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Zamrock: conheça a ascensão e queda da cena roqueira da Zâmbia, nos anos 70

Por André Garcia
Postado em 24 de janeiro de 2022

O volátil e inflamável potencial revolucionário do rock fez com que ele transcendesse a música e participasse (protagonizando ou como coadjuvante) de muitas das transformações culturais, artísticas, sociais e até mesmo políticas ocorridas nas décadas de 50 e 60, nos EUA e na Inglaterra.

A partir daí, com uma projeção global, a revolução se alastrou por diversos outros países que ansiavam por mudanças. E mudanças eram muito ansiadas na Rodésia do Norte, colônia inglesa no continente africano que, em 1964, ano da beatlemania, declarava independência, e mudava de nome para Zâmbia.

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A população branca do país, que constituía sua classe média, convencida pelo presidente, decidiu não emigrar. E foi através dela, que importava discos que estavam fazendo sucesso em solo inglês, como Beatles, Rolling Stones e Jimi Hendrix Experience, que Zâmbia foi apresentada ao rock.

Em pouco tempo aquela música já tinha rompido as barreiras de raça e classe social e conquistado jovens negros e pobres, como Rikki Ililonga e Emmanuel "Jagari" Chanda, que logo trataram de conseguir instrumentos para aprender a tocar suas músicas preferidas.

Nascimento

Assim surgiram as primeiras bandas de rock da Zâmbia. Duas delas se tornaram populares o bastante para chegarem a fazer apresentações na televisão: Lukasa Beatles, formada por Ililonga e Rave 5, formada por Jagari; respectivamente, uma banda que tocava os clássicos dos Beatles, e uma outra que não tinha pudor em copiar os Rolling Stones.

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No começo dos anos 70, devido à Guerra do Vietnã, a cotação do cobre não parava de subir, o que fez com que, em Zâmbia, um dos maiores exportadores do metal no mundo naquele período, se vivesse dias de prosperidade com uma das maiores rendas per capita do continente.

Os jovens, loucos por rock e empregados nas minas e ferrovias, gozavam pela primeira vez da liberdade financeira, que eles celebravam com a compra de discos e indo a shows. Havendo cada vez mais demanda, surgiram cada vez mais interessados em organizar eventos, e cada vez mais bares e hotéis contratavam as bandas.

Assim que se tornou possível para jovens como Jagari e Ililonga viver de música, eles sem pensar duas vezes largaram seus empregos para se dedicar exclusivamente a ela. E daí surgiu a necessidade de levar aquilo mais a sério.

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Jagari acabou com o Rave 5 e formou o WITCH, com letras em sua maioria em inglês e uma pegada mais roqueira. Ililonga acabou com o Lukasa Beatles e formou o Musi-O-Tunya, com letras em sua maioria em idiomas africanos e uma pegada mais regionalista.

Primeiros passos

Nos primeiros anos da independência zambiana foi editado um decreto presidencial que obrigava as rádios do país a dedicar 95% de sua programação à música nacional, visando estimular o desenvolvimento de uma nova e própria identidade cultural ao país. Isso tornou as estações um terreno fértil implorando para ser ocupado, e os grupos estavam famintos para expandir seu território.

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No entanto, para tirar proveito daquele cenário ideal eles teriam que realizar um feito até então inédito para eles: gravar suas músicas. O que estava longe de ser uma tarefa simples naquele país, onde ainda não existia gravadora, estúdio de gravação ou fábrica de discos.

Para produzir Introduction — não apenas o disco de estreia do WITCH, mas o primeiro disco de uma banda rock na história da Zâmbia — Jagari viajou mais de 2 mil quilômetros até Quênia para voltar de lá trazendo consigo 200 cópias, que foi a quantidade que ele conseguiu carregar na bagagem. E, apesar da modesta tiragem, o lançamento foi um sucesso. Principalmente entre os demais grupos, que logo trataram de também lançar seus álbuns.

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A era de ouro

O tempo foi passando e seguiu soprando bons ventos para a Zâmbia, que seguia vivendo um próspero momento econômico, e para a garotada, que seguia gastando seus salários com discos e shows, que além de baratos, eram cada vez mais diversificados e abundantes.

1 pacote da melodia dos Beatles; rebeldia dos Rolling Stones a gosto; 1 xícara do swing de James Brown; 4 colheres da guitarra psicodélica de Jimi Hendrix; 2 cubos da pegada do Black Sabbath; 1 litro de rock de garagem; e 1kg de ritmos africanos. As bandas jogaram tudo isso em um caldeirão e cozinharam em fogo alto até que ficasse em ponto de uma inconfundível identidade musical própria. Um prato que foi batizado pelos radialistas de zamrock.

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Aquela cena viveu sua era de ouro em 1975, quando novas bandas não paravam de surgir, enquanto as já consagradas lançavam seus melhores trabalhos e gozavam do status de rockstars, tocando para multidões em estádios. E até mesmo levando para os países vizinhos aquela revolução que dava cara àquela jovem nação. Uma revolução não apenas na música, mas também na forma de falar e se vestir, de se expressar.

