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Coleções e Colecionadores: Oito mil LPs acumulados em vinte anos

Por Marcos A. M. Cruz
Postado em 16 de fevereiro de 2014

Quem compra discos de Metal pela internet com certeza já se deparou com a Castle Blak Records, mantida pelo paulistano Nelson, que também é um colecionador há mais de vinte anos e bateu um papo conosco, além de mostrar seu invejável acervo.

Olá Nelson, por favor, fale um pouco sobre você, o que coleciona, e por qual motivo?

Tenho hoje 47 anos e iniciei ouvindo Rock em 1983 quando peguei alguns discos emprestados de um amigo vizinho com exatamente a mesma idade que eu (nascemos no mesmo dia, mês e ano, sou 10 horas mais velho que ele) mas que já estava um pouco à frente no assunto música pesada. Lembro que os álbuns eram Girlschool - Hit and run, Iron Maiden - The number of the beast, Black Sabbath - Vol. 4, Motörhead - No sleep ´till Hammerschimit (ao vivo), mas o primeiro disco de rock que realmente ouvi na vida, que estava entre os emprestados foi o triplo do The Clash, Sandinista. Engraçado eu nunca ter sido muito fã de punk, apesar de como este disco me marcou no início...

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Na época eu trabalhava como empacotador em um supermercado e ganhava salário mínimo. Os discos eram poucos e custavam uma FORTUNA. Lembro que fiz os cálculos com o que ia receber com as minhas primeiras férias, e dava para comprar TRÊS discos de prensagem nacional apenas, na única loja que vendia discos de Hard e Heavy, uma pequena rede chamada Hi-Fi e que tinha lojas em 3 shopping centers em São Paulo (Ibirapuera, Iguatemi e Morumbi), além da pioneira na rua Augusta perto da avenida Paulista. Foi na loja do Ibirapuera onde comprei meu primeiro LP: AC/DC - Back in black.

A Hi-Fi tinha algo inovador na época, cabines feitas de madeira e vidro com uma vitrola onde você podia levar os discos e escutar antes de comprar. Isto é, na verdade nem todo mundo tinha dinheiro para comprar, mas queria ouvir... com isto os vendedores, que já nos conheciam por sermos pés-rapados, ficavam chutando as portas e batendo com a chave no vidro para sairmos e liberarmos a "moita" pra quem queria realmente comprar e tinha grana. Somente desta maneira conseguíamos saber dos lançamentos lá de fora (com anos de atraso, é verdade), pois as outras maneiras de ouvir Rock eram somente assistindo ao programa de clips Som Pop na TV Cultura nos sábados à tarde ou o do Leopoldo Rey no rádio (não lembro o nome do programa) das 23h à 1:00h no sábado, transmitido pela extinta Excelsior.

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Havia também o Museu do Disco, que tinha importados e só íamos para OLHAR as capas, pois acho que com 3 discos importados na época dava pra comprar UMA MOTO... Lembro que foi só lá que consegui pela primeira vez ver a CARA de membros de bandas como Scorpions olhando a capa do Tokyo Tapes, pois somente tínhamos o Blackout na época (haviam saído outros nos anos 70, mas estavam há muito tempo fora de catálogo), que saiu aqui sem encarte / fotos.

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Ah, o Museu era só pra olhar mesmo (risos)

Sim. Mas eu fiz toda esta "introdução" para explicar o motivo de eu colecionar: a partir de 1988 consegui um emprego melhor, comprei um aparelho de som (antes ouvia naquelas vitrolinhas, que fechadas viravam uma maleta), então foi meio que uma "desforra" da minha falta de grana do início, uma corrida atrás do tempo perdido. Agora eu tinha dinheiro suficiente para comprar muitos discos, foi como uma "cura espiritual" que eu mesmo me administrei.

Com isso ia ao centro de São Paulo todos os sábados, nas Grandes Galerias na 24 de maio (ainda não era chamada "Galeria do Rock") e voltava com tantas sacolinhas que minhas mãos doíam. Chegava a "recrutar" amigos para me ajudarem a carregar as sacolas até em casa.

