Tesão pela vida: A Historia de Iggy Pop - Parte 6
Por Márcio Ribeiro e Rubens Leme da Costa
Postado em 14 de setembro de 2004
O fim dos Stooges
O disco foi aclamado como uma obra-prima, chegando a ficar no Top 100 e com boa vendagem em Detroit, Los Angeles e Nova York. A "Creem Magazine" chamou-o de o melhor disco da década e Lenny Kaye, crítico da Rolling Stone (e que depois tocaria no Patti Smith Group), rasgou em elogios, dizendo que finalmente a banda tinha capturado, em vinil, sua essência ao vivo.
Raw Power
"Raw Power" foi lançado em maio, quase um ano após sua gravação. O disco chega às lojas com a seguinte relação de músicas, todas compostas pela dupla Pop/Williamson:
Lado A
1. Search And Destroy
2. Gimmie Danger
3. Your Pretty Face Is Going To Hell
4. Penetration
Lado B
1. Raw Power
2. I Need Somebody
3. Shake Appeal
4. Death Trip
Talvez o que mais chama atenção é a boa voz de Iggy, não apenas esgoelando, mas realmente cantando suas canções. A abstinência de entorpecentes, mesmo que relativa, lhe fez muito bem à garganta e isto é mais facilmente percebido nas duas baladas do álbum, "Gimmie Danger" e "I Need Somebody." A qualidade das letras também receberia elogios e, conforme os anos vão se passando, a relevância do disco vem aumentando.
Mas por ocasião de seu lançamento, havia algo no disco que irritara Iggy; a concepção gráfica da capa, que foi imposta a ele. Quando viu o disco creditado a Iggy and the Stooges pela Columbia, o cantor ficou fulo da vida, sem contar a foto na capa, que o irritou ainda mais. "A Elektra era melhor do que eles. Aquela capa era uma merda", diria Iggy. Mas isso aconteceu porque a MainMan havia feito um acordo vendendo-os como Iggy and the Stooges, ao invés de Stooges, somente. Hoje em dia, Iggy concede ao fato que o trabalho gráfico desta capa trabalhou a seu favor. A arte gráfica, com as letras pingando e até mesmo a foto da capa que ele inicialmente detestara, Iggy hoje elogia, reconhecendo que serviram positivamente para sua imagem como artista solo.
Difícil de Vencer
Minha única alternativa foi comer um conhecido publicista em troca de um teto por alguns dias. Isto foi bem baixo. - Iggy Pop
Com ordens expressas de deixarem a casa imediatamente, eles saíram com o dinheiro que Ron Asheton conseguiu poupar secretamente, cerca de cinco mil dólares. Por indicação de James Williamson, os irmãos Asheton e Iggy se hospedam no modesto Riviera Hotel, Ron pagando $75 por semana adiantado e cobrando de Iggy e Scott $10 por dia, cada. Iggy Pop, de início, pernoitava, mas não ficou por muito tempo. Bob Scheff, por sua vez, já concluíra que ficar em Los Angeles não era negócio para ele e retornou à Detroit. Enquanto isto, James Williamson estava sondando o circuito musical, vendo se havia um lugar para ele em alguma outra banda. Visitando o estúdio da Capitol Records ele conhece Scott Thurston com o qual imediatamente percebe uma forte ligação musical. Trocaram telefones e deixaram o tempo passar e a oportunidade se apresentar.
Costumam dizer que neste período Iggy dormia na rua, mas isto é mais uma forma de se dizer que ele não tinha endereço certo de residência. Iggy passou a ser visto com certa freqüência no Sunset Strip tão chapado de tudo que acabava batendo em algo, uma porta, um poste, e ficando por lá mesmo, estirado na rua, cheirando à sarjeta. As pessoas viam, reconheciam quem era, e então riam seguindo os seus caminhos.
Profissionalmente, naquele momento, Iggy Pop e os Stooges estavam acabados. Iggy estava em franca decadência saúde e mental. Vomitava verde, expelindo bílis. Outras histórias dão conta de Iggy rolando de escadarias imensas. Felizmente, ele tem uma constituição de um touro e aparentemente nunca se machuca seriamente. Iggy passou a ter relações com uma conhecida figura do meio musical em troca de acomodações e assistência financeira imediata. Foi neste cenário que Steve Harris apareceu como socorro.
Jeff Wald
Iggy foi apresentado a Jeff Wald, empresário poderoso e então marido da cantora em ascensão, Helen Reddy. Wald acreditou que, com as boas críticas do álbum "Raw Power", os Stooges seriam capazes de gerar interesse e, assim, ainda render algum dinheiro em bilheteria. Em um acordo verbal, fechado com um aperto de mãos, Wald acertou uma série de shows que iria reativar os Stooges e deixá-los ocupados pelo resto do ano. Para cuidar da banda na estrada, Wald contratou Danny Sugarman como gerente de excursão.
A primeira destas datas, já com a imediata volta de James Williamson na banda, foi no Santa Monica Auditorium em Santa Monica, Califórnia, não muito longe de Los Angeles. Depois foram para Ann Arbor passando primeiro em Chicago onde fizeram uma apresentação no Aragon Ballroom. Ao chegar em Ann Arbor, se apresentam no St. Clair Shores Civic Auditorium, e permanecem na cidade onde realizam uma série de ensaios em preparação para uma série de importantes datas, que incluem Nova York e Vancouver no Canadá.
Como formação, os Stooges agora conta com Scott Thurston em substituição ao velho Blue Gene Tyranny. Ex-integrante da banda Hokus Pokus, Thurston é o mais habilidoso musicalmente do grupo. Multi-instrumentista, ele prova ser igualmente bom na guitarra, teclados e percussão. Embora esta formação jamais tenha a oportunidade de gravar e lançar um disco decente por uma gravadora, várias gravações demos surgiriam através dos anos, demonstrando esta ser talvez a mais selvagem versão dos Stooges. Certamente é esta versão da banda que a maioria dos futuros punk rockers irão assistir por já terem idade para freqüentar sozinhos os clubes.
Entre 06 de julho, show no St. Clair Shores Civic Auditorium em Ann Arbor e no dia 30 de julho, a primeira noite dos Stooges no Max's Kansas City em Nova York, vários desses ensaios acabaram sendo registrados em fita. Entre o novo material que a banda havia montado, estão canções como "She Creatures Of Hollywood Hills", "My Girl Hates My Heroin", "Jesus Loves The Stooges" (instrumental com um jeitão gospel), "Hey Baby", "Born in A Trailer", "How It Hurts" e "Johanna". Algumas destas canções são só idéias iniciais, com letras ainda em formação e que nunca chegarão a ser realmente trabalhadas. Outras como "Johanna" e "I Got The Right" terão uma vida útil maior.
Max's Kansas City
Durante o decurso de 1973, James Williamson vai se tornando a pessoa para arrumar alguém para tampar algum buraco dentro da banda. Em um tempo relativamente curto, todos os novos roadies eram contatos dele. Chegando em Nova York, The Stooges estavam prontos para mais uma série de apresentações que teoricamente definiriam seu futuro imediato como banda rentável. Jeff Wald conseguira marcar quatro noites seguidas, com os Stooges tocando sempre à meia-noite no Max's Kansas City.
