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King Crimson: Álbum consolidou o Rock Progressivo

Resenha - In The Court Of The Crimson King - King Crimson

Por Roberto Lopes
Postado em 26 de março de 2014

Em 10 de outubro de 1969, foi lançado, com considerável expectativa pelo público e crítica inglesa, o primeiro disco da banda King Crimson, In the Court of the Crimson King. Apresentada pela imprensa musical como um nome promissor na cena roqueira da Inglaterra, e com um público curioso sobre a proposta sonora diferenciada que o grupo apresentava em seus shows, o resultado final apresentado pelo LP mostraria aprovação de ambos, atingindo na primeira semana de lançamento o número 5 da parada de vendas na Inglaterra e o top 30 norte-americano.

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In the Court não foi apenas um dos principais discos de 1969, mas, principalmente, foi o trabalho que consolidaria o estilo que viria a ser conhecido como "rock progressivo". Coube a esse jovem e inquieto quinteto unificar e cristalizar propostas que grupos como, por exemplo, Beatles, Moody Blues, Procol Harum, Nice, The Who, Pink Floyd e Traffic faziam desde 1967. A partir dele, o rock ganhou uma vertente em que misturas sonoras e complexidade instrumental não eram apenas bem vindas, mas seriam suas principais características.

Apesar de atualmente possuir uma longa e respeitada carreira, tendo admiradores em praticamente todas as vertentes do rock, e de seu papel precursor para o progressivo se manter quase intacto, os primórdios do grupo foram marcados principalmente por instabilidade e dúvidas sobre seu potencial artístico. Como será visto, esses fatores foram o principal combustível para a construção da imagem do King Crimson e da postura do grupo, tanto ao vivo como em estúdio.

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As origens do grupo datam do dia sete de junho de 1968, na cidade de Bournemouth, Inglaterra. Nesse dia, o trio Giles-Giles & Fripp, composto então pelo virtuoso baterista Michael Giles , o jovem guitarrista Robert Fripp (em atividade desde 1965) e o baixista Peter Giles (que logo sairia da banda, seguindo pela computação), receberiam a inclusão de Ian McDonald em sua formação. Multi-instrumentista recém-saído do exército, com influências do jazz, blues, rock e música clássica, McDonald seria uma das peças chave para expansão da proposta musical do grupo, na época focado em canções curtas, baseadas na sonoridade pop e psicodélica vigente, visualizadas no único, e malfadado, disco de estúdio "The Cheerful Insanity of Giles, Giles and Fripp", lançado em 13 de setembro. Na segunda metade de 1968, ensaios extensivos produziriam os primeiros resultados de uma sonoridade mais complexa e diferenciada, obscurecida pela tentativa da banda em promover seu disco de estreia em (parcas) apresentações de TV e (raros) shows.

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Em dezembro, por um lado, o Giles-Giles & Fripp "morria" melancolicamente, com seu disco de estreia vendendo menos de mil cópias. Por outro , nascia o King Crimson, consolidado com a entrada do baixista e vocalista Greg Lake, e do letrista e iluminador (amigo de McDonald) Pete Sinfield, com o grupo realizando seus primeiros ensaios efetivos em janeiro de 1969, em Londres. Nessa época, a banda foi contratada pelos empresários David Enthoven e John Gaydon, sendo um dos primeiros grupos a fazer parte da recém-fundada gravadora EG records.

Em abril, iniciava-se a primeira turnê da banda, solidificando a formação McDonald-Lake-Fripp-Giles (com o suporte técnico de Sinfield) ao vivo. Foram setenta e sete shows feitos entre nove de abril e dezesseis de dezembro, de inicio modesto e, normal para as bandas iniciantes, baseado no boca a boca e na habilidade dos empresários para atrair público. Contudo, em apenas algumas semanas, seus shows já atraíam a atenção da cena local londrina e de parte da crítica especializada inglesa.