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Basicamente minha coleção de 8 mil LPs é formada por 70% Heavy Metal e Hard Rock, 15% Thrash Metal, 5% AOR (Adult Oriented Rock) e os outros 10% Death Metal, Progressivo, etc. Tenho também uns 150 7" e uns 100 CDs, mas os CDs nem estão na minha lista porque não gosto deles, só esuto muito de vez em quando no carro. Tenho uma lista em Excel com cada disco catalogado por país de origem da banda / artista com: nome; título; ano; formato; estilo ; idioma; gravadora; prensagem; número de série e comentários, nesta última linha eu coloco se tem encarte (s) , prospecto de merchandising, OBI, memorabilia, etc. incluídos, e onde também escrevo meus releases sobre o disco depois que o ouço.

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Bem, quando você considera que deixou de ser um simples ouvinte e passou a ser um colecionador?

De uma maneira geral somente comecei a colecionar em 1988. Antes disso eu vendia o almoço para comprar a janta... lembro que em 1984, com 17 anos, tinha 3 discos: Def Leppard - Pyromania, The Rods - Wild dogs e Krokus - Metal Rendezvous. E eu os vendi para comprar batida de frutas com vodca quando saía do colégio à noite...

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Putz!

Mas a grande reviravolta foi quando comecei a trocar discos com pessoas do exterior em 1990. Isto aumentou imensamente a perspectiva da coisa, pois não estava mais preso somente ao que as lojas me ofereciam aqui no Brasil, podia fazer as minhas próprias escolhas, e às vezes tinha 70, 80 discos que chegavam por semana para escutar.

Comprei uma revista inglesa chamada Metal Forces numa banca de jornal chic e na seção de penpals (amigos por correspondência) achei um americano chamado Paul Charles Rote que procurava discos da banda inglesa da NWOBHM Desolation Angels.

Este disco foi lançado aqui pela Rock Brigade Recs. em 1987 e você praticamente tropeçava neles no centro da cidade, ninguém queria (diferente de hoje), custava menos de 1 real (apesar de o Real ainda não existir na época), aí eu entrei em contato com ele. Ele me pediu para enviar 5 cópias e alguma coisa de bandas brasileiras, para ele conhecer a cena daqui.

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Como os tempos mudam...

Bom, ele simplesmente ADOROU Centúrias, Harppia, Azul Limão, Alta Tensão, Calibre 38, Salário Mínimo, Zona Abissal, Astaroth, Vodu, Golpe de Estado, etc. e me enviou em troca JOIAS que eram simplesmente impossíveis de se achar aqui: Grim Reaper, Griffin, Manilla Road, Savage, Diamond Head, Satan, Blitzkrieg, Blind Fury e muitos outros! Eu
me sentia como uma criança na manhã de Natal quando seus pacotes chegavam!

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Depois de certo tempo o LP do Desolation Angels deixou de ser prioridade para Paul e sim o Metal Nacional, eu enviava VÁRIAS CÓPIAS do mesmo disco para ele mandar para seus outros amigos americanos e estrangeiros. Sem brincadeira, só de Centúrias - Ninja / Última noite e Harppia - A ferro e fogo devo ter mandado umas 500 cópias no total para o exterior. Pode parecer presunção minha , mas sei que ajudei BASTANTE na divulgação do Heavy / Thrash / Hard / Rock brasileiros no exterior, pois 70% da minha coleção atual foi conseguida somente com trocas para o exterior de discos de bandas brasileiras.

A partir de Paul Rote eu conheci outras pessoas interessadas em trocar, através do endereço que vinha no verso das caixas de papelão que ele enviava para mim, pois mesmo riscando ainda dava para ler... aí eu escrevia uma CARTA (lógico que nada de email...), perguntava se o cara estava interessado em trocar discos e aumentava a minha rede de contatos.

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Assim conheci Luc Torfs (Bélgica), Roberto Barberio (Itália), Stefan Riermaier (Alemanha) só para citar alguns que conheci pessoalmente quando fui à Europa em 1995. Outros "traders" foram de países como Japão, México, Grécia, Tchecoslováquia, Polônia, Espanha, Inglaterra, França, etc. Cheguei a ter contatos em Luxemburgo e Liechtenstein.

