Edu Falaschi: Uma noite de redenção no Rio de Janeiro
Resenha - Edu Falaschi (Teatro Rival, Rio de Janeiro, 21/07/2017)
Por Marcello Cohen
Postado em 23 de julho de 2017
O Angra é uma instituição do Heavy Metal brasileiro. Sobre isso não restam dúvidas. Agora é inegável que a história da banda é rica em turbulências, polêmicas e coisas do gênero. Com fases e formações diversas, o Angra viveu o auge do estilo em dois momentos. Um com a formação original, e outro na inacreditável volta depois da saída de Andre Matos, Luis Mariutti e Ricardo Confessori. Coube a Edu Falaschi, Aquiles Prestes e Felipe Andreoli segurarem a bronca. Fizeram isso com lançamentos magníficos que marcaram toda uma geração no começo dos anos 2000. Esses tempos que Edu Falaschi decidiu reviver com a atual turnê.
Iniciativa de um cara bem quisto por todos da atual formação - em que pese a polêmica pelo nome da turnê aparentemente já resolvida - e por quem conviveu com ele naqueles dias, era hora de reviver uma época fantástica com o público. Já são seis anos que Edu saiu do Angra, e desde então sua carreira segue muito bem com o Almah e outros projetos. A causa era tão nobre que o homem conseguiu convencer Aquiles a tocar um material do qual ele se recusava a fazer há 10 anos. O mesmo fez questão de deixar isso claro ao longo da apresentação, falando que o motivo para aceitar era nunca ter tido nenhum problema com "aquele cara", no momento que apresentou o dono da festa para os aplausos - além de poder mostrar essas músicas no palco para quem não teve oportunidade de ver naqueles tempos. O tecladista Fábio Laguna foi outro a aceitar reviver o repertório do Angra, formando um verdadeiro time de estrelas. Do Almah, foram convocados o baixista Raphael Dafras e o guitarrista Diogo Mafra. Para fechar, Roberto Barros assumiu a outra guitarra. E que time entrosado!
Estava tudo pronto para um Teatro Rival sold out celebrar o legado do Angra com Edu Falaschi nos vocais. A antigo, pra lá de charmoso e acanhado teatro no subsolo da Cinelândia ficou pequeno para a noite, que teve muitos sem ingresso, forçando uma promessa de pronto retorno. Com um atraso mínimo, necessário para que todos os apressados que corriam do trabalho chegassem, a intro Deus Le Volt! da o clima do que seria a noite dali pra frente. Spread Your Fire, faixa que abre o fantástico Temple of Shadows, também é a responsável por fazer um público que tem o Angra no coração cantar cada verso com paixão. Em apenas uma música, fica clara a devoção do público pelo trabalho de Edu a frente da banda. Então Acid Rain, de Rebirth, segue exatamente com a mesma empolgação. O som vai se ajustando, mas já é muito bom. Running Alone, uma espécie de lado b da estreia de Falaschi, tem ótima recepção, com seu refrão marcante muito cantado.
Como de Edu, Aquiles - que teve o nome gritado na mesma proporção de Falaschi pelos presentes durante todo show - e Laguna todos já sabiam exatamente o que esperar, as atenções caíam sobre os responsáveis por tocar as partes de Andreoli, Kiko e Rafael nas gravações originais. Sim, isso não é tarefa simples, mas não tenho uma virgula para colocar nas performances. Todos tocaram com muita personalidade e correção, sem errar nada e conseguindo dar aquela sensação que estávamos em um show do Angra lá por 2004 num Canecão lotado. Entrar nessa e dar conta de partes tão complexas de instrumentistas acima da média não é para aventureiros, e o trio Raphael, Diogo e Roberto deu conta com sobras.
Ai Edu se dirige ao público com um sorriso no rosto de arrepiar. Com aquele consagrado carisma "atrapalhadão" que sempre teve - quem não se lembra das célebres intervenções no DVD gravado no Via Funchal durante a turnê do Rebirth? -, comentou da dura que a banda tomou da polícia vindo pro Rio, fez piadas com os integrantes, público e tudo que tinha direito. Falou da saudade que tinha da cidade, agradeceu a casa por abraçar o projeto e prometeu pronto retorno para agraciar os que não conseguiram comprar ingressos. Isso basta para perceber o tamanho da felicidade do homem por fazer esse projeto. Num dado momento, ainda reproduziu em tom de ironia uma das falas daquele DVD ("vamos voltaaaaaaar no tempooo" para introduzir algum som de Rebirth).