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Diferente de outros grupos relativamente novos que também possuíam propostas diferenciadas como, por exemplo, Yes, Jethro Tull e Van Der Graaf Generator, o Crimson apresentava uma sonoridade ainda mais ousada, agressiva e ambiciosa, causando reações diversas do público e critica.

Liderados pela cozinha eficiente de Giles e Fripp (esse último decidindo por tocar sentado após os primeiros shows da banda), pelo vocal potente de Lake, mas, principalmente, pela versatilidade e virtuosismo de McDonald, o grupo transitava entre composições próprias (inicialmente em canções como I Talk to the Wind, Epitaph e Travel Weary Capricorn), improvisações onde eram percebidos fortes elementos do jazz e música clássica (com citações a compositores como Felix Arndt, Matteo Carcassi e Eric Coates), além da execução de canções de compositores pop como Donovan, e peças eruditas como, por exemplo, "Marte, o Mensageiro da Guerra", parte da suíte "Os planetas" composta pelo compositor Gustav Holst (1874-1934) (abaixo, um trecho de um show do Crimson em 1969).

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Contudo, é difícil mensurar qual foi o impacto da proposta da banda para o público que presenciou esses shows. Dessa época, poucos foram os registros sobreviventes dessas apresentações, alguns recuperados na caixa com quatro CDs Epitaph (1997) e em títulos esparsos do King Crimson Collectors' Club, além da não existência de imagens em filme da banda ao vivo, resumidas a fotos (mesmo que possíveis registros amadores em 8 mm sendo especulados, porém provavelmente inexistentes).

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Mas algumas informações puderam ser obtidas nos livros de Eric Tamm (Robert Fripp: from King Crimson to guitar craft, 1991, disponível em: http://www.progressiveears.com/frippbook) e Sid Smith (In the Court of King Crimson, Helter Skelter Publishing, 2001), e em reportagens da crítica da época, algumas delas recuperadas pelo próprio Robert Fripp. Neles, além das gravações disponíveis, percebe-se um público atencioso e aparentemente receptivo a proposta da banda, muitas vezes silencioso, ecoando algumas críticas que, na época, afirmavam que os shows do Crimson se assemelhavam mais a concertos de música clássica do que a uma apresentação de rock (na verdade a banda tocava tanto em casas de rock como em festivais de jazz e blues).

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Deve-se frisar também que essa proposta do Crimson não foi algo tão ousado e incomum do que era feito na cena psicodélica inglesa da época. Porém, a banda deu o passo a mais que seria suficiente para garantir seu prestígio. Cita-se que apenas o Soft Machine (que consolidaria o que viria a ser conhecido como "rock progressivo de vanguarda") apresentava, nessa época, complexidade parecida ao oferecido pelo Crimson.

A prova de fogo, e o consequente apogeu da banda, ocorreu no festival gratuito promovido pelos Rolling Stones no Hyde Park, em cinco de julho de 1969, em homenagem ao guitarrista da banda Brian Jones, morto dias antes. Para um público com cerca de 500 mil pessoas, a banda fez a apresentação mais bem recebida do dia, chegando a receber (discretos) elogios do vocalista dos Stones, Mick Jagger. (no vídeo abaixo as, até o momento, únicas imagens em filme existentes da banda em 1969, tiradas desse festival).

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Após algumas malfadadas tentativas entre junho e julho, o grupo começava a gravação e produção de seu primeiro disco em 21 de julho, na Wessex Sound Studio, em Londres, encerrando-o na noite do dia 20 de agosto. Detalhes sobre o andamento dessas gravações mostram-se escassas e contraditórias, contudo, as fontes existentes afirmam que o grupo mostraria aprovação com o resultado final do trabalho.

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Contudo, percebeu-se, pouco antes do lançamento do disco, que as fitas de gravação do material foram mal ajustadas, criando perda de frequência e distorções, e tentativas de correções foram feitas, sendo que uma fita de segunda geração "corrigida" foi disponibilizada, tentando amenizar alguns desses problemas, sem muito sucesso. Com a perda das fitas originais, essa fita de segunda geração seria a principal fonte de gravação do álbum nas décadas seguintes.

