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Mortes: Por que temos tanta dificuldade em digeri-las?

Por Rodrigo Contrera
Postado em 26 de maio de 2017

Quando acontece uma tragédia, e você não consegue digerir bem o golpe, fica parado, sem saber bem o que fazer, ou o que pensar. É como se o tempo parasse, e você se sentisse do lado de fora dele. Como se você precisasse continuar vivendo, pensando, sofrendo, mas não soubesse lidar com o que aconteceu. Com a tragédia.

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Ontem, um menino de 4 anos subiu no parapeito da sacada de um apartamento do 19º andar de um dos prédios do condomínio onde moro, em Taboão da Serra, SP, e caiu. Isso aconteceu por volta das 18h de ontem. Acontecia uma feira do outro lado do prédio. Quem achou o corpo do garoto foi um guardinha e o zelador. Apareceu a ambulância e tentaram reanimá-lo. Não conseguiram. O garoto estava com a irmã de 9 anos no apartamento. Os avôs estavam fora. Os pais também. A sacada tinha vidros protegendo a área.
Fiquei sabendo do que aconteceu bem de noite, ao chegar em casa. Vi um amigo na entrada do condomínio com o rosto fechado. Perguntei o que acontecera, e ele me contou. Na hora, fiquei parado, sem saber direito o que falar. Tentei buscar em algum arquivo interno meu uma imagem do garoto. Não consegui saber o seu nome. Não consegui saber quem seria a mãe, o pai ou ou avôs. Fui para casa meio anestesiado, sem saber o que pensar. Cheguei em casa, vi o noticiário e fui aos poucos olhando para aquilo com um pouco mais de calma. Mas não consegui acalmar minha mente. Assim correu a noite, e eu dormi sem saber como digerir o que havia acontecido.

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Acordei normalmente, mas com um pequeno mal-estar de saber que algo havia acontecido - e que não havia sido digerido. Pensei nas últimas semanas, nas últimas mortes - do Chris Cornell e do Kid Vinil -, nos comentários que escrevi aqui no Whiplash a respeito delas, e reparei que, por algum motivo qualquer, eu sentia que o garoto que caíra aqui nos nossos prédios havia se matado, de alguma forma. Sei que isso é mentira. Sei que o garoto não sabia o que fazia, que ele inadvertidamente achou uma brecha na sacada e que por descuido acabou caindo. Mas por algum motivo a ideia de que ele havia se suicidado passou por um e ficou.

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Tentei lidar com a ideia da morte do garoto, nas primeiras horas da manhã, mas não consegui. Uma amiga me avisou do que acontecera, e eu aquiesci a sua mensagem. Percebi que eu precisava tomar um ar e tentar lidar com as sensações ao ar livre, num dia que estava bem bonito. Fui até um mercadinho, comprei uns biscoitos e comi alguns deles numa pequena praça. Vi as pessoas andando na rua, algumas pessoas conversando, mas dominava-me uma impressão funesta, fúnebre. Era como se o mundo estivesse meio que coberto por uma camada cinza, por uma tristeza que era expressa em qualquer movimento que chegava até mim. Fui até em casa e percebi que eu precisava de alguma forma desabafar, ou fazer algo com essa sensação de tristeza que tanto me dominava.

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Tomei meu remédio antiesquizofrênico, desci até o centro da cidade e fui assistir a missa das 12h, que normalmente é mais curta que as outras. Na hora, eu nem sabia o nome do garoto que morrera. Não tinha a menor ideia do seu rosto ou do seu jeito. Não tinha qualquer informação a mais. Eu só sentia que precisava de algum apoio, e que a missa talvez cumprisse com algo que eu precisava. Mas eu estava confuso. O meu pensamento variava muito, indo desde uma sutil vontade de chorar, uma vontade de ficar sozinho, uma vontade de chorar mais forte, ou mesmo uma vontade de escapar, e de não pensar mais naquilo. Encontrei uma colega que participou de uma encenação comigo e conversamos um pouco. Chorei um pouco quando lhe contei o que acontecera, e conversamos sobre outros assuntos brevemente.