O lugar estava no seu auge chique em 1973, e como diria John Lennon, "qualquer pessoa que fosse alguém freqüentava o local". Os primeiros dois shows dos Stooges foram excelentes e fazem parte das histórias mais gloriosas do rock'n'roll daquela cidade. Presentes à primeira apresentação estavam nomes como Alice Cooper, Todd Rundgren, Bebe Buell, Wayne County, Dee Dee Ramone e vários membros dos New York Dolls. Até mesmo Leee Childers e Tony Zanetta da MainMan apareceram para rever o Iguana.
O set dos Stooges dava ênfase para o "Raw Power", com versões da faixa-título, "Gimme Danger", "Search & Destroy" e "I Need Somebody." Porém o repertório também já incluia números novos como "Open Up And Bleed", "Wet My Bed" e o ainda menos sutil "Rich Bitch".
Após o show da primeira noite, Iggy Pop foi bater na porta de Robert Plant, hospedado no Drake Hotel. Led Zeppelin estava na cidade por conta da "House of the Holy Tour" e embora Plant estivesse na gandaia, havia o roadie Lynn Edelson vigiando o quarto. Ao reconhecer que se trava de Iggy Pop permitiu sua entrada. Edelson conta que Iggy estava estrebuchando e vermelho feito um tomate e com febre alta. Iggy foi logo contando que sua cocaína acabara e então ele se injetara com Niacin.
Esta droga, mais comumente conhecida com vitamina B3, tem por função ajudar o seu organismo a converter alimento em energia, auxiliando o sistema digestivo e o sistema nervoso. Em dose excessiva, causa danos ao fígado, úlcera, e alteração na pigmentação da pele. Edelson o fez tirar a roupa e deitar na cama, o cobrindo com toalhas até a temperatura baixar. Com isto, Iggy caiu em um sonho profundo. Quando Plant chegou, ficou puto ao encontrar alguém dormindo em sua cama. Contudo, uma vez entendendo o que se passara, até elogiou Edelson pela ajuda prestada ao colega.
Para a segunda noite, quase toda a equipe do Led Zeppelin teve uma mesa garantida para assistir os Stooges. O que se passou nesta noite é até hoje cercado de mistério e com várias versões. Uma diz que Iggy estava tentando andar sobre as mesas, uma vez que o palco era bem pequeno, quando acabou caindo violentamente, quebrando copos de vidro e se cortando no peito. Outra diz que alguém da platéia gritou que sua avó dançava melhor do que Iggy. O Iguana prontamente pegou um caco de vidro que havia espalhado pelo chão e passou a se cortar todo. Existe outra que diz que Jackie Curtis, em dado momento, falou bem alto que queria ver sangue no palco e Iggy prontamente lhe atendeu. Outra ainda sugere que Iggy ficou apaixonado pela Bebe Buell que estava acompanhada de Todd Rundgren e não quis ou não pode lhe dar nenhuma atenção. Nesta versão, dizem que Iggy anuncia que seu coração fora quebrado e então passa a se cortar todo com o vidro.
Em todas as versões, um detalhe continua o mesmo, que era o sangue esguichando e deixando os espectadores extremamente preocupados com o artista, pedindo a ele para parar e ir até um hospital. Contudo, com a adrenalina correndo solta e sem dar muita importância ao líquido pulsando fora de seu corpo, Iggy continuou até terminar o set. Iggy novamente tinha dado, literalmente, sangue pelo espetáculo. Outra versão dá conta que antes de terminar de anunciar a próxima canção, ele desmaiou. Jeffery Brendam, o porteiro da casa, procurou carregá-lo para fora do palco. Ele contou que Iggy estava todo ensangüentado e desmaiou em seus braços, e suas últimas palavras teriam sido "há algum fotógrafo na casa?"
Contam que o conterrâneo Alice Cooper conversou seriamente com Iggy, fazendo-o levar seu corte a sério e ir até um hospital colocar uns pontos. Enrolou-o em uma toalha e tentou levá-lo pessoalmente para o hospital. Mas Iggy saiu dali, supostamente para a casa de uma mulher que estava lhe esperando, indo pro hospital somente no dia seguinte, levado por Steve Harris. Ele precisou de dois dias para se recuperar, antes de poder voltar a se apresentar. Acabaram tocando seis dias depois, no fim-de-semana seguinte, dias 6 e 7 de agosto de 1973.
Vendo Estrelas no show do NY Dolls
Neste ínterim, Iggy e os Stooges são vistos no Felt Forum, para assistirem o show dos New York Dolls que com seu primeiro disco recém saído, estavam vivendo o que seria seu auge comercial. Abrindo para eles estava Mott the Hoople, show que Iggy assistiu na íntegra. Iggy tomara algumas pílulas de Valium e estava naquele estado quando acerta uma porta na casa, criando um galo enorme e novamente sangrando na cabeça. Ficou tão tonto que acabou novamente caindo e sem boa coordenação motora, graças ao Valium, não conseguia se pôr novamente de pé. Novamente, como em Los Angeles, pessoas passavam, reconheciam quem era, e riam dele.
Bebe Buell o viu e veio socorrê-lo, amarrando um pano na cabeça do pobre Iggy que se mostrou surpreso que alguém tenha se importado. Iggy passou o show do New York Dolls no ambulatório do Felt Forum ganhando pontos na testa. No dia seguinte, Iggy apareceu na casa que Bebe dividia com Todd Rundgren, que estava prestes a viajar em uma excursão. Extremamente carismático e de uma simpatia ímpar quando lhe convém, Iggy conquista Bebe Buell com seu misto de animal selvagem e menino vulnerável. Durante o período de ausência de Todd, Iggy se muda para a casa e por aproximadamente duas semanas, se torna o novo caso da Bebe. Neste curto período Iggy apresenta Bebe à heroína.
Bebe conta um pouco sobre o incidente: "eu vi Iggy todo arrebentado no chão e pedi para que alguém o socorresse, mas as pessoas apenas olhavam e riam. Então peguei um lenço meu e comecei a limpá-lo. Iggy ficava balbuciando 'oh, você se importou comigo, muito obrigado...'. Depois disso, o ajudei a levantar e ele pediu meu endereço. Eu dei porque tinha certeza que, no estado em que estava, ele jamais iria se lembrar. Não é que no dia seguinte ele estava batendo à minha porta. Eu não acreditei quando o vi!"
Retornando ao Max's
Retornando ao Max's Kansas City para as duas noites finais de seu contrato, os Stooges novamente fizeram apresentações convincentes. Nestes dois shows a canção "Open Up And Bleed" passa a ter sua letra definida e é considerada pronta por Iggy. Na última noite, Iggy estava novamente fora de si de tão entorpecido. Deitado no chão do vestiário, pedia para Clive Davis mijar sobre ele.