O álbum inicia-se com o petardo 21st Century Schizoid Man, misto de rock com elementos do jazz fusion e free jazz, com a letra agressiva de Sinfield (filho de uma ativista comunista) citando elementos da guerra do Vietnã que ocorria na época. As faixas seguintes, a balada I Talk to the Wind e a sombria Epitaph, mostravam um grupo que podia ir do pop-psicodélico a melancolia, onde a bateria de Giles, as variações de McDonald nos instrumentos de sopro e Mellotron, e a guitarra de Fripp se "entrelaçavam" eficientemente. Moonchild, a primeira música do lado b do antigo vinil, apresenta uma interessante proposta, iniciando com uma melodia lembrando os grupos psicodélicos ingleses do período, caindo para quase nove minutos de sonoridades que podem ser consideradas precursoras do que viria a ser conhecido como "música ambiente". A última música, a monumental faixa título, representaria a junção das letras surrealistas (por vezes ingênuas) de Sinfield com a qualidade instrumental dos músicos da banda, além do vocal eficiente de Lake.

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A capa, um rosto "assustado" feita pelo pintor e programador Barry Godber (1946–1970), se tornaria uma das imagens mais icônicas do rock n roll dos anos 1960.

Conforme citado na introdução do texto, o álbum ao ser lançado, em outubro, recebeu recepção favorável de crítica e público. O guitarrista do grupo The Who, Pete Townshend, chamaria o disco de "obra-prima". Algumas criticas, entretanto, mostraram-se incomodadas com a complexidade e grandiosidade apresentada em alguns momentos do trabalho, e da mistura de diferentes estilos músicas. Historiadores do rock como, por exemplo, Piero Scaruffi (A History of Rock and Dance Music, 2009, disponível em : http://www.scaruffi.com/history/cpt24.pdf) e Edward Macan (Rocking the Classics: English Progressive Rock and the Counterculture, Oxford University Press, 1997) afirmam que, com esse disco, a imprensa musical inglesa cunharia, ou consolidava, o termo "rock progressivo", que vinha circulando de forma tímida até então, sendo que, nesse trabalho, o termo frequente usado seria o de "pop progressivo" ou "música progressiva".

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O que a banda pensava dessa repercussão e receptividade em relação a seu LP de estreia? Até o fim de 1969, o foco do grupo estaria em suas apresentações ao vivo, cada vez mais divulgadas e respeitadas. Algumas tensões ocorreriam com outros grupos ingleses, como em cinco de agosto, onde bandas locais impediram que o Crimson tocasse em um show em Londres, e da recusa do Moody Blues em excursionar com o grupo, alegando "incompatibilidade sonora". Mas, a partir de novembro, quando a banda começou sua excursão nos Estados Unidos, o grupo já estava consolidado como uma das principais revelações do rock inglês. Fazendo shows com bandas como Iron Butterfly, Jefferson Airplane, Fleetwood Mac, e com cantores como Joe Cocker, e com a inclusão de canções como "Drop In", "A Man, a City" e "Mantra", o King Crimson encontrava-se coeso e em seu melhor momento (abaixo, trecho de um show da banda em São Francisco em dezembro de 1969).

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No dia sete de dezembro, Michael Giles e Ian McDonald avisaram para Fripp que sairiam do grupo logo após o término da turnê norte-americana, passando informalmente para ele o papel de liderança da banda. Abruptamente, a primeira formação do Crimson era encerrada. Os reais motivos para o rompimento até hoje se mostram obscuras. Aparentemente, o ritmo pesado de shows mais um possível choque de opiniões musicais entre os membros tenham influenciado os músicos a se afastarem da banda. Porém, as sementes plantadas durante 1969 dariam frutos que seriam aproveitados tanto pelo King Crimson, nos discos In the Wake of Poseidon (1970), Lizard (1970) e Islands (1971), como pelo disco McDonald and Giles (1971), projeto de curta duração entre os dois músicos.

