Marilyn Manson: dissecando o Anticristo Superstar analiticamente
Resenha - Antichrist Superstar - Marilyn Manson
Por Érico Ferry
Postado em 29 de maio de 2013
Nota: 10
Senhoras e senhores, antes de qualquer coisa, eu gostaria de lhes convidar para uma resenha diferenciada. Não iremos explorar aqui os aspectos técnicos da obra, mas faremos uma resenha analítica quanto ao conteúdo implícito na letra desta obra extremamente complexa.
Marilyn Manson - Mais Novidades
Em 1996 o mundo não estava preparado para a explosão de uma das mais controversas e polêmicas personagens da história da música contemporânea, se não a maior de todas. Em oito de outubro de 1996, Brian Hugh Warner, mais conhecido por Marilyn Manson, lançava sua obra prima, e considerada seu álbum mais ambicioso e pesado até hoje, "o mundo abria suas pernas" para o Antichrist Svperstar, assim como Manson declama em Little Horn, a quinta faixa da obra anticristã mais sedutora de todos os tempos.
Não é fato desconhecido para nenhum fã da banda e de seu líder em especial, que Manson teve uma infância e adolescência bastante oprimidas pelo forte moralismo cristão empregado nas escolas norte-americanas em seu tempo, e visível até hoje na sociedade americana. Com vários momentos traumáticos e experiências horríveis relatados em sua autobiografia The Long Hard Road Out Of Hell (A Longa e Difícil Estrada Para Fora do Inferno) lançada em 1997, o processo de crescimento e amadurecimento do jovem Brian Warner foi regado à violência, rejeição, preconceito e até mesmo assédio sexual por parte de um vizinho. Ainda teve experiências nada agradáveis dentro de sua própria família quando criança, ao visitar o porão da casa dos avós paternos com um primo em uma brincadeira, o jovem Brian deparou-se com o que seria um antro de pornografia e bestialidades que seu avô colecionava, e o que gerou uma imagem extremamente negativa deste para o então garoto.
É a partir desses pontos pelos quais Manson esteve envolvido durante toda a sua vida, que parte a premissa do Antichrist Svperstar, uma obra auto biográfica onde Marilyn Manson auto nomeado o "Anticrsito Superstar " declara guerra a todas as hipocrisias da sociedade norte americana e à sua "ética" cristã em um jogo de músicas muito bem amarrados e com tantos significados e conceitos por trás de suas letras que tornam o álbum uma obra extremamente complexa e de difícil análise, sendo por diversas vezes rejeitado pela maioria e provocando desconforto e êxtase ao mesmo tempo naqueles que absorvem sua mensagem dilacerante.
O álbum encontra-se dividido em três ciclos distintos: "O Hierofante", "A Inauguração do Verme" e "A Ascensão do Desintegrador". Esses ciclos compreendem as seguintes faixas:
Ciclo I - O Hierofante
1. "Irresponsible Hate Anthem" - 4:17 (Berkowitz, Gacy)
2. "The Beautiful People" - 3:38 (Ramirez)
3. "Dried Up, Tied and Dead to the World" - 4:16 (Manson, Ramirez)
4. "Tourniquet" - 4:29 (Berkowitz, Ramirez)
Ciclo II - A Inauguração do Verme
5. "Little Horn" - 2:43 (Ramirez, Reznor)
6. "Cryptorchid" - 2:44 (Gacy)
7. "Deformography" - 4:31 (Ramirez, Reznor)
8. "Wormboy" - 3:56 (Berkowitz, Ramirez)
9. "Mister Superstar" - 5:04 (Ramirez)
10. "Angel with the Scabbed Wings" - 3:52 (Manson, Ramirez, Gacy)
11. "Kinderfeld" - 4:51 (Ramirez, Gacy)
Ciclo III - A Ascensão do Desintegrador
12. "Antichrist Superstar" - 5:14
13. "1996" - 4:01
14. "Minute of Decay" - 4:44
15. "The Reflecting God" - 5:36
16. "Man That You Fear" - 6:10
"Track 99" - 1:39
Cada uma destas partes corresponde a uma fase da vida de Manson, ao mesmo tempo que corresponde à um passo a mais na degradação moral e corrupção mental do Superstar, objetos de repudio e ao mesmo tempo idolatria para a sociedade americana, tudo isso baseado numa analogia ao super-homem de Nietzsche.
