Bob Dylan: uma história incrível de quando ele tocou com sambistas no Rio em 1990
Por Igor Miranda
Fonte: Twitter de Arthur Muhlenberg
Postado em 26 de maio de 2020
O escritor e publicitário Arthur Muhlenberg contou, em seu perfil no Twitter, uma história envolvendo a primeira passagem do cantor Bob Dylan pelo Brasil. As apresentações aconteceram em 18 e 25 de janeiro, nas edições de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente, do festival Hollywood Rock.
De acordo com Muhlenberg, Bob Dylan ficou hospedado em um hotel de Copacabana para se apresentar no Rio de Janeiro. Como havia uma brecha de tempo entre as duas apresentações, o músico aproveitou os dias de folga para curtir a cidade. "Em 1990, Bob Dylan veio tocar no Hollywood Rock. Ele se hospedou em Copacabana e curtia dar uns rolés pelas ruas do bairro. Numa noite ele escolheu o Bolero, tradicional bar/boite/inferninho da Atlântica pra se sentar e ver o movimento", afirmou, inicialmente.
Ele continua: "Minha amiga (e cliente) Katherine Hilliard, que trabalhava na sucursal Rio da Time, estava no bar naquela hora. Grande fã de Dylan, Katherine se apresentou e Dylan, para surpresa de todos, a convidou a compartilhar a mesa que ocupava com seu produtor. O papo rolava entre a fã e o ídolo quando apareceram aqueles malandros tocando pagode pros turistas".
Segundo Muhlenberg, Bob Dylan ficou "amarradão" com o pagode tocado, "ouvindo com extrema atenção o que estava sendo tocado". "Ele disse que estava especialmente bolado com a percussão. Perguntou a Katherine se ela podia ajudá-lo a gravar com músicos brasileiros que faziam aquele som. A amiga disse que não manjava daquilo, mas que conhecia alguém. Naqueles tempos pré-celular, as pessoas precisavam ir até o caixa do restaurante e pedir pra usar o telefone pra poder falar com alguém que não estava presente. Era bizarro. Bem, Katherine fez esse circuito e me ligou", disse.
Arthur Muhlenberg confessou que não acreditou de início, mas aceitou o convite para ir ao bar Bolero. "Chego lá, fico totalmente abobado na presença magnética de Dylan e nem pude me sentar. Eles já estavam indo embora. O homem me cumprimentou com um aceno de cabeça e o produtor dele começou a me dar as instruções do que o Bob queria. Tudo muito show business. Eu não era produtor musical, era redator numa agência de propaganda, mas tinha alguma experiência e alguns contatos entre músicos. É óbvio que menti dizendo na caradura que era produtor musical fulltime e muito experiente. Combinamos o meu cachet (US$ 2k) e eles saíram fora", afirmou.
Bob Dylan queria tocar com percussionistas e gravar uma fita daquela ocasião. "Demandava um estúdio profissional e arregimentar os músicos. Liguei pra um conhecido, o percussionista Leo Leobons, pra me ajudar a juntar a galera. Se não fosse o Leo, a gig não rolaria. Nesse meio tempo, Bob Dylan deu um perdido em toda a imprensa carioca que estava atrás dele. Em segredo, ele foi pra uma pousada em Itaipava e só reapareceu pra fazer essa jam, que rolou no Tok Estúdios, do Chico Batera, que ficava na São Clemente", afirmou.
O dia do ensaio chegou e todos estavam lá. Menos Bob Dylan. "O produtor disse como ia ser: Bob não queria que ninguém falasse com ele e nem tirasse fotos. O estúdio teria que ficar fechado, ninguém entrava. Bob chegou, deu um alô geral pra rapaziada, pegou o aço e começou a tocar. Leobons foi fulcral nesse processo, era o único dos músicos que falava inglês e começou a trocar ideia com Dylan e a coisa fluiu. Nada de canto, só levadas de viola e batuque feroz", disse.
Muhlenberg conta que os músicos ficaram tocando por horas, enquanto ele providenciava comida, bebida e cigarros. "E conversando com o personal trainer do Dylan, um cara que ostentava um título bizarro: era o boxeador recordista de nocautes no mundo. Isto é, era o boxeador mais nocauteado do mundo", afirmou.
Dave Stewart na portaria
Em determinado momento do ensaio, o porteiro do estúdio disse que um estrangeiro estava no local e queria entrar, só que a regra era não autorizar. "Falo com o gringo e digo que Bob tinha determinado que ninguém podia entrar. O gringo, muito educado, me pede pra fazer o favor de avisar ao Bob que ele estava na porta. Eu concordei, perguntei o nome do cara. Aí a humilhação. Era o Dave Stewart do Eurythmics e eu não o tinha reconhecido. Que mancada! Lógico que era pra ele entrar, o Bob tinha convidado", disse.
Dave Stewart acabou se juntando ao grupo de músicos e tocou até o fim do ensaio. "Alguns músicos quebraram a regra e pediram fotos com Bob, ele tirou numa super boa e foi simpaticão com todos. Eu não tinha levado máquina, fiquei na inveja. O produtor pediu os rolos de fita, me deu a grana pra pagar a galera (um envelope recheado de verdinhas) e fim do sonho. Fui honestão e não fiz nenhuma cópia do que foi gravado. Bob foi pro hotel, no dia seguinte deu um showzaço na Apoteose. Fim do conto de fadas", afirmou.
Por fim, o publicitário aponta: "Apesar do orgulho infinito de ter participado marginalmente desse evento musical, não costumo explanar essa história. Porque quando eu conto quase ninguém acredita".
Os tweets originais podem ser lidos a seguir (para ler a sequência de mensagens, acesse o tweet role a tela para baixo, após a primeira publicação).
Não há registros públicos deste ensaio com músicos brasileiros. Veja, abaixo, um vídeo das apresentações de Bob Dylan no Hollywood Rock 1990.
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