Jornalistas fazem reviews elogiando a banda e seu carismático crooner. As revistas Creem, After Dark e Rock Scene publicam longos textos sobre o show, a banda e a influência que eles já percebiam em outras bandas. Iggy chegou a dar uma longa entrevista para a After Dark onde fala sobre alguns dos problemas encontrados dentro da MainMan. E queixa-se abertamente de como David Bowie, Alice Cooper e The New York Dolls visivelmente tiraram e absorveram idéias para o seu som e suas letras, ouvindo e assistindo Iggy Pop e os Stooges.
Vexame e Sarjeta
Com a boa receptividade do disco "Raw Power", mesmo que apenas no underground, os Stooges passam a ter uma média de seis a oito shows por mês. Porém, os Stooges continuam sendo uma banda que, além de executarem um rock cru e selvagem, era essencialmente composta por integrantes extremamente desorganizados e irresponsáveis.
A excursão segue com duas noites em Vancouver no Canadá, situado perto da costa oeste do país, retornando em seguida para os Estados Unidos, tocando no meio oeste na cidade de Phoenix, no estado de Arizona. A programação os obriga a seguirem leste para St. Louis, Missouri, terra de Chuck Berry, chegando então à Costa Leste, onde tocam primeiro em Washington DC., a capital Americana, e depois em Philadelphia. Com o fim do mês de agosto, descansam quinze dias e se mandam de volta para a costa oeste onde tocam por cinco noites consecutivas, de 15 à 19 de setembro, no Whiskey A-Go-Go situando em Hollywood. Neste primeiro mês de excursões seguidas, Iggy já havia enlouquecido e os vexames passaram a fazer parte do cotidiano.
Em Philadelphia, por exemplo, cidade sede de um fã clube dos Stooges, a CBS havia preparado o palco para gravar os Stooges ao vivo, cumprindo assim as obrigações da gravadora segundo seu contrato com a banda. Teria sido uma ótima idéia que resolveria o problema tanto da CBS quanto dos Stooges, registrando a banda ao vivo tocando um misto do repertório do novo álbum e já algumas novas canções. Mas Iggy estragou tudo com seu comportamento irresponsável, prejudicando a si e a toda banda.
À caminho, a banda conseguiu como contato umas meninas vindas de Nova York que ofereciam uma droga nova para ele e para muitos, chamada então de Cristal, por apresentar-se em forma de pó cristalizado. Iggy acabou cheirando uma carreira cavalar de uma droga que ele nunca havia tomado antes e do qual não tinha nem a mais remota noção sobre a extensão dos efeitos sobre o seu corpo. E ele o fez pouco antes de ir para o show, numa demonstração de irresponsabilidade e falta de profissionalismo. Como resultado, entrou engatinhando no palco. Totalmente fora de si, sem conseguir coordenação motora para ficar de pé, mal conseguiu balbuciar uma palavra antes de desmaiar.
O que Iggy cheirou naquela noite foi PCP (Phencyclidine - Fenociclidina), uma droga que farmacêuticos costumam chamar de um anestésico dissassociativo, com propriedades alucinógenas e analgésicas. Porém nas ruas a droga é mais conhecida hoje em dia como "Pó de Anjo".
Pó de Anjo
Pó de Anjo foi desenvolvido durante a Primeira Guerra Mundial para servir como anestésico cirúrgico, porém logo foi deixada de lado, isto é, até que o laboratório Parker-Davis voltasse a experimentá-la em 1957. O problema da droga é que dentre seus efeitos colaterais constam delirium tremens, alucinações e fala acelerada. Mesmo assim, a Parker-Davis chegou a colocar a droga no mercado, que era vendida como um tranqüilizante para animais sob o nome de Sernylan por volta de 1966-67, época de experimentações químicas, principalmente com ácido, daí não tardou a ser tomada por jovens a procura de viagens alucinógenas. Porém logo ganhou má fama de só oferecer viagens ruins, e a procura secou rápido.
A PCP ataca o seu sistema nervoso central e cria uma variação de efeitos que inclui euforia, perda de inibições, ansiedade, desassossego, desorientação, dificuldade de organizar pensamentos, noção distorcidas de tempo e espaço, leveza de corpo e outras alterações relacionadas a sensações físicas. Efeitos também incluem paranóia, desconexão com o meio-ambiente, alucinações audiovisuais, salivação excessiva, suor, dormência, fala arrastada, gagueira, febre e rigidez muscular.
Utilizando em uma dosagem considerada tóxica, o consumidor tende a se tornar hostil e até violento, agindo de forma bizarra ou psicopata. Em caso de overdose, a pessoa pode ter amnésia, ficar catatônica, entrar em coma, ter convulsões e até morrer. Muitas vezes são aplicados tranqüilizantes no usuário para acalmá-lo. Usuários reportam após a "viagem" sentirem efeitos como depressão, confusão, paranóia e insanidade. Segundo consta, estes sintomas podem continuar por anos após a primeira experiência. Hoje é uma substância considerada perigosa e ilegal praticamente no mundo todo, e os médicos são unânimes em afirmar que a droga, mesmo em pequenas doses, causa danos psicológicos que podem durar meses.
Os Stooges chegaram ao local do show com uma hora de atraso e ao chegar, logo se percebeu que Iggy mal conseguia ficar de pé. Ele estava completamente fora de órbita. A banda entra para tocar enquanto três roadies o agarram pelos braços e pernas e o jogam no palco na esperança que as luzes e a música exercessem alguma influência sobre seu psique. Mas, Iggy cambaleou até a beira do palco e caiu no chão entre as mesas da platéia. Foi cambaleando de um lado à outro, entre as pessoas que o empurravam pra lá e pra cá reclamando. Alguém esfaqueou Iggy no peito com um sanduíche de pasta de amendoim com geléia. Quando Iggy finalmente conseguiu virar e se encostar contra o palco, os roadies pensaram que ele estava todo ensangüentando e que fora realmente atacado. Foram buscá-lo e o ajudaram a subir de volta pro palco. Nisso, os Stooges já havia começado e parado a mesma música três vezes, mas Iggy estava completamente imprestável e após a terceira música o clube mandou a banda sair, acabando assim com o show.
Mas não era só Iggy que perdera as estribeiras. Scott Asheton também começou a demonstrar que ele realmente estava enlouquecendo de verdade. Passou a não trocar mais a roupa, e por conseqüência, não tomar mais banho como uma forma de ficar mais próximo a Deus. Passou a andar com uma toalhinha como amuleto, toalha esta que ele usava para enxugar o suor durante os shows, e que agora se tornara um defletor de vibrações negativas para ele e a banda. Com o tempo, ele passa a cobrir sua cabeça com a toalha, inicialmente só durante os shows, depois, onde quer que ele fosse e sentisse um karma ruim.
Whiskey-A-Go-Go
As cinco noites no Whiskey-A-Go-Go foram em si um tour de force. A banda não só teria que tocar cinco dias seguidos, mas ainda por cima teria que apresentar dois shows, um de tarde e outro de noite. Nunca duas apresentações eram exatamente iguais. Na estréia, um grande show, com Iggy fazendo suas loucuras no palco de sempre, esgoelando as letras enquanto a banda manda ver. No segundo show da noite, o público estava cheio de artistas famosos. Iggy não pensou duas vezes e foi se chegando de mesa em mesa avisando que só iria fazer o show se o ajudassem com um caixinha para que ele pudesse pagar seu fornecedor que estava esperando a grana nos bastidores. E assim ele foi juntando uma bolada pedindo contribuições nas mesas de gente como Jack Nicholson e Warren Beatty. Quando foi hora de começar o show e a banda começa o riff de "Search And Destroy", Iggy entra totalmente chapado e completamente fora de si. Consegue chegar até o microfone antes de desmaiar.
