Nordeste: A nova onda do Black Metal Nacional

A TEMPESTADE DO BLACK METAL NORDESTINO
(OU A NOVA ONDA DO BLACK METAL NACIONAL)

Por Hellhammer

Shakespeare, no intróito de seu clássico Hamlet, disse certa vez: "Há algo de podre no reino da Dinamarca... ". Permitam-me, pois, parafrasear o bardo elisabetano ao dizer que existe algo de podre na terras nordestinas. Não apenas podre, mas também, obscuro, iconoclasta, blasfemo... E tantos adjetivos mais que couber para descrever esse rasgo dilacerante e profano, que vem tomando conta da cena extrema do nordeste de nosso País nos últimos anos. Trata-se da "Tempestade Brasileira do Black Metal Nordestino" ou usando um termo já cunhado e massificado pela literatura metálica mundial: "Nova onda do black metal brasileiro. "

Tal termo pode ser usado para a avalanche musical que impera no cenário extremo nacional, proveniente de bandas situadas no nordeste brasileiro. Em uma época em que a mesmice/mesmerismo tomou conta da cena musical brasileira, o Nordeste vem apresentando bandas com conteúdo musical, originalidade, embasamento filosófico e um "algo mais", que só pode ser traduzido na criação de um novo arquétipo de postura musical, que torna a ascensão dessas bandas, algo que foge aos convencionalismos estéticos da música extrema vigente.

Eu que cresci e vivi nessa região do País, tive que conviver com o secundarismo que o eixo sul-sudeste nos impunha, dado aos selos e bandas que hegemonizavam a cena metálica. Isso fez-me ver bandas, com alto potencial promissor, naufragarem nas areias dos preconceitos "raciais", que a mentalidade sulista impunha (e se você disser que isso não existia, ou provavelmente não viveu o metal nos anos 80/90 ou estava em outro planeta). Eu que vi bandas, que provavelmente rivalizariam com os ícones do metal mundial como Sepultura e Sarcófago, não saírem de suas cidades por puro preconceito e que acabaram em sub empregos, dados a seus músicos mais que talentosos, que tiveram o azar de nascerem em um lugar, longe dos centros de afirmação da "cultura brasileira". E que apesar da barreira impositiva que sofríamos, vibrávamos quando uma banda de nossa região, como por exemplo um HeadHunter ou Mystifier, triunfavam e conseguiam reverberar nossa voz à paulicéia ou pampas mostrando ao Brasil que aqui havia uma cultura metálica sim e de qualidade.

Hoje regozijamos ao hegemonizarmos, nós mesmos, os resquícios de fidelidade a música oculta brasileira. A nova onda do black metal brasileiro, talvez seja fruto deste rompimento de barreiras causado pelos novos veículos midiáticos, ou pela persistência das mesmas velhas bandas, que tinham em seu exercício, não a busca pelo ‘mainstream’, mas a realização de uma satisfação/necessidade pessoal e que veio após o tempo, em que apenas a solidez de consistência, separaram a paixão do modismo. Não obstante aos irmãos, que no lado austral propagam e perpetuam a musica obscura, e que nutrimos um profundo respeito e admiração, por nos ser avesso, os segregacionismos seja se raça ou de geografia, o Nordeste vem se mostrando forte, consistente e coeso, ante as metamorfoses do mundo metálico atual. É assim, que bandas como Pantáculo Místico (Ceará), Agnideva (Paraíba), Elizabethan Walpurga (Pernambuco), Mahavantara (Sergipe), Lord Blasphemate e Kataphero (Rio Grande do Norte), vem mostrando para o Brasil, a nova face da música extrema e que para simplificarmos, usamos a nomenclatura de Black metal (embora tais bandas margeiem as diversas vertentes e estilos da música negra e profana).