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Em pouco tempo, com Greg Lake seguindo para uma carreira bem sucedida no trio Emerson Lake & Palmer, com Pete Sinfield saindo do grupo em 1972, seguindo como letrista, e Ian McDonald participando de grupos como Foreigner e como músico de estúdio (chegando a retornar brevemente ao Crimson em 1974), Robert Fripp rapidamente assumiu o posto de líder da banda, sendo o único dessa formação a se manter até hoje no grupo. O guitarrista veria o King Crimson seguir por uma carreira instável e comercialmente irregular, porém, como já citado, obtendo grande prestígio artístico, consolidado por discos de qualidade como, por exemplo, Larks' Tongues in Aspic (1973), Red (1974), Discipline (1981) e THRAK (1995).

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In the Court, 45 anos após seu lançamento, apesar de sua sonoridade mostrar-se parcialmente envelhecida, não perdeu sua importância e influência com o passar do tempo. Vários grupos ligados ao Rock Progressivo como, por exemplo, Genesis e Yes, além de bandas de outros estilos (Black Sabbath), citam esse álbum como peça importante para seu desenvolvimento musical, apresentando novas propostas sobre como se fazer rock.

Entre as diferentes versões lançadas em CD do disco, citam-se as edições remasterizadas por Robert Fripp, Tony Arnold e David Singleton em 1989 (Definitive Edition), a comemorativa de 30 anos, remasterizada por Fripp, Singleton e Simon Heyworth em agosto de 1999, mas, principalmente, a comemorativa de 40 anos, lançada no final de 2009, remasterizada no sistema 5.1 Surround Sound por Steve Wilson (Porcupine Tree), com diferentes versões (de CD simples a caixa com cinco CDs e um DVD), onde foi utilizada a fita original de gravação do álbum, encontrada em 2003.

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O escritor Rodrigo Merheb, em seu livro "O som da revolução" (Civilização Brasileira, 2012), define, corretamente, que "Os [primeiros] álbuns do King Crimson e Led Zeppelin antecipam o progressivo e o heavy metal, os dois gêneros fundamentais no rock inglês pré-punk". Ambos os discos podem ser considerados o marco final do rock psicodélico e o início do rock de "arena", que seria preponderante na Inglaterra durante a primeira metade dos anos 1970. Ironicamente, tanto o Led Zeppelin (com seus dois primeiros discos lançados também em 1969) quanto o King Crimson mostraram desagrado e constrangimento em serem considerados os grandes precursores de seus respectivos estilos. Fripp, em diversas ocasiões, admitiu o caráter experimental da sonoridade da banda, porém longe de ser uma "progressão" ou "progressiva".

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Por fim, cita-se a definição feia pelo crítico Alex Antunes, na seção discoteca básica da revista Bizz (edição seis, jan. 1986), que resume o In The Court of the Crimson King como "o retrato do que viria a ser o rock progressivo, com todas as virtudes e já alguns vícios" .

In the Court of the Crimson King
Produzido por King Crimson
Lançado em 10 de outubro de 1969 pela EG Records

Robert Fripp (guitarra)
Ian McDonald (sopros, mellotron, teclados, vocais de apoio)
Greg Lake (baixo, vocal)
Michael Giles (bateria, percussão, vocais de apoio)
Peter Sinfield (letras e iluminação)

1.21st Century Schizoid Man (Fripp, McDonald, Lake, Giles, Sinfield) 7:21
2. I Talk to the Wind (McDonald, Sinfield) 6:05
3. Epitaph (Fripp, McDonald, Lake, Giles, Sinfield) 8:47
4. Moonchild (Fripp, McDonald, Lake, Giles, Sinfield) 12:13
5. The Court of the Crimson King (McDonald, Sinfield) 9:25

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Sobre Roberto Lopes

Arquivista, professor, cientista da informação e pseudo escritor de música nas horas vagas. Apesar de mais focado no Rock Progressivo e clássico, também curte metal, punk, rock alternativo e indie Rock.
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