A essa altura, as pessoas já estavam questionando a qualidade do show que os Stooges estavam trazendo para o palco. Verdade que ainda se rasgavam em elogios pelo trabalho do trio de instrumentistas. Mas já se criticava o desempenho de Iggy Pop no palco como um todo, questionando a falta de esforço do cantor para cuidar da voz, de ficar no tempo, de não errar a letra das canções que ele mesmo escrevera. As cinco noites em seguida no mesmo local também deixaram claro que a banda tinha apenas um repertório ensaiado e que, embora as apresentações mudassem show a show, as canções eram sempre as mesmas sem muitas mudanças na ordem.
The Stooges ainda tentaram gravar algo enquanto em Los Angeles, em uma sessão no LA Workshop, estúdio onde The Doors gravaram muito de seu material. Iggy estava nas nuvens por estar trabalhando onde Jim Morrison gravara. A produção da sessão estava sob o comando de Todd Rundgren e apesar da banda aparentar que estava em um bom dia, o compacto almejado acabou não se materializando. Deixando Hollywood de lado, seguem para Memphis.
Macaquice
No caminho, Iggy estava cheirando discretamente na bandeja da sua poltrona no avião, e depois, fumava um baseado dentro do banheiro durante o vôo. Uma vez o avião tendo aterrizado, enchia a cara até a hora de começar o show. Na grande maioria das noites, quando finalmente subia ao palco, já estava fora de si e com a voz baleada. Quem abriu para os Stooges nesta ocasião foi The New York Dolls que, após uma hora de show, teve David Johansen preso por beijar um homem que tentava subir no palco. Homossexualismo, como também travestir-se de mulher era proibido no estado de Tennessee em 1973. Os integrantes dos NY Dolls não são presos, mas Johansen acabou na cadeia da delegacia por conduta inapropriada.
Durante o show do Stooges, surge uma surpresa para toda a banda, já que em pleno set aparece um homem vestido em uma roupa de gorila! E para complicar, Iggy havia sido jogado na noite anterior nos arbustos em frente ao seu hotel onde acabou por dormir só se dando conta onde estava quando acordou. O resultado da noite ao relento foi a perda da voz pela manhã, e como remédio, Iggy se entope de barbitúricos além de uma boa injeção de metadrina, dada por um médico para ele poder ter alguma voz para o show. Iggy diria: "eu estava enxergando triplicado, me segurando no pedestal do microfone para manter o equilíbrio e não cair, quando de repente aparece um gorila vindo na minha direção, me agarrando enquanto eu ainda estava cantando. Eu estava alucinado de medo, pensava que era um gorila de verdade!" No final, se tratava de ninguém menos do que Elton John querendo fazer uma brincadeira com um artista cuja música ele admirava.
Elton comentaria no final da noite: "eu simplesmente não consigo entender como ele ainda não é uma grande estrela". Davey Johnstone, guitarrista da banda de Elton John, também presente na ocasião, rasga enormes elogios ao trabalho de James Williamson. Iggy riria e comentaria posteriormente que Elton é "um cara muito bacana".
Iggy estava a esta altura da excursão tomando muitas doses de vodka e tranqüilizantes, combinação que geralmente faz a pessoa rolar os olhos para trás e desmaiar. Em Atlanta, Iggy tomara tantos tranqüilizantes que não conseguia ficar de pé. Tiveram que injetar anfetamina e cocaína para que ele pudesse subir no palco e se dependurar no microfone. Fecharam a semana de shows em um clube chamado Poor Richard's. A banda toda se encheu de Pó de Anjo e fizeram todos uma apresentação lembrada não pela música mas pelos eventos bizarros que aconteceram, já que em momento algum Iggy e os Stooges conseguiam coordenar a fala com a música.
Pegaram então um trem para Washington DC para um show com bastante promoção local, no que seria a segunda passagem dos Stooges pela cidade nesta excursão, desta vez em show a ser realizado no Kennedy Center For Performing Arts, onde o grupo abriria para Mott the Hoople. A noite seguinte acabaria com uma garota digamos... meio grande, pesada, e que provavelmente namorava um motoqueiro de alguma gangue, no quarto com os irmãos Asheton. Ela se deixou ser amarrada na cama pelos pés e braços com cintos, totalmente nua. Ron e Scott, com a ajuda de uma caneta, desenharam todo o corpo da mulher como um açougueiro marcaria um boi. Então a imagem seria de um corpo que estava com as delineações devidamente marcadas e rotulados: contrafilé, maminha, lombo, etc.
Dezembro 1973
Começando o último mês do ano, The Stooges tocariam ainda nas cidades de Jacksonville e Daytona, fazendo excelentes apresentações na Flórida. Tanto que o roadie Chris Ehring, que depois passaria a ser o gerente de excursão da banda, levantou a teoria que os Stooges se apresentam melhor nos lugares de pouca representatividade, em cidades pequenas. Em cidades cosmopolitas onde os bastidores estavam cheio de pessoas dizendo para Iggy que o amavam, eram os lugares onde Iggy ferrava com tudo. Ele ficava com medo de palco, se entupia de alguma coisa e sua apresentação ficava uma merda ou simplesmente acabava pelo meio. A teoria certamente condiz com eventos ocorridos em certas noites, se não todas. Irresponsabilidade e completa falta de profissionalismo também tem sua parte nesta história de tragédias cômicas.
O grupo segue para Nashville, Tennessee, onde se apresentam em um bar chamado Mother's, casa em que eles já tocaram antes, embora com outra formação. Adentram o local do show, na hora que a banda de abertura estava passando som. A banda era composta por roadies do Allman Brothers, todos caipiras sulistas extremamente musculosos que, ao ver os integrantes dos Stooges, os confunde com uma banda meio gay, e começam a fazer comentários obscenos, prometendo estuprá-los. Os Stooges imediatamente se trancam no banheiro até a hora do show. Mais tarde, fazem uma apresentação primorosa a ponto dos caipiras se desculparem: "nós não sabíamos que vocês podiam tocar assim".
Em Nova Jersey, no penúltimo show da banda no ano, Iggy momentos antes de entrar encontra uma menina que ele define como "alguém com pinta que estava doida pra fuder". Então mesmo contra o seu melhor julgamento, leva ela até o banheiro, a deita no chão e transa ali mesmo. No meio para o final, os irmãos Asheton estão batendo na porta rindo e avisando que já foram chamados ao palco. Iggy então sai pingando, enquanto a garota no chão do banheiro suplicava entre gemidos que ele fique. Ron vestido de nazista faz uma introdução em alemão que para alguns acaba ficando como o grande destaque da noite. Tanto que a JDL (Liga em Defesa Judaica) termina por expulsar os Stooges da cidade.