Todas as bandas acima, lançaram trabalhos nos últimos anos, que destoaram, não apenas a nível nacional, mas, num contexto macro das produções correntes. Mostrando uma originalidade e personalidade, e quiçá, criando uma "escola" (que assim como a escola helênica ou eslava) venha um dia ser chamada de "Tempestade do brasileira do Black Metal Nordestino". Todas as bandas citadas (a exceção do Mahavantara, a mais reclusa de todas), apresentaram lançamentos únicos, que nos faz questionar - não suas origens - mas as gerações que irão influenciar. E todas lançadas por selos do eixo Sudeste-Sul, como uma reverberação daquele grito que estivera preso a tanto tempo e que clamavam por espaço, em uma cena dominada, até então, por bandas, selos e revistas do eixo São Paulo/RJ.

A primeira delas é o Pantáculo Místico que vem das terras alencarinas, com um black doom cantado em português, em vocais e letras de uma densidade filosófica sem precedentes. A melodia de suas composições nos arrebata e nos transporta a uma viagem metafísica para um universo etéreo mais sutil de experiências místicas e sensações musicais. O novo trabalho da banda ‘Hermético’, vem seguindo a linha das demos ‘Magnidade Oculta’ e ‘velado por entidades’ e é uma obra prima digna de seu ouvida e re-ouvida, pois, possui uma atmosfera única em seu estilo que o identifica de imediato, como uma assinatura sonora, marca da originalidade da banda. Lançado por um conjunto de selos, entre eles Nuktemeron Rec (coisa comum hoje em dia, dado a crise pela qual atravessa a cultura em geral) ‘Hermético’ é um disco grandioso, que deu a banda um nome e respeito na cena brasileira, sendo uma referência nacional dentro de seu estilo.

O mesmo acontece com o Agnideva de Campina Grande. Uma banda nova, mas de músicos antigos na cena e de ideias ancestrais, pois é uma reminiscência de bandas que fizeram parte da cena extrema nacional como os ícones ‘Óstia Podre’, ‘Gore Vomit’ e ‘Abaddon’. Estreando logo de cara com o já ‘cult’ Kaliseva, lançado pelo selo Hammer of Damnation, a banda trás uma musicalidade crua, que mais lembra um rasgo de uma lâmina afiada, permeado de elementos Hindus que tanto musicalmente, como ideologicamente, dá a esta banda uma singularidade que marca sua estética musical. Quando muitos acreditaram que esgotaram-se as influências de Euterpe (musa grega da música) e que o metal dava seus gritos agonizantes finais, Agnideva surge como algo novo. Não apenas pelos elementos orientais que carrega, mas, pelo também, retorno ao antigo, ao tradicional. Numa aparente contradição, que se desfaz ao percebermos que o retorno ao ‘primitivo’ pode ser também inovador numa época de modismos imitacionistas.

De Pernambuco, o Elizabethan Walpurga nos trás o inclassificável. Em um estilo musical como o Heavy Metal, que nos brinda com uma infinidade de gêneros e sub Gêneros, que faz desse estilo de música a mais diversificada e rica de todas. O Elizabethan teima em encaixar-se no já existente e nos desafia a encontrar similar nos estilos musicais já produzidos. Chamar esse estilo de Heavy/black metal ou Black metal melódico é abordar apenas uma das múltiplas facetas que sua música nos trás e que não exprime a totalidade que seu som oferece. Lançando recentemente o seu primeiro CD ‘Walpurgnacht’ por um grande selo - Shinigami rec- raras são as bandas que tem a honra de debutar com tanta classe, estilo e sonoridade. O que para os apreciadores da banda foi mais que um presente, haja vista conhecerem apenas a demo ‘Desire’, que foi lançada recentemente em formato CD pela gravadora ‘Ordo Draconiam Black Label’. ‘Walpurgnacht’ é aquele lançamento que já nasceu clássico (assim como sua demo) e que emoldura a seleta galeria dos grandes álbuns nacionais ao lado de um ‘Morbid visions’ ou ‘Campo de extermínio’.