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Devolvi uns livros na biblioteca municipal e me dirigi à Igreja. Lá, a missa ainda não começara. Tomei um café na lanchonete do santuário e estava bastante tranquilo quando assisti à celebração. Percebi que algo em mim estava mais calmo, que o fato de participar da missa me acalmava. Mas compreendi também que isso era de alguma forma uma espécie de fuga. Não consegui me concentrar direito no que o padre falou e comunguei. Estava com pouco dinheiro, então me aprontei para voltar para minha casa e assim fiz.

Quando cheguei, estava um pouco mais calmo. Reparei de repente em como o sentimento da morte parece que acompanha meus passos nos últimos tempos. Eu não conhecia muito do trabalho do Chris Cornell. Mas as condições de sua morte mexeram comigo. Tanto que comentei longamente diversas vezes em vários posts aqui do Whiplash a respeito. Minha intenção sempre sendo tentar fazer com que os leitores compreendam que uma pessoa em condições como a dele pode eventualmente se envolver em situações nas quais ele não sabe realmente o que faz. Comentei tudo isso por meus recentes problemas com ausência do meu remédio, com delírios psíquicos e tudo mais. Considerei que eu precisava comentar a respeito, até para as pessoas não comentarem mais de forma tão irresponsável a respeito de algo que mal conhecem.

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Mas foi aí que reparei como é difícil para nós, que nos envolvemos com mortes, aqui e acolá, realmente lidar com o fato e a sensação da morte, seja quando ela se dá com entes queridos, seja com ídolos de rock, como o Chris, seja com ídolos da juventude - como com o Kid Vinil -, seja com pessoas que mal conhecemos, como o garoto que caiu aqui no prédio em que moro. Pois tão logo surge o fato da morte a gente parece preferir escapar de enfrentá-lo, arrumar desculpas para culpar alguém pelo que aconteceu, comentar de forma meio cruenta alguns detalhes, como se eles fossem resolver alguma coisa, sendo que com isso a gente parece meio que se afastar da sensação. Do sabor amargo de vermos gente querida indo embora, de sermos meio que destruídos internamente com tristezas que não sabemos definir, de sentirmos que a vida é triste, e que não sabemos lidar com o que nos acontece. É como se os fatos nos ultrapassassem. É como se ficássemos sem palavras.

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Consegui almoçar logo em seguida, e capotei na minha cama, acordando com um pesadelo e uma sensação horrível de desespero. Desci até a administração, onde conversei com uma funcionária que foi uma das primeiras a ver o cadáver do garoto. Ela também comentou quem viu em primeiro lugar o garoto cainbndo - um senhor que até agora deve estar em choque. Comentei com o zelador, que também viu o corpo do garotinho, e lhe indiquei um lugar onde ele pode ir, caso precise conversar a respeito. O clima ainda era fúnebre, e algo estranho dominava o ar. Lembrei-me do garoto, que eu havia visto de relance algumas vezes. Entendi o que aconteceu, e reparei como a família deveria estar realmente arrasada. A informação que eles me passaram meio que me retirou algumas nuvens em minha preocupação, e algo se tornou mais claro, ao menos momentaneamente. Creio que o mesmo aconteça com aqueles que descobrem mais sobre a morte de seus entes queridos. Ou para aqueles que sabem algo mais sobre como se deu a morte de Chris Cornell. A informação ajuda, ao menos momentaneamente, a que nos acalmemos um pouco e a que entendamos um pouco melhor o que aconteceu.

