a todos os lados, incluindo o mercado fonográfico.

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De todas as opiniões expressas na matéria publicada no G1, a que mais me interessou foi a de Silvio Meira, cientista chefe do Cesar (Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife):

"As decisões são importantes porque representam uma espécie de "começo do fim" do embate entre o modelo de negócios de mídia que já passou (o das gravadoras) e o que está por vir, o de entretenimento como serviço. É curioso, em plena era da internet, que as pessoas ainda tenham que "baixar" arquivos. Isso porque esse é outro modelo falido. Imagine comunicação verdadeiramente banda larga (pense dezenas de megabit/segundo no seu celular, centenas de megabit/segundo no fixo)… Por que você iria querer "ter", possuir, arquivos? Para quê?".

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Será que ele tem razão?

Carlos Lopes, guitarrista e vocalista da banda de rock Mustang (4 CDs lançados, o último "Santa Fé" encartado na revista O Martelo), editor da revista eletrônica O Martelo e escritor (o último livro independente sobre teorias conspiratórias se chama "O Segredo J)" conta ao Pontolit um pouco de sua visão e sua experiência sobre o assunto que tratamos.

Carlos, você foi vocalista e guitarrista da lendária banda Dorsal Atlântica nos anos 80. O que você vê de tão diferente entre a cena underground da época e a dos dias de hoje?

Sempre fui um apaixonado. Foi esse mote que me conduziu através de toda a vida, mas vivíamos em outras circunstâncias. Entre o final dos anos 70 e início dos 80, havia um ambiente propício para a construção do novo, tanto nos alto-escalões como no subsolo, era no que acreditávamos. E falo "nós", sem medo de errar, pelo menos esse era o ambiente que existia. No final dos anos 70, ainda mais depois da lei de anistia, havia uma necessidade de posicionamento, de que cada um de nós escolhesse de que forma iria construir um Brasil novo, pós-ditadura, com ou sem censura. Mas é claro, quem nunca quis nada, nada fez, a não ser por si. Escolhi desenvolver, participar ativamente da construção do underground, algo que me fascinava à época. Sem internet e ONGs, era literalmente um esforço muito grande, mas era real, conflitante, suado, bem diferente de hoje, virtual. Hoje, antes que a experiência ocorra você já a conhece da internet. A surpresa se dilui.

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Minha análise é humanista. Se o que motiva as pessoas são os mesmos elementos e instintos de séculos passados, tais como ego, orgulho, egoísmo, como posso acreditar em "mudança"? O underground não evoluiu em 2 décadas, é um organismo anacrônico, que se repete em gestos e formatos pré-concebidos. O "grupo", seja ele fora ou dentro do underground é um órgão totalitário, inibidor, repressor. Vejam, o cão é a cara do dono, e a cara de um pitbull, na maioria dos casos, é a de um espelho trincado.

Como você enxerga o comportamento do consumidor de LPs dos anos 80 e do consumidor (se é que consome) do mp3?

Como respondi na questão anterior, meu viés é humanista e minha resposta também. Antes, havia a necessidade de "ter", se comprava algo, com dinheiro mais suado do que o de hoje. Tudo era mais difícil. O xerox e a fita cassete, os reprodutores da época, também eram combatidos e acusados de destruir a literatura e a música, isso não é primazia do mp3. Como era bastante dispendioso copiar um livro antes da invenção do scanner e do computador, havia uma necessidade de "possuí-lo". O status que qualificava alguém era o de "ter", "possuir", algo material. Hoje, o saber e o conhecimento podem ser "sociabilizados", facilmente se baixam filmes, livros e músicas. E o que é virtual pode ser "apagado", em contraposição ao físico que só pode ser destruído e ocupa, é claro, espaço físico. O maior ganho da internet é difundir o saber, um ganho absoluto, incrível, mas esse fator revolucionário, o de SABER SEM TER não incentiva a maior parte das pessoas a crescer, a ler, a estudar. A maioria prefere baixar pornografia, e ler sobre artistas da TV. Se a máquina revolucionária, que trouxe o socialismo para dentro de casa não conseguiu mudar o íntimo do gênero humano, quem conseguirá?