Pode uma banda que possui uma demo tape de apenas duas música e que nem foi lançada, ser uma das melhores bandas do Brasil? Pode sim e ela se chama Mahavantara! Oriunda de Sergipe, o único registro da banda que se conhece é a mais que obscura demo-tape (no sentido literal que esta palavra invoca) ‘Musicka thelêmica’. Com apenas duas músicas, esse registro musical tem algo de singular. A melodia das composições nos chama a atenção e nos deixa perguntando de onde eles tiraram influências para aquilo, sem encontrarmos resposta para essa indagação, dada a originalidade de suas músicas. Que somado as letras, cantadas em português (caso raro em que ficaram melhor que se em inglês fosse), O Mahavantara nos deixa com vontade de escutarmos mais e sabermos mais sobre a banda, que com certeza possui capacidade de sobra para rivalizar com qualquer banda internacional e que temos plena convicção, se algum dia gravarem um fulllenght será um ‘Thy might Contract’ brasileiro.

O Kataphero do Rio Grande do Norte é outra obra prima de erudição musical e temática. Quando escutei a primeira demo e o primeiro CD ‘LIFE’ (gravado ambos, diga de passagem, pelo fundador da banda Paulo Santiago), a primeira impressão que nos dá (devido a mentalidade colonialista que até hoje nos domina) é que aquele trabalho só pode ser fruto de alguma banda ‘gringa’. Não só pela qualidade da gravação, mais pelo conjunto da obra. Utilizando magistralmente os samples, que soam com extrema precisão em consonância ao trabalho das guitarras, Kataphero evoca os áureos tempos da cena grega, sem copiá-la, mas sim, aprimorá-la. Por isso, é comum muitos escutarem seus disco (que por sinal já esta no segundo CD) e perguntarem de qual país é aquela banda. Não acreditando que seja oriunda da ‘terra brasilis’ e mais ainda dos rincões nordestinos do Rio Grande do Norte.

Por último, também do Rio Grande do Norte, Temos o Lord Blasphemate. Veteranos na cena com mais de 25 anos de estrada. Lançam agora o sexto trabalho e o quarto CD chamado ‘Lucifer-prometheus’, pelo renomado selo Heavy Metal Rock. Mas falar desta banda e deste novo disco é trabalho que deixo a outros, por talvez entenderem melhor a dinâmica de suas interações líricas-filosóficas, o que para mim, por estar envolvido no turbilhão de sua criação, é difícil analisar.

Ao falarmos sobre a ‘nova onda do black metal brasileiro’, não tivemos a pretensão de descrever bandas, nem analisar suas obras. Tão pouco, instigarmos segregacionismos regionais, que tanto temos combatido. Mas, expor algo que as vezes nos foge a percepção, justamente por estar tão evidente, que é a formação de uma nova estética sonora ligada a música extrema e que vem se consolidando de maneira cada vez mais forte e impositiva pela sua qualidade e essência, nos enchendo de orgulho e admiração, por termos bandas de tão alto nível e qualidade.

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Muito já se falou no Brasil da ‘escola mineira e paulista’, Com o devido merecimento. Ambas foram grandes e contribuíram de maneira indelével para a formação do metal nacional e o que ele é hoje. Mas talvez, seja agora a hora, com a devida vênia, de falarmos desta nova escola do heavy metal, que oriunda do Nordeste, saiu dos séculos de sombras que a encobriam para conquistar seu lugar. Não na luz, mas na mais completa escuridão a que pertencem e que devem reinar e que chamamos de ‘A NOVA TEMPESTADE DO BLACK METAL NORDESTINO".

Hellhammer está em sua 16ª encarnação como guitarrista e fundador do Lord Blasphemate e já foi um artesão na antiga Suméria, padre apóstata dos cátaros, cavaleiro visigodo do reino das Astúrias e outras encarnações que esta ainda por descobrir.