O último show do ano foi no Academy of Music em Brooklyn, realizado no reveillon. A noite foi dividida entre Kiss, New York Dolls e The Stooges, tendo o Blue Oyster Cult como banda principal. Steve Harris, presente esta noite, foi visitá-los nos bastidores antes do show. Iggy estava bem, a banda estava quicando, doida para entrar e tocar. Harris conta que saiu para sua mesa e quinze minutos depois o mestre de cerimônias anuncia os Stooges, mas nada da banda aparecer.
Quando a banda finalmente entra em cena, com um atraso considerável, o fizeram sem Iggy, levando aquele riff de introdução repetido ad infinitum até o vocalista aparecer, o que levou mais tempo do que seria normal. Quando Iggy finalmente aparece, ele estava completamente chapado e todo mundo imediatamente sabia que seria mais um daqueles vexames. Iggy vomita, arrota, esquece aonde ele deveria entrar, tropeça e cai do palco. A banda precisa parar e recomeçar, mas apesar de cantar com alguma fúria e autenticidade, Iggy não se lembra da letra de nada e portanto nenhuma versão fica boa. Um gran-finale catastrófico para a mais longa excursão que a banda tenha realizado em todos os seus anos de atividade. Este show também foi gravado para posteridade com intuito inicial da CBS de lançar um disco ao vivo. Ao final da noite, Iggy estava estirado no chão frio do vestiário, rolando em cerveja derramada e pontas de cigarro. Seus sonhos, como sua vida profissional, estavam a caminho da sarjeta.
Últimos Eventos
A esta altura, o embalo inicial do disco "Raw Power" já perdera efeito e as loucuras despirocantes de Iggy já o transformaram em uma piada de mau gosto. Jeff Wald se afasta e os Stooges começam eles mesmos a cuidar de seus negócios. O roadie Chris Ehring passa a exercer as funções de gerente de excursões enquanto Iggy cuida ele mesmo de fechar datas para a banda tocar.
Ao final de 1973, Clive Davis deixa a CBS e mais tarde funda a Arista Records. Perdendo o empresário que os bancavam, e sem nenhum peso dentro da CBS, uma vez que Steve Harris e Clive Davis já tinham deixado a casa, não havia quem se interessasse em ajudá-los. Muito pelo contrário, muita gente dentro da CBS queria se livrar da associação com Iggy e os Stooges o quanto antes.
No início de 1974, em um de seus momentos menos infeliz, durante um festival em Wisconsin, Iggy conhece a cantora Buffy Saint Marie, com quem teve um caso relâmpago de uma noite. É interessante notar como Iggy Pop, quando careta e relaxado, conseguia ser extremamente educado e encantador, atraindo seguidamente as atenções de todas estas pessoas bonitas e interessantes, um artista charmoso e cavaleiro. No entanto, uma vez chapado, já que ele nunca demonstrou maiores considerações por dosagens, passa a agir como o Diabo da Tasmânia, totalmente fora de controle, com a mente orbitando outro planeta - bem, bem longe, possivelmente em outra galáxia.
Durante o final de 1973 e o início de 1974, os Stooges ainda fizeram algumas gravações em estúdio a título de demos. Os shows já incluíam várias canções novas que, em muitos casos, tinham uma letra que mudava de show em show, com partes murmuradas e ininteligíveis. O repertório incluía "I Got Nothing", "Cock In My Pocket", "Johanna", "Rich Bitch", "She Creatures of Hollywood Hills", "My Girl Hates My Heroin", "Jesus Loves The Stooges", "Wet My Bed", "Born In A Trailer", "Open Up And Bleed" e "How It Hurts."
Algumas destas letras são de mensagens diretas. Como por exemplo em "Ritch Bitch" (Puta Rica) onde diz "e sua vagina é tão grande que se pode passar um caminhão e todo cara que você encontra sabe que você já foi comida". Uma memorável dedicatória para aquela garota de Nova Jersey comida no banheiro as vésperas de subir ao palco, talvez? Ou mesmo "Cock In My Pocket" (Pau No Meu Bolso), onde declara, sem meias palavras: "eu quero apenas foder, não quero nenhum romance. Eu tenho um pau no bolso, yeah baby, e eu gosto dele".
Sem empresário, sem gravadora, sem dinheiro, pois tudo ia para pagar quarto de hotel e comida, o que sobrava ia pras veias. Não é à toa que Ron Asheton era o único que conseguia guardar alguma coisa para emergências. Ron conta: "estávamos perdidos quando não estávamos na estrada. Vivíamos em hotéis baratos ou apartamentos alugados. A roupa de palco era tão suja que ficava em pé sozinha no canto, escondida no banheiro por causa do cheiro. E no dia seguinte, a vestia novamente, nunca ficando em um lugar tempo suficiente para poder fazer a lavanderia".
Mas os Stooges era uma banda que se recusava a morrer. Iggy passava a marcar os shows sem nenhuma estratégia. O que pintava ele aceitava, obrigando a banda a ir de um lado para o outro do continente seguidas vezes. E nessa, acabaram tocando também em lugares muito barra pesada.
O Iguana Versus os Escorpiões
Já jogaram de tudo em mim. - Iggy Pop
O ano de 1974 para os Stooges confere três apresentações em janeiro e seis em fevereiro, a última sendo possivelmente a mais lendária, graças em parte a um disco pirata chamado "Metalic KO", que passou a circular registrando o evento, onde o público literalmente joga de tudo em cima da banda, mirando principalmente seu vocalista.
Iggy fez um levantamento humorado sobre o assunto: "já me cuspiram, me socaram, já me acertaram com ovos, dinheiro, com clipes de papel, máquinas fotográficas, sutiãs, cuecas, trapo velho, vestimentas mais caras como cintos e coisas assim. Já me acertaram com uma atiradeira, frutas diversas, uma garrafa de Johnny Walker Black Label. Eu sei que foi um Johnny Walker Black Label porque a banda depois pegou a garrafa e me mostrou. Jogaram uma garrafa de Whiskey em mim! Passou muito perto da minha cabeça, não tive nem tempo de reagir, e por pouco não me acerta. O vidro era tão pesado que a garrafa não quebrou. Eles realmente fazem uma boa garrafa."
Mas esta história na verdade começa no show anterior, realizado em Wayne, Michigan, em um barzinho barra pesada chamado Rock And Roll Farm. Uma boa porção do público daquela noite eram membros e amigos de uma turma de motoqueiros chamado Scorpions. Entre eles tinha um sujeito em particular que chamou atenção do Iggy. O Iguana por sinal, estava vestido com um chapéu de mulher com três flores, um saiote e sapatos de bailarina como roupa de palco desta ocasião.
Durante todo o show, o motoqueiro estava jogando ovos em sua direção. Chegou um ponto que o Iguana resolveu confrontar o seu rival. Então podem imaginar a cena esdrúxula do baixinho Iggy Pop, descendo do palco e indo na cara e coragem para encarar o motoqueiro. O homem era três vezes o seu tamanho com um braço mais grosso que a coxa de Iggy. Em uma das mãos ele usava uma luva de couro com taxas pontiagudas.