Depois chegávamos mesmo a "negociar" contatos entre nós, do tipo: "Nelson, se você me der o endereço de um contato na Argentina eu dou o de um da Suíça pra você..." Foi aí que me tornei realmente um colecionador sério, chegava mais disco que que eu tinha tempo para escutar...

Nelson, quais os ítens mais raros que você tem no acervo, e quais deram mais trabalho pra conseguir ou foram os mais caros?

Tenho muita coisa rara, pra ser justo, vou mencionar um de cada da maioria dos países de onde tenho discos:

Black Rose - same (África do Sul)
Rue Morgue - same (Alemanha Ocidental)
Babylon - Dynamit (Alemanha Oriental)
2112 - Alterando las divisiones (Argentina, tá na cara que é influenciado por RUSH ...)
Saracen - same (Austrália)
Speed Limit - Prophecy (Áustria)
Rescue - same (Bélgica)
Peso - Em busca do tempo perdido (Brasil, profético este disco ...)
Antix - Baptism of fire (Canadá)
Kraken - same (Colômbia)
Asiana - Out on the street (Coréia do Sul)
Harlot - Room with a view (Dinamarca)
Glasgow - Zero four one (Escócia)
Cadena Perpetua - En nombre de la paz (Espanha)
Zish - Original sin (Estados Unidos)
Gobra - The first at last (Finlândia)
Steel Angel - Kiss of steel (França)
Tredegar - same (País de Gales)
Magna Carta - same (Grécia)
Proud Existence - The trial (Holanda)
Griff - 100 szent tgeret (Hungria)
St. Hellier - Terra firma (Inglaterra)
Trojan - The march is on (Irlanda)
Start - ... em hún snýst nù samt (Islândia)
Lunar Sex - same (Itália)
Bombarder - Bez milosti (Iugoslávia)
Hellen - Talon of king (Japão)
Zeus - Preso (México)
Witchhmmer - 1487 (Noruega)
Strikemaster - Good´n´ready (Nova Zelândia)
STOS - same (Polônia)
Tarantula - same (Portugal)
Commando - Templul placerilor (Romênia)
Blizzard - Fading away (Suécia)
AZ - The end of man´s eternity (Suíça)
Sifon - 100 hríchu (Tchecoslováquia)
Paranoia - Evil´s revenge (União Soviética)
Alvacast - Al borde del abismo (Uruguai)
Arkangel - same (Venezuela)

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Acervo fantástico, Nelson!

E na verdade nenhum deu mais trabalho que outro, pois a maioria eu consegui nos anos 90, quando ainda não havia esta "febre" das pessoas pelo vinil, com preços ultra-inflacionados, eu troquei cada um por um disco de banda brasileira. Acho que uma exceção foi o Alvacast, nunca consegui um contato no Uruguai e devo ter pago uns 100 dólares nele pois era um disco que eu sempre quis muito. O Peso eu também comprei, 100 reais nos anos 90, que era uma grana na época...

Também paguei meio caro pelo Peso quando comprei meu exemplar, o vendedor queria 80 dólares, negociei e paguei 70 dólares pro sujeito - em moeda americana!

Trabalho tive talvez também o Alvacast - Inocente ... haste que se demuestre lo contrario e o Exciter - Kill after kill, que eu tive que VIAJAR pra conseguir, Buenos Aires e Londres, respectivamente.

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E existe algo em especial que você procura e ainda não conseguiu? Você pode dizer quanto estaria disposto a pagar por ele?

Lógico que existe, um colecionador nunca consegue absolutamente TUDO! E aí é que está a graça de ser um, como o cavalo que está sempre correndo atrás da cenoura na frente do nariz e nunca alcança... não tenho ainda coisas como X-Caliber, Xcel, Warchylde, Paradoxx, Thatcher, Venin e centenas de outros discos caríssimos e raríssimos, mas sou um cara muito pé no chão. Nunca dei o passo maior que a perna, nunca pensei em adquirir um disco só para mostrar aos outros que eu tenho e assim estourar meu orçamento.