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Hoje, com o Mustang, como você lida com a questão da venda dos CDs? Você obtem retorno financeiro significativo?

Se vende o que for de qualidade, se você levar o produto diretamente ao consumidor, se tiver um status adquirido e se for vendido por um preço convidativo. Vendo revistas, CDs e livros pelo correio toda semana, mas as maiores vendas ocorrem com o contato direto, com o cliente te olhando. A velha discussão de se distribuir livremente a criação artística na internet já é um debate antigo, hoje os campos de batalha estão muito bem definidos, há os que compram e os que nunca comprarão. Na verdade eu não vendo só música ou livros, eu vendo um pouco da minha história, é o valor intrínseco e só eu tenho o direito de vender parte da minha história. O mercado contrabalança e dá o preço. A gente negocia e chega a um consenso.

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Qual o formato que você acredita que vai revolucionar o mercado (se existir)?

O mercado já foi revolucionado com a criação da internet. O resto é continuísmo.

Qual o futuro das gravadoras?

Qual é o futuro da música?, qual o futuro da humanidade?

Como você lida com a Internet? Ela tem sido uma ferramenta substancial para a divulgação do seu trabalho?

Não há mais vida hoje fora da internet, a não ser que você queira viver em uma caverna, ainda mais lidando com a divulgação do seu próprio trabalho, mas como escrevi antes, cada cabeça é uma sentença. Quem mata não é a arma, é quem dispara. O público pode matar por ignorância, isso dito, retirando a aura "dura" da palavra ignorância, que na verdade só significa "desconhecimento" e isso pode ser causado por vários fatores, "desinteresse" ou "desconhecimento" por exemplo, talvez sejam os maiores deles. A internet pode te matar, assim como a falta de talento ou de ar. A escolha é de cada um. Não sou a mesma pessoa de antes, adquiri muita bagagem, que não pode e nem deve ser diluída para ser compreensível para a maioria, mas que deve ter o seu peso excessivo, reduzido. O seu público é o SEU público, mas muitas vezes ele precisa ser criado, desenvolvido com educação, assim como ocorre com o público da música erudita. Há o público cativo e o "circulante", deve-se lidar com os dois para se fazer notar. Música pode ser arte, mas também pode e é produto. O seu caráter molda a venda, mas humanos são humanos. Não há nada de novo sob o sol de Parador.

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E os blogs? Você tem algum? Costuma frequentar outros? Você credita importância aos blogs na formação de opinião?

Escrevi sobre música na imprensa independente durante vários anos em revistas, entrevistei muitos artistas, cobri shows, mas hoje acho a imprensa musical, anacrônica, se só for usada para vender produtos e mentiras e não para fazer pensar. Música é sim política, inclusive política da ignorância.

O mercado de música não está em crise sozinho, a imprensa também está. Será que o excesso de bobagens no ar mostram que as pessoas não tem jeito ou será que estão todos tão preguiçosos, que não dão mais a mínima? Eu me importo sempre. Leio todos os dias, assisto filmes quase todos os dias, estudo sem parar, pois estudar me supre como o ar que respiro.

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Há 3 anos edito a revista eletrônica sobre cultura, arte e música O Martelo que é postada trimestralmente. Minhas atualizações são mais constantes estão no blog no qual escrevo, ainda mais, sobre comportamento. Formação de opinião é uma frase perigosa, idêntica ao "diga-me com quem andas e te direi quem és". Cuidado com o bezerro de ouro e os vendilhões do templo.

Deixe um recado para os seus fãs e para as novas bandas que entrando na "peneira".

O ar está radioativo, cuidado. Você está saindo de casa com a sua máscara?

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