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Lobão: afinal, quem é João Luiz Woerdenbag Filho?

Por Moisés Agostinho Junior
Postado em 16 de fevereiro de 2015

Lobão, por razões evidentes, não conta com público cativo no Whiplash.net. Não teria muitas chances por aquí um cidadão anunciando que "Metaleiro para mim é que nem corintiano. Todos têm um QI 'duuuuhhh'"(1). E a folha corrida de impropérios contra o rock é de uma enormidade constrangedora. Chegou a afirmar que tem "muita vergonha dessa praia do rock´n´roll. Chega de barulho. Rock pode ser muito terapêutico para quem não trabalha com isso. Para quem trabalha é sem-vergonhice, diria mesmo imbecilizante". (2)

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Não bastasse isso, um dos ícones do "roque" nacional decidiu que a posição política correta é aquela que esculhamba a esquerda – porém, antes de ser um teórico direitão, Lobão se sobressai como um antipetista fanático. Impossível se vislumbrar naquele ressentimento "o-PT-mentiu-para-mim!!!" alguma ideia liberal-conservadora coerente e fundamentada. Lobão morre de raiva. Perturbado, vitupera o fato de ter apoiado o PT e a esquerda lulista. (3)

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E a música desse cidadão, como é?

Recorro a um trecho da biografia do dito cujo: "Em 7 de junho de 1987, Mario Cesar Carvalho escreveu na Folha de S. Paulo que 'Lobão sempre foi mais conhecido pelos seus piripaques de personalidade do que pela inventividade artística. Os desavisados adoram descobrir mitos quando os roqueiros abandonam a vida cotidiana e passam a viver atrás das grades. Foi assim com Pete Townshend, Mick Jagger e Paul McCartney. A tríade, no caso, havia provocado uma pequena guinada na história do rock nos anos 1960. Lobão nunca primou pela ousadia musical. Acaba sendo mais explosivo em suas declarações à imprensa do que quando canta e toca'"(4).

É característica do rock nacional essa postura agressiva em declarações à imprensa acompanhada de melodias que ainda reverenciam MPB, samba, pagode e tudo o que legitime guitarras elétricas perante os defensores de certas brasilidades. Lobão, ao esculhambar o rock, apenas reciclou um rescaldo cultural que ele também cuidou de atacar: os ícones pátrios, com seus chorinhos e sambinhas, aqueles que as novas gerações não têm coragem de, absorvidas as influências que se queira (quando isso é possível), relegar ao passado. Lobão ridiculariza o rock, detona alguns dos maiores medalhões de ritmos "genuinamente brasileiros" ao mesmo tempo em que se curva, com ares de rebeldia anacrônica, ao samba e a todas as indiossincrasias das baladas tupiniquins que ele considera legítimas. Megalomania pura: acha-se um critério de qualidade.

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Egocentrismo que dá o ar da graça em muitas das entrevistas-monólogos do músico: "'Por que você resolveu estampar um alvo tão grande no peito?´ Nas duas horas e 12 minutos em que o gravador está ligado, teria a chance de outras 18 intervenções. No total, ele deixou que eu falasse 204 segundos. Fosse uma apresentação musical o nosso diálogo, Lobão teria solado durante 97,7% do tempo".Ou, mais adiante: "Pensa no meu repertório. Só Neil Young e Bob Dylan têm algo assim."(5)

Mas, enfim, quem é João Luís Woerdenbag Filho? Por que estamos dispostos a lhe dar atenção?

Primeira coisa a se ter em mente: ele é – ou, pelo menos, era – relevante. Há uns 20, 30 anos, Lobão figurava no imaginário nacional como o roqueiro paradigmático. Drogas, contestação, declarações ofensivas, tempo puxando cadeia... Lobão caprichava quando se sentia no dever de opinar, de manifestar-se sobre qualquer assunto. Lançou-se como representante da contracultura, do combate aos clichês musicais e às gravadoras; contrapondo-se a essa frente de batalha, Lobão não recusou aparições na grande mídia (Chacrinha e Faustão inclusos). Como não poderia deixar de ser, esse comportamento sinuoso angariou simpatias e rivalidades. E o fato é que a cena do famigerado rock nacional dos anos 80 sempre contou com os arroubos – e cordeirices-classe-média - de Lobão.