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Sempre pensei muito mais na MÚSICA em si e menos na disponibilidade / raridade de um disco. Prefiro ouvir um Dokken de 5 reais, um excelente disco, do que uma banda americana raríssima, que saiu só 100 cópias, mas o som é uma PORCARIA, só que o disco custa 1000 dólares, o que o faz algo "altamente colecionável"...

É como diz o Calanca (Baratos Afins): que adianta um disco ser raro, se mais raro é achar quem gosta dele?

Exato. Hoje eu poderia pagar 200 reais em um disco com certa folga, mas não o faço. Prefiro ir jantar num bom restaurante com a minha mulher com este dinheiro.

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Conheço gente (principalmente colecionadores mais jovens, que parecem ter uma espécie de "competição" entre eles pra ver quem consegue o disco mais raro e caro) que estourou o cartão de crédito, atrasou prestações de carro e mora de aluguel na periferia porque gasta 800, 1000 reais em um disco só pra posar com ele no ombro (como se fosse seu filho...) em foto pra colocar na internet e os outros verem.

Eu prefiro morar numa casa grande, totalmente paga, confortável em um bairro bom, ter carro do ano quitado na garagem, nenhuma prestação (nem atrasada, não ter nem mesmo crediário) atrasada e algum dinheiro no banco. Bom, cada um sabe o que faz da sua vida.

Com certeza! Nelson, colecionadores compulsivos muitas vezes pensam mais nos discos que eles ainda não tem do que os que eles já tem. Você se identifica com isto? Ser um completista o impede de sentir o prazer de ouvir música?

Não, não me identifico, como mais ou menos expliquei acima. Vou te dizer o que faço para curtir minha coleção. Se eu recebo um disco de uma banda de Metal Tradicional americana de 1985, antes de escutar eu vou na minha lista em Excel, procuro na pasta Estados Unidos bandas de vários estilos que tenham lançado disco em 1985. Pego uma de Thrash, uma de Power, mais uma de Tradicional, uma de Hard Rock "farofa" e uma de AOR ou Rock Clássico, normalmente. Escuto nesta sequência, do mais "bravo" para o mais "suave", a quantidade de discos suficiente para me dar tempo de tomar um copo americano de suco de frutas com vodca e mais 5 garrafas de cerveja long neck. Durante estas cerca de 4 horas eu leio revistas especializadas, faço uma pesquisa da banda que estou escutando e escrevo um rascunho com a resenha do disco, as minhas impressões daquele álbum naquele momento, particularidades da banda, curiosidades, etc. Depois passo a limpo na minha lista definitiva em Excel, para depois publicar com a foto da capa no meu perfil do Orkut com o comentário. Desta maneira estou sempre ouvindo os discos que tenho há bastante tempo e acho que é a melhor maneira de usufruir da minha coleção. Um conselho que dou para os colecionadores é procurar ouvir discos que há muito tempo estão na prateleira, vocês vão se surpreender. Mais de uma vez eu ouvi pela segunda vez um disco que só tinha ouvido quando o recebi, 20, 25 anos atrás e não tinha gostado na época, e me surpreendi positivamente na segunda vez.

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Dentro de sua coleção, quais os seus trabalhos favoritos?

Esta é uma pergunta muito difícil de responder, e vou fugir pela tangente... eu costumo dizer que tenho MIL discos preferidos, de cabeceira. E é verdade.

Por fim, qual o último álbum que você comprou, e onde você costuma comprá-los?

Vários discos chegam toda semana, pois hoje eu TRABALHO exclusivamente com a venda de LPs, CDs, revistas, etc. no Mercado Livre e Orkut (Castle Blak Records), a maioria para revenda, mas um que eu queria escutar há muito tempo chegou ontem, uma banda chamada Apocalipsis do México, cujo original é raríssimo e caríssimo de 1991, mas que finalmente foi relançado com 2 bônus. E compro sempre do eBay.

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Sobre Marcos A. M. Cruz

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