O grande sucesso do Ultraje a Rigor que foi proibido por fazer "propaganda comunista"
Por Bruce William
Postado em 15 de janeiro de 2024
Em 1983, o cenário musical brasileiro era dominado pelo rock do Rio de Janeiro com bandas como Blitz, Os Paralamas, Kid Abelha e Lulu Santos. Em São Paulo, um movimento alternativo de bandas com discurso mais sério buscava destaque, e o Ultraje a Rigor se destacou como uma banda diferente, com letras engraçadas e postura irônica.
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A banda ganhou proeminência durante a campanha pelas Diretas Já, em 1983, com a música "Inútil", que criticava a falta de habilidade do povo brasileiro em escolher um presidente, entre outras críticas sociais e políticas. Mas a canção por pouco não foi lançada, já que inicialmente ela foi vetada pela censura, ainda em vigor na época.
Esta história é relatada por Júlio Ettore em um vídeo onde fala sobre a música, que chegou a ser acusada de "fazer propaganda comunista", quando dois técnicos da censura escreveram o seguinte parecer: "O refrão é o reforço das mensagens de cunho pessimista, onde o brasileiro é retratado como um inútil, porque não tem liberdade e nem condições econômicas para viver uma vida mais digna. Considerando os aspectos descritos, opinamos pela NÃO LIBERAÇÃO da obra citada, pois a mesma enfoca somente aspectos negativistas com relação à situação do brasileiro, retratado como povo oprimido e faminto".
O segundo parecer foi ainda mais contundente, pois ele considerou a letra uma propaganda comunista: "Considerando a retratação da teoria Marxista dentro do contexto da obra, uma vez que esta vai contra os valores nacionais e de certa forma desrespeita o sistema político vigente, sugerimos a não liberação da letra musical sob censura".
Para piorar ainda mais, a chefe do serviço de censura foi ainda mais contundente, dizendo que a letra "fere a dignidade do povo brasileiro, tachando-o de inútil, seres completamente desnecessários". Com isto, a música foi proibida, e a gravadora só tinha três alternativas: desistir da música, alterar a letra ou entrar com recursos. E esta última foi a alternativa adotada pela gravadora.
Mas neste meio tempo, para forçar a situação, cópias da música acabaram caindo na mão de algumas pessoas, e uma delas, o radialista Osmar Santos, além de exibir em programas de rádio, tocou a canção durante um dos comícios pelas Diretas Já, e com isto, aos poucos, a música foi se tornando conhecida e, como na época estava acontecendo uma pressão muito grande pela abertura política por parte da sociedade, a música acabou sendo liberada e lançada, ainda em 1983.
Matéria da Folha de São Paulo sobre o livro "O Girassol que nos Tinge: Uma História das Diretas Já, o Maior Movimento Popular do Brasil", do jornalista Oscar Pilagallo, relata que a música do Ultraje, repleta de críticas ao governo e à sociedade, com ironias sublinhadas pela concordância verbal torta: "passeia por mazelas brasileiras, com menções à política industrial ('a gente faz trilho e não tem trem pra botar'), ao descuido social ('a gente faz filho e não consegue criar') e à censura ('a gente escreve peça e não consegue encenar'). Roger olha também para o próprio umbigo ('a gente faz música e não consegue gravar') e reflete o desapontamento nacional com a Copa perdida pelo futebol-arte ('a gente joga bola e não consegue ganhar'). Foi o verso de abertura, porém, que catapultou a música ao cenário político nacional:"A gente não sabemos escolher presidente".Era um grito que expunha frustrações e sacudia consciências, mexendo com os brios de quem, talvez vestindo a carapuça, se acomodara à impotência política".
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