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O garoto caiu da sacada do nosso prédio por volta das 18h de ontem. Mas escrevo este artigo mais de um dia após o ocorrido. Eis que agora, após ter rezado por ele, após ter sonhado e acordado me sentindo muito mal, e após saber o seu nome - Jonas - e algo mais sobre o destino do nosso condomínio a respeito, apenas agora, começo a me sentir um pouco melhor. É uma sensação difusa, como se algo estivesse finalmente sendo digerido pelo meu espírito, e algo que me traz uma pequena calma. Preciso confessar que prefiro não ter conhecido muito o garoto. Pois cheguei a pensar diversas vezes em outros filhos de outros vizinhos, que conheço melhor. E cheguei a me preocupar demais se algum garoto dos muitos que rondam esta vizinhança tivesse sido o escolhido desta vez pela morte. Notem que moro no primeiro andar, ao lado do jardim de brinquedos, e que vejo esses garotos a toda hora. É uma merda falar isso, mas quase prefiro não ter me apegado ao garoto que faleceu. Para não sofrer mais.
Noto porém que em diversas mortes de gente pública há algumas pessoas que não conseguem comentar o ocorrido com o devido respeito. Noto que há outras que se atêm a questões menores - num claro exercício de mudarem o foco para não encararem a morte em si. Noto que há outras que lamentam, mas que não sabem como lidar com isso, e cujos comentários expressam uma incompletude que beira o inusitado. É como se tivessem sido pegas desprevenidas, e não soubessem ainda o que sentir. Mas noto que há algumas outras que comentam com mais languidez, percebendo que a morte é isso, é algo que nos pega de repente, e que nos deixa uma impressão tão forte que muitas vezes realmente nos impede retomar a vida, o dia a dia.

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É realmente difícil lidar com a morte. Muito mais difícil com a de gente que a gente ama. E que morre de formas que não conseguimos entender. A gente por vezes imagina os últimos momentos dos falecidos, e essas imagens, apesar de inventadas, não conseguem sair de nossas mentes. Confesso que quase vejo o rapazinho caindo. Confesso que tento imaginá-lo flutuando, ao invés de caindo amargamente, como qualquer corpo cai, de grandes alturas. Tento me convencer de que ele se foi bem. De que ele não sofreu. Ao menos tento.

Por outro lado, não posso deixar de notar que essas mortes recentes reacenderam em mim um valor maior à vida. Seja porque se deram com pessoas admiráveis, como o Chris e o Kid, seja porque se deram com pessoas inocentes, como o garotinho, seja porque me lembraram de momentos em que eu pensei que queria ir embora (ontem mesmo relativizei o sentimento e mesmo as lembranças), seja porque me aproximaram de outras pessoas, que passam por males similares e que entraram em contato comigo, seja porque elas me fizeram reparar no dia a dia de uma forma mais palpável, mais vívida, e embora bastante sofrida mais real. Reparo então que os relatos das mortes também me tornaram um pouco mais forte, e que acredito haver aprendido algo com eles. É bonito reparar que as pessoas ainda se comovem, que param o que estão fazendo, que levam tempo para digerir, e que se aproximar, na dor, mais ainda do que no amor. Ou seja, o mundo parece também assumir um ar mais leve, mais bonito, após sabermos lidar com o sofrimento. Após chorarmos um pouco.
Escrevi este texto para compartilhar uma sensação extremamente doída que tem me abordado nos últimos dias, e especialmente este dia que passou, com respeito a mortes que vemos acontecerem, e sobre as quais muitas vezes não temos tempo ou às quais não dispensamos tempo para podermos vivenciá-las em nós. Pois sinto que temos cada vez mais dificuldade de experimentar o tempo de luto. E que precisamos cada vez mais saber como fazer tudo isso. Para podermos viver melhor. E para não ficarmos tortos com o que acontece nesse mundo que me parece cada vez mais cruel. E olhem que nem comentei sobre a morte de meu pai - que deu o tom para os 20 anos seguintes em minha vida -, nem sobre outras mortes, em espírito, que infelizmente ainda não consegui digerir.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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