Iggy sabia que ia apanhar, mas não podia mais continuar a ignorar o cara jogando ovos, portanto, em sua cabeça, era melhor resolver a coisa do que deixá-la se estendendo a noite toda. O cara deu a primeira e Iggy não caiu, deu a segunda, terceira, quarta e assim por adiante. Iggy não caiu, mas estava em um estado de estupor que em momento algum conseguiu reagir.
Havia tanto sangue jorrando pela cara que o motoqueiro cansou. Iggy não caiu, não pediu arrego, só ficou ali como um João-Bobo esperando o cara matá-lo ou respeitá-lo. O cara cansou e de certa forma, respeitou o cantor nanico vestido de bailarina. Iggy então retorna para o palco e canta "Louie, Louie." Diria Iggy: "quando tudo mais falha, vá de 'Louie, Louie', tocado bem alto, que ela irá tirar você de qualquer situação".
No meio da briga, alguém do bar chamou a polícia que acabou chegando e ajudando a tirar Iggy de lá. Durante o dia seguinte ele veio a saber que o que se passara na noite anterior nada tinha a ver com a maneira que a banda estava tocando, era apenas a noite de batismo daquele motoqueiro na gangue, e sua missão era passar a noite jogando ovos em Iggy Pop. Ao invés de deixar o ocorrido como assunto morto, Iggy vai até uma rádio e convida todos os Scorpions a freqüentar o próximo show para jogarem o que quiserem, se tiverem coragem.
E assim se sucedeu o que acabou se tornando o histórico último show dos Stooges. Realizado em Detroit no Michigan Palace, praticamente uma casa para os Stooges; os Scorpions em peso apareceram e encontraram a banda no palco cercada de guarda-costas, todos membros de outra gangue de motoqueiros chamados Child's Children. Então os Scorpions ficaram na platéia do meio para trás apenas jogando coisas na direção do Iguana. Coisas neste caso incluíam frutas e legumes estragados, mudando depois para garrafas de cerveja e vinho. Iggy por sua vez, contratara alguns amigos para zunir essas coisas de volta para o público. Algumas das meninas da frente jogaram algumas calcinhas que Iggy entendeu como uma demonstração de carinho.
Momentos humorísticos incluíam Scott Asheton implorando para que Iggy não fique na sua frente e colocando um prato estrategicamente situado de forma que seu rosto fosse protegido durante toda a noite. Felizmente não houve nenhum incidente maior, afora a quantidade de garrafas sendo jogadas em cima do artista principal. Ninguém sabia aquela noite, mas esta seria a última apresentação dos Stooges.
O show foi registrado para a posteridade em um gravador de quatro canais por Michael Tipton, amigo de Ron Asheton que morava em Detroit. Sem fins lucrativos, Tipton fez uma cópia para cada integrante da banda. Aí Ron conta: "Iggy, James e Scotty perderam as suas cópias e eu era o único a manter uma porque eu guardo tudo. Aí James Williamson em 1976 me pede a fita emprestado porque ele dizia ter um projeto de engenharia de som para fazer. Nunca recebi a fita de volta e de repente aparece o disco com aquele show. Iggy e James venderem a única cópia para a Skydog por $2.000. Michael Tipton ficou furioso, foi ele quem gravou o show e eles não lhe deram um centavo pelo seu trabalho".
Iggy conta uma história um pouco diferente, dizendo que James Williamson vendeu a fita para Marc Zermuti, dono da Skydog, sem ninguém saber. Zermuti foi então para França onde Iggy não poderia encontra-lo e lançou o disco primeiramente por lá, em julho de 1976, sob o título "Metalic KO". Na época o Punk estava no auge do interesse popular, e o disco tornou-se um registro de certa importância.
Os Stoges então retornam para Ann Arbor para o que seria uma semana de descanso. Ron conta que recebeu um telefonema de Iggy dizendo que estava exausto tanto física quanto mentalmente: "me desculpa Ron, mas eu preciso deixar a banda. Eu não consigo continuar, simplesmente não consigo lidar mais com a situação". E foi desta forma relativamente simples que os Stooges acabaram de vez em fevereiro de 1974.
Ron Asheton analisa assim a opção de Iggy: "Havia muita coisa acontecendo. A comparação entre Iggy e Bowie, para começar. Iggy estava sempre nos jornais, onde escreviam sobre ele como uma nova estrela do rock que estava a caminho de uma carreira solo fantástica. Iggy foi lendo sobre quão grande ele era, e como ele poderia se dar melhor sem os Stooges. Alguns shows levavam apenas o seu nome sem menção aos Stooges. Tudo isso criou uma distância entre Iggy e a banda. Ele estava mental e fisicamente esfolado de verdade, e acabou se tornando tão nervoso e tenso que precisava tomar tranqüilizantes para relaxar".
Fim de uma Etapa
Iggy Pop, James Williamson, Ron Ashton e Scott Asheton iriam se reencontrar em Los Angeles, porém não mais como uma banda em um projeto Stooges. Ron e Scott viajaram para LA apostando que lá Iggy acabaria aproveitando os dois para novamente trabalharem juntos, mas não foi assim que a coisa transcorreu.
Dave Alexander
Morando com a mãe desde sua saída da banda, Dave Alexander recebeu parte de uma herança e investiu na bolsa de valores, aparentemente conseguindo uma pequena fortuna, que segundo alguns relatos, era da ordem de centenas de milhares de dólares. Continuou amigo de Ron Asheton, inclusive levando-o ao aeroporto quando Ron seguia para Los Angeles. Duas semanas depois ele estava morto. Encontrado morto em casa em 10 de fevereiro de 1975, Dave Alexander era um alcoólatra sem responsabilidades e morreu em decorrência de uma úlcera, graças a seus excessos inebriantes.
Scott Thurston
Com o fim dos Stooges, Scott Thurston continuou trabalhando com Iggy Pop e James Williamson no álbum que acabou sendo lançando com dois anos de atraso, "Kill City". Thurston depois iria tocar com Ron Asheton em uma segunda formação de New Order, sua banda nova. No entanto, nenhum destes trabalhos iria render muitos frutos.
O trio Thurston, Williamson e Pop voltaria a tocar junto novamente durante a gravação de "New Values", álbum de Iggy Pop a ser lançado em 1979. Thurston colaborou tocando baixo, guitarra, harpa, teclados, vocais, além de escrever todos os arranjos de sopros. Levaria outros dois anos para surgir um convite de Brian Glasscock, com quem trabalhou junto em "Kill City", para participar de outro grupo, The Motels, que vivia um bom momento na década de oitenta. Seu envolvimento com eles durou três anos, e dois LPs, justamente o período auge do grupo.
Deste ponto em diante, Scott Thurston seria conhecido como um excelente músico de estúdio e seria contratado por vários artistas, participando até hoje em discos de nomes como Melissa Etheridge, Jackson Browne, Glenn Frey, Tom Pety e Bonnie Raitt.