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Essa onipresença rendeu-lhe prestígio suficiente para embarcar noutra aventura: ser o fora da lei. Pra ele, pura inconsequência e sarro. A inaptidão ao crime foi reconhecida: "Não fui criado para viver naquela bandidagem. Sempre me tive como um ser, antes de mais nada, delicado, sedentário, repleto de preceitos morais e de intensa vida interior... e ficar forçando aquela barra de bandoleiro acabava por me violentar muito. Não havia a menor condição de, em sã consciência, tomar um partido. Todos os envolvidos nesse universo eram cúmplices; polícia e bandido..." (6) Porém, Lobão usufruiu da fama de roqueiro transgressor, inserindo-se no universo do tráfico e da favela – mesmo que limitando-se ao papel de viciado e testemunha extasiada de contravenções e tiroteios.

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Essa miscelânea de ambientes e contatos engendrou um indivíduo com trânsito na Globo, no universo-confraria de artistas do eixo Rio-São Paulo, no submundo de chapação e delinquência. Com tantas ocupações, Lobão aprontou todas nas 3 últimas décadas do século passado. Respeitado, perseguido e famoso, sempre tinha algo a dizer, e suas declarações reverberavam na mídia. O público queria saber o que Lobão pensava - ou apenas divertir-se com seus antagonismos. Afinal, quem não se interessaria por uma barafunda envolvendo Nelson Gonçalves, Elza Soares, Luis Caldas, bateria da Mangueira, Nelson Mota, Raul Seixas, Marcelo Nova, Caetano Veloso, Herbert Vianna, Castor de Andrade e, claro, Cazuza?

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Esse é o Lobão do passado. O atual... bem, o atual são outros quinhentos.

A começar pelas contradições, cada vez mais disparatadas. Outrora um astro da música independente, o homem que ousou peitar gravadoras e arriscar-se num novo sistema de distribuição de seu trabalho é o mesmo que proclama: "'Tudo o que fiz na música independente foi por puro egoísmo. Se ajudei a terceiros, e até ajudei, foi por circunstância e sobra', emenda, em um upper. 'Estou criando um arcabouço mais confortável para que possa me reinserir no mercado. Mesmo porque não sou filantropo nem quero ser político.'"(7).

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E quanto ao relacionamento conflituoso de Lobão com a mídia? Em depoimento prestado à Justiça Criminal, ele mencionou a revista Veja, afirmando "não dar mais entrevistas àquela revista, desde que a publicação o chamara de 'drogado e risonho'"(8).

Hoje, após decidir-se pela jornada anti-petista, Lobão juntou-se ao que há de mais retrógrado na política nacional. Não deixa claro se reza pelas bíblias liberais-conservadoras, somente evidenciando seu ódio ao lulopetismo. Recorre, para tanto, a críticas clichês sobre mau investimento dos impostos arrecadados, corrupção generalizada, censura... Isso foi determinante para tornar-se um dos colunistas da publicação da Editora Abril à qual ele afirmara não conceder mais entrevistas.

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A coerência nunca foi uma das virtudes – ou preocupações – de Lobão; pra quem procura um argumento para esculhambá-lo, essa infinidade de inconsistências de ideias e reviravoltas é um prato cheio.

E, afinal, quem é Lobão? Perguntei a alguns amigos o que achavam do cidadão. O que ouvi variou entre a repulsa e o interesse por palhaçadas: "Nossa, ele não deixa ninguém falar!" "Ele está escrevendo na Veja, né? Que ridículo!" "Putz, cara, eu odeio o Lobão" "Ah, ele é engraçado. Falou umas merdas sobre o Luan Santana uma vez... foi divertido".

De fato, Lobão transformou-se num dos líderes de um grupelho que faz as vezes de direitistas liberais, um aglomerado de desvairados e despreparados cuja essência se resume ao "contra tudo o que está aí" - exatamente o que os conservadores tanto criticam na esquerda arraia-miúda: a falta de uma proposta discernível, e nada que avente um programa capaz de substituir aquilo que se repudia. Lobão converteu-se à pantomima neoconservadora, e é com essas características que se destaca ao representar o macho alfa da Veja e das marchas das Famílias.

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Não podia ser diferente. Fosse por sua produção musical atual, Lobão teria lugar assegurado no ostracismo.

1. Revista Rolling Stone. Disponível em: http://rollingstone.uol.com.br/edicao/8/lobao-macho-alfa#imagem0
2. Cinquenta anos a mil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. Edição para Kindle. Posição 7242.
3. Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=LJ3seRSSc8g
4. Cinquenta anos a mil. Posição 5307.
5. Revista Rolling Stone. Em: http://rollingstone.uol.com.br/edicao/8/lobao-macho-alfa#imagem0.
6. Cinquenta anos a mil. Posição 6332.
7. Revista Rolling Stone. Em: http://rollingstone.uol.com.br/edicao/8/lobao-macho-alfa#imagem0.
8. Cnquenta anos a mil. Posição 9709.

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