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Inglaterra: Os jogos olímpicos e o boicote punk

Por Victor Oliveira Sartório
Postado em 19 de agosto de 2012

À moda da tradicional pontualidade britânica, os jogos olímpicos de Londres iniciou, no último domingo, sua cerimônia de encerramento às exatas vinte horas e cinquenta e nove minutos, segundo o soado pelas 13 toneladas de bronze do Big Ben direto da Elizabeth Tower – torre cujo batismo foi dado em junho deste ano em homenagem à Rainha Elizabeth II, que completou 60 anos de reinado. A cerimônia de encerramento da trigésima edição dos jogos olímpicos da Era Moderna – cuja primeira edição se deu em 1896 em Atenas – contou com um seleto repertório que sintetizou, em quase duas horas de espetáculo, toda a história da música pop inglesa.

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O encerramento contou com a presença de Ray Davies interpretando, juntamente à Orquestra Sinfônica de Londres, o clássico de sua ex-banda dos anos 60, The Kinks, "Waterloo Sunset" (lançada em single no ano de 1967). Também em lembrança aos gloriosos anos 60, as 80 mil pessoas presentes no Estádio Olímpico de Londres (inaugurado no último mês de maio) também tiveram a oportunidade de presenciar a mitológica banda The Who, que fez um medley com os sucessos "Baba O'Riley", "See Me, Feel me" e "My Generation". Destes clássicos absolutos, a cronologia se ateve a contar a história da música pop britânica por intermédio de homenagens aos Beatles, ao Queen (com Roger Taylor e com a guitarra de Brian May, este pertencente a Ordem do Império Britânico) e às presenças de George Michael, Fatboy Slim, Madness (com seu ska setentista de "Our House"), Liam Gallagher (da extinta banda Oasis), as Spice Girls, o One Direction representando a atual música pop, dentre outros.

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No entanto, desta cronologia construída se verifica um hiato histórico musical, o que faz com que a história da música britânica tenha ficado parcialmente completa. Não fizeram parte do evento – e ao final explico o porquê – aqueles que, muito embora altamente influentes na música mundial, sedimentaram sua arte em discursos políticos contrários aos interesses da Coroa Inglesa: o movimento punk rock britânico. Este, eclodido nos anos 70 por jovens que tinham como influência as mesmas bandas The Who e The Kinks, lembradas no domingo, perturbaram as rádios daquela época com ideais revolucionários e anarquistas, em resposta a verificação de problemas sociais na Inglaterra – dos quais a responsabilidade era atribuída à mesma monarca que até hoje reina. As características do punk inglês, que encontra raízes em feitos já anteriores à explosão do movimento – como na música "You Really Got Me" dos Kinks lançada em 64, ou na própria postura de palco e som do The Who –, foram explicitamente reproduzidas e difundidas ao gosto popular pelo Sex Pistols. Formada, em 1975, na mesma Londres que sediou a cerimônia, a postura agressiva, degenerada e destrutiva da banda refletiu em seu próprio tempo de carreira, que não durou nem 3 anos, encerrando as atividades em 1978, um ano antes do suicídio de seu baixista Sid Vicious, aos 21 anos de idade.

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O Sex Pistols não foi a primeira banda de punk da Inglaterra mas, como se sabe, ajudou não só a promover as bandas já existentes como a adubar terreno para o crescimento de outras – bem como influenciaram correntes musicais posteriores. Uma dessas bandas foi o pós-punk do Joy Division, formada a partir de um concerto dos mesmos Sex Pistols e que, assim como esta mesma banda, sofreu da mesma fatalidade: se desconstituiu quando do suicídio de seu vocalista, Ian Curtis, aos 23 anos. Dos integrantes que restaram, órfãos de Curtis, brotou a banda New Order que tocou em um festival no Hyde Park no mesmo domingo no qual ocorria o encerramento no Estádio Olímpico. Assim como o New Order, outro ícone pós-punk dos anos 80, e do mais importante e refinado som britânico, também não foi homenageada na festa da Rainha a banda The Smiths, representada por seu vocalista que, ao contrário da banda, ainda na ativa – ao menos até 2014 segundo o próprio –, Morrissey.

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Hoje com seus 53 anos, o vegetariano compositor dos sucessos "How Soon is Now", The Boy With The Thorn In His Side", "Suedehead", dentre outros hits pops famosos nos anos 80 e 90, continua sendo um crítico ferrenho da Coroa Britânica. Se, aqui no Brasil, não faltam olhos tortos quanto à realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas dois anos depois, sob a alegação de que promoveremos falsamente para o mundo um Brasil mascarado, a tão elogiada Inglaterra também teve seus críticos quando da realização dos jogos. Eis as palavras de Morrissey, ao recusar o convite de tocar na cerimônia de encerramento: "Enquanto Londres é promovida como uma marca super saudável, toda a Inglaterra sofre com cortes, desastres econômicos. A imprensa inglesa faz uma cobertura integral da realeza, que sorri enquanto gasta fortunas, como se essa cobertura fosse tornar a sociedade britânica completa".

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Quanto mais se lê as críticas de Morrissey ao governo britânico, mais se percebe semelhança com o que mais é gritado pelos brasileiros aqui. Quantos de nós, ao vermos o Brasil ser festejado pelo mundo, não nos perguntamos o porquê deste patriotismo todo não se encontrar também em nosso meio político? Mais uma vez, Morrissey grita o mesmo quanto sua terra: "A Inglaterra alguma vez já foi tola assim, com esse patriotismo todo? Essa 'realeza deslumbrante' sequestrou as Olimpíadas para suas próprias necessidades e não permite nenhuma voz opositora na mídia". Da mesma forma que Morrissey, seus primórdios musicais do punk rock setentista, o Sex Pistols, que se apresentam esporadicamente hoje em dia, também recusaram o convite do comitê olímpico britânico, conservando a postura política na qual se ergueu há mais de 30 anos atrás.

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Sobre Victor Oliveira Sartório

Fã de bom som, escreve toda sexta-feira para sua coluna no jornal capixaba "Folha do Caparaó", a respeito de música, cultura e sociedade.
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