Manson organizou magistralmente as faixas em uma ordem que narram a sua vida e trajetória na sociedade norte americana aonde vai tomando seus baques através das irregularidades do sistema em que se encontra condicionado, e assim, ao longo das músicas ele vai encarnando o Anticristo tema do álbum, e cumpre bem a sua missão ao mostras que esse, é na verdade o reflexo e resultado direto de uma moral cristã cheia de falhas.
O ciclo I O Hierofante (O Hierofante no tarot mitológico,é o revelador da Luz, o Instrutor, O grande mestre dos testes da vida. É ainda, o termo usado para designar os sacerdotes da alta hierarquia dos mistérios da Grécia e do Egito. ) abre com a voz do Anticristo ditando a uma multidão:
"And all the children sing: We hate Love! We love hate!"
(E todas as crianças cantem: Nós odiamos amar! Nós amamos odiar!"
É um início apoteótico, e que sintetiza bem toda a contradição cultural norte americana além de se basear no principio da dualidade que permeia toda a carreira de Manson. Guitarras distorcidas e pesadíssimas, seguida de uma bateria violenta abrem o disco com uma das músicas mais corrosivas de todas, Irresponsible Hate Anthem (Hino do ódio irresponsável), com frases ácidas, diretas e acima de tudo, reais, nos preparando para a inquietação que irá nos perseguir ao longo da jornada.
"Eu sou tão americano, eu te venderia suicídio
Eu sou totalitário, eu tenho abortos em meus olhos
Eu odeio quem odeia, eu estupraria o estuprador
Eu sou o animal que não quer ser si mesmo" (Irresponsible Hate Anthem)
A segunda faixa, The Beautiful People, entra com uma bateria militar em ritmo de marcha, com o propósito de nos apresentar à ditadura fascista da beleza que governa a vida do ser humano moderno, aqui discorre-se a respeito da busca pelo corpo ideal, e toda a rejeição que Manson sofreu na adolescência por não fazer parte desse seleto grupo de "pessoas bonitas". A música é como um hino para os "oprimidos" e não é a toa que se tornou um os maiores clássicos de Manson.
A terceira faixa do disco, "Dried Up, Tied And Dead To The World" é o que talvez seja uma das mais autobiográficas, e discorre a respeito da relação materna de Brian Warner. Ele narra toda a superproteção de sua mãe, e nos mostra que não havia uma total reciprocidade de sentimentos por parte dele, uma vez que ela não compreendia as angústias do jovem e perturbado filho, e é então que Manson começa sua jornada pelo mundo das drogas para tentar amenizar a pressão interna que sentia. Tudo isso fica evidente pelo clima sujo e agonizante dos vocais da música.
O primeiro ciclo chega ao seu fim com "Tourniquet", retrata a superficialidade das relações humanas que tanto enojam o cantor, sendo assim, ele tenta construir uma criatura que venha a suprir suas necessidades afetivas e sentimentais. Isso pode ser relacionado ao período conturbado pelo qual se passava o casamento de seus pais. A música segue em um ritmo lento, porém, crescente, cantada de uma maneira quase apaixonada do criador pela sua criação. Aqui há finalmente o amadurecimento do verme que Manson encarnou, sua metamorfose tem início, ele se envolve em um casulo aonde irá começar a crescer, rumando a se tornar algo maior. O verme se transforma, o anticristo está cada vez mais próximo.
O cliclo II, "A inauguração do Verme" se inicia com "Little Horn". A música chega com uma fúria assustadora, vocais gritados com um ódio extremo, com referências à chegada do apocalipse e a célebre frase "O mundo abre suas pernas para outra estrela".
Aqui temos "Cryptorchid", uma faixa diferente das outras, com um clima calmo e denso ao mesmo tempo, e um andamento macabro, onde o verme adquire o poder e autocontrole, através da seguinte frase recitada em uma contagem de fundo onde evoca o número 7, que simboliza o poder na tradição Católica. A música se encerra em um coro com a frase:
"Espete seu dedo e então está feito
A lua fez um eclipse no sol agora
O anjo abriu suas asas
Chegou a hora de coisas melhores"
Anunciando assim que o verme morreu, ele encontra-se metamorfoseado em um ser superior, ele abriu suas asas.
"Deformography" segue a linha de sua antecessor, com uma melodia doentia, ela narra a transformação do jovem Brian em um Rock Star, apagando todos os rastros do seu passado, e a realização de seu sonho de se tornar uma estrela.
"Wormboy" também continua nessa linha, com um ritmo nervoso e industrial ela continua abordando as difíceis mudanças pelas quais Brian Warner passou, retratando o medo que ele tinha de mostrar sua verdadeira face e personalidade em razão da opressão social e religiosa.