O começo do fim

Na segunda metade da década de 70, a cotação do cobre despencou, afetando diretamente a Zâmbia, que, sem alternativas para sustentar a economia, apenas pode assistir a disparada do desemprego e da inflação derrubar o poder aquisitivo da população. E quem sentiu na pele as consequências foram as bandas, que até pouco tempo andavam de limusine, e viram suas fontes de renda secarem da noite para o dia.

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Os músicos praticamente deixaram de ver a cor do dinheiro da venda de álbuns, pois além da queda provocada pela nova realidade econômica da população, ainda havia um problema grave de pirataria decorrente da falta de controle de propriedade intelectual. Além disso, as rádios começaram a mudar seu foco para a música tradicional e a estrangeira, obrigando as bandas a dependerem de suas apresentações ao vivo.

Entretanto, as apresentações ao vivo também entraram em declínio após Zâmbia começar a ser bombardeada em represália ao apoio de seu governo a grupos separatistas nos países vizinhos, que em sua maioria ainda eram colônia ou estavam sob o apartheid.

Além de frequentes apagões, esses ataques também foram responsáveis por levar o presidente a decretar toque de recolher para impedir a circulação das 18h às 6h. Por conta disso, quem fosse a um show teria que passar muitas horas trancado no local.

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Incapazes de entreter a plateia por tanto tempo, as bandas foram substituídas pelos DJs, que carregavam horas e horas dos maiores sucessos da disco music em uma única maleta.

Naufrágio

Os anos 80 trouxeram para o país uma situação econômica caótica, com a crise do petróleo fazendo disparar a cotação do barril ao mesmo tempo que as constantes greves provocadas pela inflação e o desemprego fora de controle. O momento era crítico, e obrigava a cada vez mais músicos abandonarem a música e procurarem um emprego. Jagari virou professor e, depois, mineiro; Ililonga foi tentar a vida de músico no exterior. E o pior ainda estava por vir.

Em 1984 foi reportado o primeiro caso de HIV em Zâmbia, o que deu início a uma catastrófica epidemia que, em poucos anos, chegou a infectar 13% da população adulta. Os músicos que ainda estavam na ativa, expostos pelo estilo de vida boêmio e pela falta de medidas preventivas, foram exterminados pela doença.

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No WITCH, com exceção de Jagari, todos os membros morreram de causas relacionadas à AIDS. O zamrock morreu, e seu corpo lentamente afundou na areia movediça do esquecimento.

Renascendo da cinzas

Foi apenas após o surgimento da internet (como conhecemos) que alguns geeks musicais redescobriram aquela cena, e conseguiram encontrar algumas fitas K7 velhas e LPs arranhados para extrair o áudio e compartilhar na rede. As bandas, até pouco tempo esquecidas, apareceram em blogs especializados da noite para o dia, atraindo assim ouvidos curiosos dos EUA e da Europa.

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E assim, com esse interesse renovado por elas, foi realizada uma expedição em busca das gravações originais, ou mesmo alguma cópia ou lançamento não oficial. O material encontrado foi tratado e lançado em CD, e posteriormente, foi disponibilizado via streaming. Assim, aquela música foi sendo descoberta por mais pessoas e ganhando visibilidade até que, nos últimos anos, Rikki Ililonga reformou o Musi-O-Tunya e o Jagari reformou o WITCH, que chegou a ter uma de suas velhas canções incluídas na trilha sonora da série Watchmen, da HBO.

O zamrock se recusou a ser perdido no tempo, como lágrimas na chuva, e segue, ainda hoje, de boca em boca, de ouvido em ouvido, de tela em tela, mantendo acesa a chama, a razão de um dia ter havido, lá na Zâmbia, um parque natural com um palco montado à beira de um lago para um mar de trabalhadores das minas, dos escritórios e estudantes, todos lá reunidos para beber, dançar, celebrar a vida e assar o pescado de lá mesmo, até altas horas da noite. Como um sonho. E enquanto o zamrock ainda for ouvido o sonho sobreviverá.

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E, já que você leu até aqui (obrigado!), não deixe de ouvir os álbuns e coletâneas de zamrock nas principais plataformas digitais!

Este artigo foi inspirado por esse vídeo do canal Bandsplaining (), e retirado do livro Liber IMP, de André Garcia.

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Sobre André Garcia

Sou redator e tradutor freelancer e escritor, autor do livro de contos Liber IMP. Ouço rock desde pequeno, leio coisas sobre bandas desde sempre e escrevo sobre ela já tem anos. Cresci como fã de Iron Maiden e paladino do rock, mas já me tratei. Hoje sou fã de nomes como Beatles, David Bowie, The Cure, Kraftwerk e Velvet Underground, e de cenas como a Londres psicodélica, a Nova Iorque proto-punk e a Manchester pós-punk. Escrevo notas e notícias rápidas para o Whiplash.Net visando compartilhar conteúdo relevante sobre música e cultura pop.
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