James Williamson
Morando junto com Iggy Pop em Los Angeles por boa parte do ano de 1974 e 75, obviamente investindo na parceria, James Williamson tenta gravar e produzir o álbum definitivo de Iggy Pop. Financiado por Bob Edmonds, as sessões finalmente aconteceram no estúdio particular de Jimmy Webb durante o mês de março e abril de 1975. O material resultante acabaria sendo finalmente lançado em novembro de 1977, com o titulo de "Kill City". O álbum é ainda bem próximo ao som dos antigos Stooges, mais do que qualquer outro disco solo que Iggy passaria a gravar, mas têm suas diferenças, já que consegue um pouco mais de equilíbro entre o esporro e a melodia.
Ajuda o fato da maioria dos músicos serem da última formação dos Stooges, salvo os irmãos Asheton. Temos Iggy Pop nos vocais, James Williamson nas guitarras e Scott Thurston que pode demonstrar todo o seu talento em vários instrumentos, participando não só nos teclados como também na guitarra, baixo, gaita de boca, e efeitos variados. Também convidado a participar é o baterista Brian Glasscock, ex-Toe Fat, irmão do baixista John Glasscock do Uriah Heep, que além de fazer a maioria das percussões, também contribui com alguns vocais no álbum. John Harden aparece no saxofone enquanto James Williamson produz e mixa todo o disco.
No repertório podemos ouvir também duas canções remanescentes do repertório ao vivo da última formação dos Stooges, mas que jamais tiveram uma gravação oficial lançada. São elas "I Got Nothing" e Johanna". "Open Up And Bleed", que também fez parte destas sessões acabaria de fora. As outras faixas, todas composições novas da dupla, são "No Sense Of Crime", "Kill City", "Sell Your Love", "Beyond The Law", 'Lucky Monkeys", "Night Theme" e "Consolation Prizes."
Depois de passar o restante daquele e praticamente todo outro ano tentando vendê-lo para alguma gravadora, James Williamson aparentemente sentiu a necessidade de se afastar totalmente da cena musical para curar de sua dependência com heroína, condição básica para conseguir focalizar suas energias no futuro. Sumindo totalmente do circuito, Williamson voltou à escola, fazendo um curso técnico e tornando-se um engenheiro elétrico. Morando em Los Angeles, acabou se envolvendo com computadores no parque industrial existente na região conhecida pelo nome de Silicon Valley. Seu hiato dos estúdios sofreria uma rápida interrupção em 1979, quando participa do disco "New Values" de Iggy Pop, junto novamente com outro ex-Stooges, Scott Thurston. Depois de casar, em algum período da década de oitenta, James Williamson acabaria trabalhando como executivo da CBS gravadora, que depois se transformaria na atual Sony Records.
Ron Asheton
Preso em Los Angeles sem dinheiro para retornar de imediato a Detroit, Ron Asheton acabou formando uma nova banda e fazendo de Los Angeles seu quartel general. Constituída por amigos de Detroit, nasce a banda New Order, com Ron Asheton na guitarra, Jimmy Recca no baixo, ambos ex-integrantes dos Stooges, Dave Gilbert nos vocais e Dennis Thompson, ex-integrante do MC5, na bateria. Durante sua estada em LA, ele veria Iggy e James Williamson em algumas ocasiões, mas não havia mais nenhum resquício de amizade.
Outros músicos a participar de algum momento da banda New Order foram Ray Gun na guitarra, Jeff Spry nos vocais e Scott Thurston, outro ex-Stooges, nos teclados. New Order teria sua grande chance de gravar um álbum em outubro de 1976. O disco, lançado pela RCA, não foi promovido e acabou totalmente ignorado. The New Order acabaria antes da chegada do ano novo. Este conjunto americano nada tem a ver com a banda inglesa com o mesmo nome, oriunda do Joy Division.
Retornando para Ann Arbor e freqüentando novamente o circuito musical de Detroit, Ron Asheton acabou se unindo à banda Destroy All Monsters, formada em 1973, mas que da formação original mantia na época apenas os namorados Cary Loren e a ex-modelo Niagara. Seguindo a entrada dos irmãos Larry e Ben Miller, respectivamente na guitarra e saxofone, vieram Ron King na bateria, Ron Asheton, e o Michael Davis, ex-baixista do MC5. Este fato traz maior exposição da banda para a mídia local, e o grupo acaba gravando e lançando seu primeiro compacto em outubro de 1976.
Diferente de qualquer outra banda da época, Destroy All Monsters fazia um som mais próximo ao que na década de oitenta seria chamado de rock industrial, tendo atuado no circuito de Ann Arbor por um ano e meio entre 1978 e 1979. Neste período lançaram apenas dois compactos "Bored" com "You're Gonna Die" e "Meet The Creeper" com "Nov. 22nd, 1963", que por sinal é a data em que o Presidente John F. Kennedy foi assassinado. Quando Niagara e Ron Asheton começaram a ter um romance, Loren deixa o conjunto, seguido pelos irmãos Miller. Destroy All Monsters continuaria com apresentações ocasionais até meados de 1985.
Em 1981, Ron Asheton ainda passaria pela banda The New Race, de Deniz Tek e Rob Younger, ambos ex-integrantes do The Radio Birdman, conjunto com algum respaldo dentro de Michigan. A banda gravaria um álbum ao vivo intitulado "The First And The Last". Asheton sumiria durante o restante da década, reaparecendo nos anos noventa tocando com a banda The Empty Set. O resultado desta colaboração se traduziu no álbum "Thin, Slim and None". Animado, Ron gravaria novamente um álbum com sua companheira Niagara, chamado "The Last Great Ride", a banda agora sob o nome de Dark Carnival.
No final da década de noventa, Ron foi convidado a compor e gravar músicas para a trilha sonora de Velvet Goldmine, um filme sob a era Glitter, que se prende a personagens que são claramente baseados em Marc Bolan fase T. Rex, Iggy Pop fase Stooges e David Bowie fase Ziggy Stardust & the Spiders of Mars. No filme, a banda em questão seria chamada de Wilde Rattz, e em sua formação temos Ron Asheton dos Stooges, Mark Arm do Mudhoney, Thurston Moore e Steve Shelley do Sonic Youth.
Scott Asheton
Em 1975, Scott estava morando com Ron em um apartamento próximo ao Hyatt Hotel. Ainda nutrindo um hábito por heroína, numa bela ocasião desmaia junto à janela e quase cai do quinto andar. O que o salvou foi Ron agindo rápido e conseguindo segura-lo pelos calcanhares. Era hora de mandá-lo de volta para a casa dos pais. Scott diria: "Eu fui pra casa lamber as feridas". Levaria quase dois anos para que Scott pudesse se considerar realmente limpo dos tóxicos em seu corpo.
Após um considerável período de recuperação, Scott Asheton se juntaria a um grupo de amigos, todos ex-integrantes de alguma banda com algum prestigio dentro do eixo Detroit - Ann Arbor. Com o imponente nome de Sonic's Rendezvous Band, temos um grupo formado por Fred 'Sonic' Smith, ex-MC5 na guitarra; Scott Morgan, ex-Rationals na guitarra e vocais; Gary Rasmussen, ex-Up no baixo; e Scott 'Rock Action' Asheton, ex-Stooges na bateria.
