Iron Maiden: prefácio do Livro das Almas não foi escrito pelo Papai Noel
Por Bruno Prado
Fonte: Bruno Prado
Postado em 13 de setembro de 2015
"Understanding the Book of Souls content will be a Matter of Life & Death which will demand bravery to break through the Final Frontier of this Brave New World and skills to make the Dance of Death"
(Entender o conteúdo livro das almas será uma questão de vida ou morte que demandará coragem para romper a fronteira final deste admirável mundo novo e habilidade para fazer a dança da morte)
A curiosa frase acima foi retirada de uma matéria sobre os últimos álbuns do IRON MAIDEN. Obviamente é apenas uma brincadeira mas serve também para ilustrar implicitamente o que está por vir e o quanto devemos abrir nossas mentes para entender o novo álbum do IRON MAIDEN que foi lançado mundialmente no início de setembro.
Não espere deste texto uma nova crítica musical ao Book of Souls nem uma abordagem técnica sobre cada música já devidamente escutada. Vamos analisar aqui um pouco da atual fase da banda, seu planejamento, os motivos de suas decisões e, desta forma, preparar você que é fã de IRON MAIDEN para o que está por vir: a realidade.
Se você é uma daquelas pessoas que está esperando uma nova música no estilo Prowler, Run To The Hills ou Moonchild... vá escutar Megadeth! Se você deseja uma nova Fear of The Dark, Wasted Years ou Clairvoyant... vá escutar Avenged Sevenfold! Agora se você está aguardando a chegada de uma nova Hallowed be Thy Name, The Trooper ou Powerslave... sinto muito, mas eu tenho pena de você.
Certas músicas e certos álbuns são como obras de arte. Únicos. Singulares. Inigualáveis. Só existe uma Monalisa, uma Venus de Milo, uma Capela Sistina, e... um único The Number Of The Beast! Temos que nos conformar com isso doa a quem doer. Nem Michelangelo, Da Vinci, Wagner, Shakespeare ou outro super-artista conseguiu ser genial do berço ao túmulo. Porque o IRON MAIDEN deveria ser?
Desde o retorno de Bruce e Adrian em 1999 os fãs anseiam por algo grandioso e revolucionário, maior do que banda possa oferecer, uma volta às origens pronta e rápida como se isso fosse sua vontade mútua. Mas não era. Nunca foi.
Se repararmos bem nas ações da banda, a sua linha de raciocínio fica ainda mais evidente. As turnês por exemplo, são separadas em dois tipos: especiais de verão europeu ("Ed Hunter", "Gimme Ed 'till I'm Dead", "Early Days", "Somewhere Back in Time" e agora "Maiden England") voltadas pro passado com músicas da década de 80. E as turnês de novos lançamentos, contemplando muito mais material recente do que antigo.
Na última tour de álbum por exemplo, Final Frontier, a banda chegou a incluir Dance of Death (a música) em detrimento ao grande clássico "Hallowed Be Thy Name"! das 3 turnês anteriores a essa, duas tiveram mais da metade do set-list composto por músicas recentes (incluíndo as da "Era Blaze") e uma teve o álbum novo, A Matter of Life And Death, tocado na íntegra!
Esse comportamento é algo sem precedentes na história da banda. Para se ter uma noção, a última vez que a quantidade de músicas recentes superou a de clássicos no set-list foi em 1983 na World Piece Tour (7 músicas novas se juntaram a mais 4 do álbum anterior, somando 11 das 18 executadas). Parece que a mensagem foi dada: "divertir-se relembrando o passado nas turnês especiais, mas sem tentar repeti-lo no futuro".
O IRON MAIDEN deste século, e do Book of Souls consequentemente, está mais cadenciado e maduro, procurando se renovar a cada lançamento. Em recente entrevista de Janick Gers para a Glide Magazine o guitarrista foi bem enfático: "fazemos o que estamos a fim e estamos sempre remando contra a maré", para depois concluir "Eu não sou uma pessoa que olha para trás. Muitas bandas por aí são uma paródia do que eles costumavam ser, (...) Você tem que olhar para o futuro. Estou muito orgulhoso do que fizemos no passado, mas você é válido apenas como uma banda orgânica se você viver o que está fazendo agora". (www.glidemagazine.com/145126/iron-maidens-janick-gers-talks-new-album-tour-plans-interview/)
Mas as palavras de Janick Gers tem uma explicação que vai além da pura e simples vontade de mudar: a idade. Steve Harris tem 59 anos e Nicko McBrain acabou de fazer 63. O baterista poderia até mesmo pleitear vagas e assentos para idosos no Brasil! Convenhamos... esperar que os caras sigam com a mesma pegada e velocidade de 30 anos atrás é exigir de mais. A mudança é algo obvio e natural. Comparem, por exemplo, a diferença de velocidade de execução das músicas nos vídeos Live After Death e Flight 666.
Não deveríamos esperar uma repetição de um passado distante e muito menos a cópia dos lançamentos recentes. O IRON MAIDEN deste século é algo completamente novo. E não há chance de voltar atrás ou lançar uma nova "obra-prima" baseada nos anos 80. Esqueçam. Como dito no início, para entender o novo álbum precisamos abrir a mente e analisar o que a banda vem fazendo nos últimos anos e as suas limitações.
Para os fãs mais saudosistas essa mudança de estilo traz desconfiança, mas é bom lembrar que o IRON MAIDEN sempre mudou seu estilo desde 1982 e sempre foi criticado por isso. Primeiro foi a troca de vocalista, diziam que o IRON MAIDEN estava abandonando suas raízes ao substituir DiAnno por Dickinson. Depois eles sofreram críticas pela aposta nos sintetizadores em 86 (algo que parece impensável hoje em dia pois todos idolatram o Somewhere in Time). E ao longo dos anos a banda sempre mudou sua forma de compor e tocar, as vezes com algo mais "crú", como no álbum No Prayer For The Dying, e outras vezes com algo mais experimentalista como no Virtual XI. Mas sempre sofrendo as mesmas críticas a respeito da mudança de rumo em cada álbum.