Em "Mister superstar" Brian Warner já encontra-se morto e é de fato Marilyn Manson agora. Um superstar, desejado por todos como fica explícito nos versos da música. Ele mostra toda a adoração em torno da celebridade e o poder de controle sobre seus adoradores, expondo a controvérsia dos valores americanos, e percebe que se tornou tudo o que repudiava.
"Angel With The Sacabbed Wings" chega com uma ira aterrorizante, continuando a debater o medo e repúdio que sente por ser idolatrado. Ele se mostra como o anjo caído, de azas cicatrizadas, afundado em drogas, completamente desvinculado de seu passado e acima de tudo furioso com toda a situação.
Eis que então chegamos ao final do segundo ciclo e um dos momentos mais assustadores, sombrios e atraentes do disco, "Kinderfeld". Essa música requer uma atenção maior, devido à sua complexidade e a evocação de vários personagens cruciais para os eu entendimento. Eles são:
O verme: Brian antes de sua transformação, ainda conturbado;
A voz: Marilyn Manson, ou o Brian adulto pós-transformação;
Jack: Seu avô;
O Anticristo (O Desintegrador): A voz no futuro;
O Garoto: Brian Warner Criança.
Essa música retrata um evento apresentado no começo desta resenha, que foi o acontecimento no porão do avô de Manson, aonde ele presenciou uma cena de masturbação grotesca. Nos primeiros versos há uma citação sobre trens, em alusão aos trens de brinquedo que seu avô ligava para mascarar seus gemidos enquanto se tocava, retratando um momento em que "Jack" assume toda sua natureza animalesca e deixa de lado os preceitos morais que regem a sociedade. O verme clama por liberdade daquele lugar sujo e ao conseguir, a música passa para o ponto de vista de Jack que sabe que irá exercer certo controle sobre Brian no futuro, esse é o momento em que Brian perde toda sua inocência.
A Voz (Marilyn Manson) canta:
"then I got my wings
and I never even knew it
When I was a worm
thought I couldn't get through it"
Retratando o futuro resultado psicológico do abuso. Volta-se mais uma vez ao tema da transformação. Eis então que surge a voz do Anticristo (ou Desintegrador) declarando sua vingança, agora que ele está forte e completo:
"Isso é o que você deve temer
Você é o que você deve temer"
Fim do segundo ciclo, o Anticristo chegou.
O último ciclo, "A Ascensão do Desintegrador", chega como um soco na cara do mundo, o Anticristo é recebido com uma multidão a gritar em coro e saudar sua chegada, ele mostra a sua transformação total, o seu poder de controle, e ironiza a sociedade que joga pedras nele apesar de ela mesma o ter colocado nessa posição. Ele anuncia a vingança avassaladora que ele trouxe para a terra que se segue na próxima música, um dos momentos mais violentos do disco.
Na faixa "1996" (em alusão ao ano em que o disco estava sendo lançado) o Anticristo declara guerra total contra a sociedade e seu ódio por tudo, atacando todas as coisas, sejam elas à seu favor ou não, o Anticristo está aqui para se vingar de tudo, e de todos, o grande final está cada vez mais próximo!
Em "Minute Of Decay" temos uma amenização no ritmo feroz que o álbum vinha empregando, porém, ao contrario do que se sugere, este é um momento de extrema confusão vivida pelo Anticristo, onde ele se lamenta por ter abandonado sua identidade, e ter chegado à um ponto que não sabe mais quem é, tudo isso para conseguir se elevar ao nível do Anticristo. O que fica evidente nos versos finais da música é que ele decide perpetuar sua realidade por mais tempo, aceitando seu destino de Anticristo e Desintegrador. A música termina, o teclado ecoa, anunciando o poderoso final.