A banda continuaria junta durante o restante da década de setenta, tocando basicamente dentro do circuito de Ann Arbor e Detroit. Muito em função de seus integrantes, Sonic's Rendezvous conseguiu atrair interesse e efetivamente dar lucro, mesmo que marginal. Com Fred Smith freqüentando a casa dos Ashetons com maior regularidade, foi uma questão de tempo para o velho fogo entre Fred e Kate Asheton voltar a queimar.
O grupo chegou a lançar um compacto, "City Slang". Interesse através dos anos, mais as facilidades da era digital, trouxeram à tona um pequeno número de discos piratas com apresentações ao vivo além de material de estúdio, que até o momento não foram lançados oficialmente.
Seria por volta de 1979, com o namoro entre Patti Smith e Fred Smith levando à casamento, que as respectivas bandas de cada um seria extinta, aparentemente os dois queriam cuidar de uma etapa diferente de suas vidas, longe dos palcos. É o fim do Patti Smith Group e Sonic's Rendezvous.
Sumido durante a década de oitenta, Scott se reúne com seus ex-colegas do Sonic's Rendezvous em 1989, sob o nome de Scotts Pirates. Sua formação incluía Scott Morgan na guitarra e vocais, Gary Rasmussen no baixo e Scott Asheton na bateria. Outros músicos passam pela banda que lança pelo menos dois álbuns: "School Kids" e "Revolutinary Means", respectivamente em 1994 e 95. Scott reapareceria com o grupo Sonny Vincent's Rat Race Choir no álbum "Pure Filth" em 1997.
Iggy Pop
Já Iggy Pop, como todos sabem, continuou com uma carreira solo cheia de altos e baixos. Sua vida estava uma loucura tão grande, totalmente imerso em depravação e alienação química, que Iggy acabaria o ano se internando no Instituto Psiquiátrico da Universidade de Los Angeles Califórnia (UCLA) em uma tentativa de passar a se alimentar corretamente e parar com as bebidas e drogas.
Uma vez de volta para as ruas, participou de inúmeros projetos que só o trouxeram de volta para a vida de sexo e drogas. Em tempo, ele se associaria a David Bowie, se mudando para Berlim e gravando o primeiro de uma série de álbuns que abriria sua carreira solo para a geração punk e iniciaria sua redenção financeira e re-estruturaria sua autoconfiança profissional. O primeiro álbum, apropriadamente intitulado "The Idiot", e o disco a seguir, "Lust For Life", foram promovidos por uma excursão européia de grande sucesso crítico e financeiro. Iggy estava novamente na crista da onda; mas isto fica para outra biografia; aqui estamos fechando o assunto com os Stooges.
Um Novo Milênio com os Stooges
Seria somente depois do novo milênio que Ron Asheton, Scott Asheton e Iggy Pop voltariam a tocar juntos novamente. Isto ocorreu quando Mike Watt, ex-baixista das bandas Minuteman e Firehose, apresentou Ron Asheton ao J Mascias, guitarrista de sua nova banda The Fog. Mascias adorava o material dos Stooges e convidou Ron para excursionar com eles como convidado especial, fazendo ao final do show um set com The Fog tocando material dos Stooges. O resultado foi de agrado de todos, músicos e público, tanto que estendeu-se um convite para Scott Asheton assumir a bateria se ele assim o quisesse. Scott na mesma hora aceitou dizendo: "eu não conheço Watt ou Mascias mas se meu irmão gosta deles, devem ser boa gente".
Então foi no ano de 2001 que se iniciou a série de excursões nos Estados Unidos e Europa promovidas como J. Macias & The Fog with Special Guest Ron Asheton. E ao unir Ron e Scott Asheton, tocando material dos Stooges, tem-se no palco uma explosão visceral que até então só se ouvira falar, mas que havia trinta anos ninguém mais ouvira. Steve McKay, saxofonista da era Funhouse, acabou se juntando à troupe e as casas passaram a encher ainda mais. Havia cantores de outras bandas se convidando a cada noite para fazerem o papel de Iggy no set. Sabe-se de participantes como Evan Dando do Lemonheads e Bobby Gillespie do Primal Scream.
E enquanto tudo isto estava acontecendo Iggy Pop, vendendo relativamente poucos discos, estava excursionando durante o ano de 2002 com The Trolls e ouvindo em tudo que é cidade na América e na Europa que os irmãos Ashetons estavam na estrada tocando só material dos Stooges e que era um sucesso fenomenal. Finalmente Iggy fez a chamada telefônica e o resultado foi umas sessões de gravações realizadas entre 13 e 23 de janeiro de 2003, no Criteria Studios em Miami.
O álbum resultante, intitulado "Skull Ring", seria lançado em setembro na Inglaterra e novembro de 2003 nos Estados Unidos, marcando fonograficamente a parceria de Iggy Pop com os Stooges. "Skull Ring" tem apenas quatro faixas com os Stooges, mas gerou interesse o suficiente para uma excursão americana iniciada em 27 de abril de 2003, seguida de outra Européia, a primeira fora dos EUA na história da banda. No repertório, apenas material dos Stooges vindo dos primeiros dois discos, Ron Asheton tendo sua vingança contra James Williamson, fazendo questão de sua ausência tanto em pessoa quanto em repertório.
Mas apesar deste retorno com os Stooges, Iggy ainda é um artista solo e continua paralelamente excursionando com a sua banda atual, The Trolls. Em momento algum lhe interessava andar para trás em sua carreira e voltar a trabalhar exclusivamente com seus antigos amigos do velho bairro. E a excursão com os Stooges passa a ser ocasional, assim como integrantes do The Who ocasionalmente tiram um ano qualquer para excursionarem juntos. The Stooges já viajaram por todo o mundo tocando inclusive no Brasil no final do ano de 2005.
Iggy optou por continuar trabalhando primeiramente com um grupo de músicos jovem que queiram o prestígio e a experiência adquirida ao tocarem com ele, como é o caso de sua atual banda, The Trolls. Todavia, ao final do ano de 1975, poucas pessoas apostariam que Iggy Pop viveria para ver o final da década de setenta, quanto mais ver chegar à virada do milênio. Contudo, no melhor estilo Stooges, Iggy Pop é um cara que simplesmente se recusa a passar despercebido. Ele se recusa a enferrujar, e se recusa a morrer esquecido. Kudos para quem tem tamanho Tesão Pela Vida!
Esta matéria vem através de informações de fontes diversas. Segue então uma lista de livros e websites importantíssimos para a sua realização:
Websites:
- All Music Guide
- The Art Shack
Livros:
I Need More – Iggy Pop
Gimmie Danger: The Sotry of Iggy Pop – Joe Ambrose
Please Kill Me: The Uncensored Oral History Of Punk – L. McNeil e G. McCain
Iggy Pop: The Wild One - Per Nilsen e Dorothy Sherman
Bowie - Loving the Alien - Christopher Sandford
David Bowie - A Chronology - Kevin Cann
Backstage Passes – Angela Bowie
Tesão Pela Vida: A História de Iggy Pop
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