The Book Of Souls além de tudo, quando anunciado, prontamente levantou polêmicas e críticas por mais uma peculiaridade: um álbum duplo com músicas longas demais até para os padrões da banda. Falou-se em "queda livre", "falta de inspiração" e até "fórmula desgastada" para rotular o novo álbum. E ele sequer havia sido lançado ainda!
Aos poucos, quando álbum foi disponibilizado online para a mídia especializada em Rock, a voracidade das críticas diminuiu, mesmo assim, é nítido como todos os reviews até então focam APENAS no estilo sonoro sem abordar a questão da composição, dos arranjos, da harmonia, técnica e principalmente, das LETRAS.
Certamente você não achará um bom review do álbum explicando o que foi o grande Império das Nuvens (Empire of The Clouds) ou os motivos das lágrimas do palhaço (Tears of a Clown), nem como e porque o arranjo de suas respectivas músicas se encaixam (ou não) ao tema. Nada foi escrito. Parece que boa parte dos críticos musicais não se importa com a letra e muito menos com sua influência sobre a melodia. Tal como disse Bruce Dickinson recentemente "o valor atribuído à criatividade das pessoas hoje em dia está despencando ladeira abaixo".
Talvez parte deste "mau humor" de algumas pessoas possa ter sido influenciado pela arte da capa, muito abaixo dos padrões da banda (N.A.: nada contra o grande trabalho de Mark Wilkinson que fez uma versão de Eddie até muito boa. O problema é a ausência de elementos ao redor. Não há sequer uma pirâmide, um hieróglifo, uma pintura, cerâmica ou mural Maia. Nada). Uma capa que parece mais de um single do que de um álbum. O que dizer então de um álbum duplo!? Já existem até mesmo fãs criando capas alternativas muito melhores. (veja em goo.gl/rbwL0E e goo.gl/zjG0Yw)
[an error occurred while processing this directive]Francamente... o IRON MAIDEN poderia ter utilizado melhor a arte original, que envolve mais elementos, mais detalhes e se assemelha com as capas do Killers e Sanctuary por mostrar Eddie segurando um machado de basalto sujo de sangue (veja em goo.gl/q1RydO). Mas criticar o Book Of Souls só porque sua capa está mais próxima do nível "Dance of Death" do que "Somewhere in Time" é um erro crasso no qual prefiro não crer que alguém tenha cometido.
Recordem que lá atrás em dezembro, quando o IRON MAIDEN enviou um cartão de natal aos membros do fã-clube indicando que um novo álbum estava por vir, a expectativa era grande. O humor era outro. A especulação de um tema envolvendo os ninjas do cartão de natal (no telhado do estúdio) parece ter agradado. Só faltou avisar aos fãs que aquele Papai Noel vestido de Eddie não escreveria o prefácio do Livro das Almas.
[an error occurred while processing this directive]Mas afinal, este novo álbum venderá bem? E as mudanças? Elas estão fazendo o IRON MAIDEN levar mais pessoas a seus shows? Se levarmos em consideração os números recentes, tudo leva a crer que sim.
Com exceção dos álbuns da "era Blaze", que foram desastres de vendas e público, todos os lançamentos desde 1990 se destacaram de alguma forma a nível comercial tanto quanto os da década anterior. Mas vamos nos concentrar apenas na análise dos 4 últimos álbuns, justamente os que marcam a volta da dupla Adrian / Bruce e trazem essa mudança de estilo.
- Brave New World: foi #1 na Suécia e se destacou em mercados tradicionais como Alemanha e Finlândia.
- Dance of Death: foi #1 em dois países: Finlandia e Suécia, e alcançou a 2a posição "em casa", na Inglaterra.
- A Matter Of Life And Death: foi o 1º album da historia do IRON MAIDEN a entrar no top10 da Billboard EUA (9ª posição) com 56.000. Teve imenso destaque na Escandinávia, e na Índia foi o mais bem sucedido álbum de Rock de todos os tempos até ser superado pelo Final Frontier.
- Final Frontier: além de alcançar a melhor marca histórica de um álbum de rock na Índia, atingiu a posição máxima na Billboard EUA (4º) em toda a carreira do IRON MAIDEN com 63.000 un. O álbum também foi #1 em 28 países, incluindo a Inglaterra. Algo que não acontecia desde 1992 com o Fear Of The Dark.
A respeito das turnês, o número de shows vem crescendo substancialmente nesta década. Foram 52 em 2003 e cerca de 100 em 2013/14. Um aumento de quase 100%.
Isso sem contar a venda de produtos licenciados, que segundo Bruce, tem dado mais dinheiro que a venda direta de álbuns. (economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2014/01/28/empresarios-devem-pensar-fora-da-caixa-diz-vocalista-do-iron-maiden.htm)
Vale lembrar que tudo isso ocorre numa época onde a difusão da música digital torna a venda de álbuns cada vez mais difícil e a mídia dá muito pouco destaque a bandas do gênero.
Estaria o IRON MAIDEN remando para o lado errado ao lançar um album mais progressivo, com músicas longas e cadenciadas? Você pode concluir que sim. Afinal, gosto é algo bem pessoal. Mas o fato é que o IRON MAIDEN, com suas mudanças, está vendendo muito bem, obrigado. Então convence-los de que estão no caminho errado vai ser algo bem difícil.
Boa sorte aos que tentarem...
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