"The Reflecting God" se inicia em um misto de canto raivoso e explicativo, onde Manson se utiliza dos preceitos do Satânismo LaVeyano (Satânismo LaVeyano é uma corrente filosófica, e não um culto à um mito antropomórfico) de que não há um Deus acima de nós, somos os nossos próprios deuses e assim devemos continuar sendo, nós somos os condutores principais de nossas vidas e nós decidimos como a vivemos. Essa talvez seja a faixa que condensa tudo aquilo que Manson quis nos passar ao longo do disco, onde nos apresenta uma sociedade suja e mesquinha, que se aproveita, se utiliza e abusa de nós sem dó nem piedade mas que podemos evitar e passar por cima dela, afastando-a cada vez mais. A música possui um pré-refrão apoteótico, como quem anuncia o apocalipse vindo para nos separar desse mundo grotesco. Manson recita "No Salvation! No Forgiveness!" em looping nos dizendo que o mundo em que vivemos já está perdido e fadado ao fracasso devido à péssima administração do homem em sociedade, ao ponto em que a bateria enlouquece, as guitarras gritam em sons estridentes e o teclado explode. Acontece o silêncio, a multidão gritante do início do álbum saúda o anticristo em completa vibração, a voz deste entra cantando melodicamente:
"Eu fui até deus apenas para ver
E eu estava olhando para mim
Vi que o céu e o inferno eram mentiras
Quando eu sou deus, todos morrem"
Tudo isso acompanhado pela calmaria de um violão. Os anjos soam trombetas, o Anticristo dá seu último grito de fúria, o peso retoma, a música explode, a ira do Desintegrador é descontrolada.
Eis que então chegamos ao fim do último ciclo, e o fim da obra por completo com "Man That You Fear". Com um piano bem leve, e uma batida cansada a música desemborca no momento mais emocionante do álbum, uma bela faixa, onde o Anticristo mistura todas as personagens apresentadas ao longo da jornada, relembrando de seus vários momentos, assim como a batida pressupõe, cansado, triste, porém ainda sarcástico, e como é sarcástico esse Anticristo criado por Marilyn Manson. Com uma voz chorada ele nos anuncia que estamos sozinhos no mundo, e não há ninguém para ouvir nossas preces. O teclado enlouquece mais uma vez, zumbidos, ruídos e sussurros de crianças como pequenos anjos recitam incansavelmente:
"Saiba que quando seus desejos forem concedidos
Muitos de seus sonhos serão destruídos"
As vozes cessam e há um vazio. Se você estiver escutando o álbum em uma edição original, nesse momento o contador do aparelho começará a pular as faixas em sequência, realizando uma contagem que para na faixa secreta de número 99, que nos remete ao começo do álbum novamente, simbolizando o renascimento do verme.
Ao final de toda essa jornada hipnotizante pela mente de Brian Warner, estamos certos de que nos encontramos diante de uma das obras mais pesadas, complexas, sarcásticas e poderosas da história do rock e da música, obra essa cuja qual seu criador consegue provocar tantas emoções distintas nas pessoas (seja por meio do seu instrumental, das suas letras ou pela sua aparência) que conseguiu conquistar um grande exército de seguidores ao mesmo tempo em que possui o ódio supremo e feroz de muitos outros que não conseguem compreender sua mensagem, e quando eu digo muitos, são "muitos" mesmo. Com o laçamento de Antichrist Svperstar, Manson embarcou em uma turnê mundial que ficou marcada pelos incontáveis protestos e tentativas de evangelização por parte de religiosos nas filas de seus shows, uma vez que o álbum cumpre bem sua função de expor os podres da sociedade cristã, podres tão grotescos que chegam a doer naqueles que os possuem e não os admitem. Marilyn Manson marcou toda uma geração e continua a provocar admiração em várias outras, seja apor meio da música ou de seus outros projetos artísticos como sua exposição de quadros em aquarela que já rodou uma boa parte do mundo e recebeu elogios da crítica especializada, e esse seria senhores, somente o primeiro capítulo de uma jornada de três álbuns conceituais interligados em ordem decrescente, sendo esses "Mechanichal Animals" (1998) e "Holy Wood: In The Shadow Of The Valley Of Death" (2000). Ao final da jornada do Anticristo, o até então pouco conhecido Brian Warner se tornaria uma das figuras mais célebres e polêmicas de seu tempo, o Anticristo Superstar.
Tracklist:
01. "Irresponsible Hate Anthem" – 4:17
02. "The Beautiful People" – 3:38
03. "Dried Up, Tied and Dead to the World" – 4:15
04. "Tourniquet" – 4:29
05. "Little Horn" – 2:43
06. "Cryptorchid" – 2:44
07. "Deformography" – 4:31
08. "Wormboy" – 3:56
09. "Mister Superstar" – 5:04
10. "Angel with the Scabbed Wings" – 3:53
11. "Kinderfeld" – 4:51
12. "Antichrist Superstar" – 5:14
13. "1996" – 4:01
14. "Minute of Decay" – 4:44
15. "The Reflecting God" – 5:36
16. "Man That You Fear" – 6:10
99. Track 99 – 1:39
Outras resenhas de Antichrist Superstar - Marilyn Manson
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps