Totem: a resistência sonora do rock e das tradições negras na ditadura uruguaia
Por Aroldo Antonio Glomb Junior
Postado em 13 de março de 2024
Neste natal eu ganhei um disco sensacional da banda uruguaia Totem chamado Descarga, de 1972, em uma edição de 2020 bem caprichada. Já conhecia esta banda, mas é complicado encontrar algo em mídia física, por isso o segundo disco do Totem está rodando muito aqui em casa.
Ao lado de Psiglio, Dias de Blues e Jesus Figueroa, o Totem é um símbolo de resistência em um certo período (anos 70) em um país mergulhado pela idiotice que é uma ditadura militar (Uruguai) e com a mistura de rock com um estilo negro (candombe).
Ou seja, se você é um banco azedo, ultra direitista e conservador, este texto não é para você.
Vamos falar sobre a banda formada em 1970 por Eduardo Useta, um dos grandes violonistas da música uruguaia, e Rubén Rada, "El Negro", artista sensacional! Useta sugeriu a Rada continuar o legado de sua primeira banda, El Kinto, que foi uma das pioneiras do candombe beat.
Opa, vamos fazer algumas explicações:
1 - Candombe é uma dança com atabaques típicos da América do Sul muito conectado com o Uruguai, reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura como Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade. Basicamente, é uma manifestação cultural originada a partir da chegada dos escravos da África ao continente sul-americano que tem reflexos, em menor escala, em Minas Gerais e na Argentina.
2 - El Kinto foi uma banda contracultural que não teve grande popularidade e se separou em 1970. Um pouco antes, Rada largou a banda em 1968, quando partiu para o Peru tocar com o pianista Mike Dogliotti.
Agora voltamos…
Totem nasceu como sexteto, com nomes de peso na cultura musical uruguaia. Além de Rada e Useta, a banda tinha Mario "Chichito" Cabral, outro ex-Kinto; Roberto Galleti, na bateria; Daniel Lagarde, no baixo; e Enrique Rey, na guitarra.
A banda começou a tocar em shows no Uruguai antes de lançar seu primeiro disco e a estreia foi no Club Universitario de Salto, no dia 6 de dezembro, em um baile para a Juventude do Partido Comunista, tocaram no dia 7 em Paysandú e no dia 20 em Montevidéu, sendo o primeiro supergrupo" da nascente cena roqueira uruguaia.
Totem, disco homônimo, foi lançado em julho de 1971. Ele conta com alguns dos clássicos da banda, como "Dedos" e "Biafra" - esta última canção, aliás, traz uma interpretação serena e quase doce de um Rada, que já se mostrava como uma das melhores vozes do Uruguai.
Totem foi gravado nos estúdios ION na noite do dia 1 de maio de 71. A banda o gravou em dez horas, tocando ao vivo, entre a noite de sábado e a manhã de domingo. Isso foi porque De La Planta, selo com que foi gravado, tinha um acordo com ION, o ÚNICO estúdio com equipamentos decentes do país para gravar em horários livres.
O disco era diferente do rock uruguaio da época praticado pelo grupo Los Shakers, pois Totem usava toda complexidade de El Kinto combinada com o beat que chegava ao continente nesses anos, temperado com o som nativo influenciado pelo candombe afro latino.
Outro detalhe: a aparição de um Santana, endiabrado, no documentário de Woodstock, impactou o som latino no rock e deu mais luz ao som do disco.de estreia do Totem.
A banda se posicionou como uma das mais populares do Uruguai, esgotando suas apresentações e aparecendo em programas da TV, rádio e com seu disco editado na Argentina. A banda, inclusive, tocou na histórica edição do Buenos Aires Rock de 1971.
Totem fez uma música original e inovadora, que combinava elementos do candombe, do rock e do beat. A banda foi uma das pioneiras do rock cantado em espanhol no Uruguai.
No entanto, a onda de ditaduras que se espalhou pela América Latina no início dos anos 1970 afetou a banda. A essência hippie e contestatária de Totem não era bem-vista pelos regimes ditatoriais.
O segundo disco, Descarga, deu mais visibilidade, mas o clima já estava ruim pela conjuntura social. A essência hippie e contestatária criou má fama, mesmo com a estreia do show deste segundo disco sendo marcado pelo show no histórico teatro Solis, bem bonito, no centro de Montevidéu, quando mais de duas mil pessoas não conseguiram entrar de tanta gente.
Descarga foi gravado no mesmo estúdio do primeiro e é um puta disco, apesar das opiniões dos críticos musicais não terem sido ão boas quanto as do LP de estreia. Foi lançado em Casapueblo (sem ter sido lançado ainda), sem a presença de Galetti na bateria, substituído por Santiago Ameijenda. A segunda apresentação do álbum foia que citamos, dia 09 de julho de 1972, no Teatro Solís.
No final de 1972, devido principalmente à situação sócio-política do país que estava afundado em uma ditadura pesada, o desempenho do grupo começou a cair. Rubén Rada e "Lobito" Lagarde deixaram a banda, juntando-se à primeira formação do Gula Matari (grupo que neste período inicial apenas fez alguns recitais no início de 1973). Roberto Giordano (baixista) e Tomás "Chocho" Paolini (que tocava saxofone, flauta e clarinete) se juntam ao grupo. As primeiras vozes do grupo passam a ser as de Useta e Rey.
Em janeiro de 1973 gravaram seu terceiro e último álbum, "Corrupción". Das oito músicas do álbum, seis são assinadas por Useta, uma por Cabral e outra por Rey. Embora seja um álbum respeitado pelo público e pela crítica, a ausência de Rubén Rada foi sentida..
A banda se dissolveu no início de 1974, num contexto geral no Uruguai de desaparecimento de vários grupos musicais. A última apresentação foi no Olímpia, poucos dias antes da separação.
[an error occurred while processing this directive]Como aconteceu com muitos artistas latino-americanos, a onda de ditaduras impulsionadas no continente obrigou o grupo a uma separação quase inevitável.
Rubén Rada uma vez disse:
"Não teve tempo para a banda chegar ao topo. Gravamos apenas dois discos. Não éramos um grupo fácil nem comercial. Mas se tivéssemos continuado por mais alguns anos, teríamos sido a glória do Uruguai"
Rada fez uma carreira de sucesso que está aí até hoje e o legado do Totem é fundamental para o rock uruguaio.
E você, o que acha da música de Totem?
Aroldo Antonio Glomb Junior é jornalista e Athleticano
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