A balada Wishing Well, música que me apresentou o Angra na época de Temple of Shadows tocando diariamente na "falecida" Rádio Cidade, deu sensação de saudosismo semelhante aos que acompanharam cada verso. Caça e Caçador é uma das grandes surpresas do set, presente no EP Hunters and Prey. Como o público era profundo conhecedor de toda obra da banda, a letra em português foi cantada em uníssono. Angels and Demons chega colocando a pegada na 5a marcha, transbordando velocidade para fazer os bangers baterem a cabeça sem medo de ser feliz. Heroes of Sand já é certa em todos os shows de Edu com o Almah, e não seria agora que essa pérola de Rebirth não iria dar as caras. Claro que ouvir esse refrão maravilhoso é sempre de arrepiar! Nem só de clássicos Edu e Aquiles viveram naqueles tempos. Ainda assim, a celebração não iria esquecer dos discos menos consagrados. Breaking Ties foi a responsável por representar o "patinho feio" Aurora Consurgens, que para muitos é o início do fim dessa fase do Angra. Tem sua qualidade, mas honestamente, passa vergonha numa comparação com o que veio ao longo da noite.
Na parte acústica da apresentação, Edu assume o violão - algo que fez muito ao longo do show -, e puxa aquele tema sempre pedido por todos. Pegasus Fantasy vem diferente, só no violão, mas empolga bastante como de costume. Ai o baile segue com versões para o hino do Iron Maiden "Flight of Icarus" - muito celebrada com direito a gritos de "Maiden" - e "Trem das Onze", do magnífico Adoniran Barbosa - também muito cantada, para provar que o público sacava de música boa em qualquer ritmo. Ainda na pegada acústica, é hora do Angra voltar. A única Late Redemption é para mim o ponto máximo do show. Ouvir essa pérola sempre me da uma paz de espírito única, principalmente quando ela aparece num show sendo cantada com tanto entusiasmo pelos presentes. Ai é hora de Aquiles brilhar no seu solo, que teve brincadeiras com a gravura de polvo no topo do kit e tudo. Como um dos donos da festa, seu nome foi muito celebrado mais uma vez.
Ai começa a reta final na espetacular The Temple of Hate. A maravilhosa balada Bleeding Heart simplesmente arrepia, e Millennium Sun só arremata a porra toda. Que momento único foi esse! Waiting Silence é uma escolha óbvia, mas Live and Learn surpreende em mais uma lembrança de Hunters and Prey. A parte regular do show estava fechada com chave de ouro. Para o bis, as escolhidas foram os dois maiores clássicos dessa era, sendo o encerramento óbvio para a celebração que presenciamos. Sim, estou falando de Rebirth e Nova Era, que devastaram o local.
Edu Falaschi teve uma noite de redenção. Sua fase de altos e baixos no Angra é um marco no Heavy Metal nacional, e ele parecia precisar reviver o enorme legado que deixou. Ainda cantando muito, teve uma noite gloriosa. Com o tempo, sempre ele, o público fez justiça ao que foi feito cantando com entusiasmo cada música num show lotado. A coisa era séria desde a escolha criteriosa da banda, elaboração do repertório e arranjos cuidadosos. Mesmo com o foco numa fase muito específica, o legado de Edu Falaschi na passagem pelo Angra é tamanho que muita música fantástica não conseguiu espaço no setlist. Podemos citar rapidamente Judgement Day, Unholy Wars, Morning Star, No Pain for the Dead e Winds of Destination por exemplo. Sinal de escolhas erradas? DE JEITO NENHUM. Apenas um indicativo de que ele fez muita coisa legal com a banda mesmo. Depois da apresentação, mais uma mostra da figura sensacional que é o dono da festa, e por consequência a banda. Atenderam cada fã que procurou por eles, de forma gratuita, pouco se importando com o tempo. Infelizmente não sabia que tinha isso, e acabei saindo antes, mas ainda assim realizado com o show incrível que presenciei!
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