Guitar Talks: entrevista com Luringa, o fotógrafo rockstar
Por Crysthian Gonçalves
Fonte: Guitar Talks
Postado em 14 de fevereiro de 2013
Atrás das lentes de sua câmera, Luringa é um dos coadjuvantes mais aclamados no cenário nacional do rock. Ousado e determinado, o talentoso fotógrafo das novas estrelas do rock carrega no currículo o peso de registrar momentos marcantes de importantes bandas brasileiras.
Nesse cenário, Luringa construiu sua carreira registrando a vida agitada dos ídolos da música. Prezando sempre a rapidez e qualidade de seu trabalho, ele já expande seus horizontes com a Pexera Produções, uma produtora de vídeo especializada em vídeos para grupos musicais, da qual é um dos sócios, além da missão de dirigir vários clipes constantemente nas paradas de sucesso.
Para muitos, talvez Luringa tenha a vida que pediu a Deus. Nos bastidores de shows Brasil a fora, ele não só clicou as bandas mais amadas pelos jovens nos últimos seis anos, mas desfrutou da mesma rotina das estrelas do rock.
As coisas boas da vida na estrada, o lado B do mundo da música e muitas outras curiosidades ditas por quem vive o agitado cotidiano do universo do rock. Mesmo sem os holofotes de quem está no palco, ele conta com o privilégio de ter de tudo um pouco da vida dos seus fotografados, ainda detendo o quase anonimato.
Lourenço Fabrino, mais conhecido como Luringa, começou a trabalhar profissionalmente com fotografia em 2007, no tabloide esportivo O Lance. Entre suas tarefas estavam cortar e editar fotos. Depois, ele foi para o site de celebridades O Fuxico, o seu último emprego fixo. Desde então seguiu seu próprio rumo.
O fotógrafo nos recebeu em seu apartamento, localizado em uma tradicional rua próxima à Avenida Paulista, centro novo de São Paulo, para uma conversa descontraída, enquanto o noticiário da tarde transmitia a ajuda que Zeca Pagodinho deu à comunidade de Xerém por conta da chuva. "Esse aí tem o meu respeito" – ele disse, enquanto nos acomodávamos em seu quarto e ele acendia um cigarro sentado em sua cama de casal. "Esse é um vício que não consigo largar. Mas eu não bebo."
Guitar Talks - Como você iniciou sua carreira de fotógrafo?
Luringa – Eu sempre fui curioso. Ia aos shows e levava minha câmera. As primeiras fotografias que eu fiz foram para uma banda antiga de hardcore que se chamava Foot For Life. O primeiro show foi junto com o Dance of Days, na época em que o Dance era a maior banda underground, em 2004. Foi o meu primeiro contato com fotografia de bandas. Eu fiz com uma Canon Power Shot de 3.2 megapixels, que para a época era o auge da tecnologia. Eu tinha ganhado de natal da minha mãe. Ficou legal, considerando os padrões da época. Então o pessoal da Foot For Life me chamou para fazer mais shows, e começou o contato com galera de banda grande como o Dead Fish. Consegui uma câmera profissional e fui indo. Passou um tempo e o Foot For Life conseguiu uma turnê com o Dead e rolou de fotografar as duas bandas. Depois disso, eles fizeram uma proposta para mim; fiquei quase um ano acompanhando o Dead Fish e depois disso muitas portas se abriram.
GT – Foi nesse momento que você começou realmente a trabalhar com fotografia. Como foi essa mudança?
Antes eu fazia fotos em troca de um cachorro quente, por portfólio. Mas paralelo a tudo isso, quando não tinha show com a Foot For Life, eu pegava um evento, tipo Sampa Music Festival ou ABC Pró HC e ia. Dava um jeito, fazia uns contatos, entrava no esquema. Levava a câmera e fotografava todas as bandas principais e mandava para os integrantes depois. E uma coisa que me destacou foi isso, eu não só fotografava, quando eu chegava em casa descarregava tudo, editava e mandava no mesmo dia. Tinha show que acabava duas horas da manhã e eu ficava até o amanhecer editando. Depois eu enviava tudo para que no dia seguinte as fotos que bombassem nos fotologs, que era o meio de divulgação da época, fossem as minhas. Havia dia que tinha foto minha no fotolog de todo mundo. Do NX Zero, Forfun, e isso era foda, porque tinha meu nome do lado e a galera começou a assimilar.
GT – Em 2007 você fez seu primeiro trabalho internacional e se lançou de vez na carreira de fotógrafo. Como foi tomar essa decisão?
Acompanhei uma turnê de 6 shows do 35mils, que ia abrir as apresentações do Rufio (banda californiana). Na época eu não pude tirar férias do trabalho, então tive que escolher em ficar no O Fuxico, que era meu salário fixo de mil reais – que para mim era o auge – e fiquei naquela de trocar o certo pelo duvidoso. Então eu fiz uma conta; eles me ofereceram U$$ 2.500 dólares e eu pensei: da para ficar seis meses sem trabalhar. Então eu falei: "foda-se". Essa foi a decisão mais inteligente da minha vida, pois depois disso eu consegui me dedicar à fotografia. Eu já tinha uma vida dupla nessa altura. Eu não era traveco, mas eu tinha uma vida dupla (risos). Eu trabalhava no O Fuxico e conciliava com os shows nos fins de semana, depois eu ia direto trabalhar. Isso era muito cansativo. Eu me libertei.
GT – Com quais bandas você trabalha atualmente?
Teve período em que trabalhei com nove bandas, era uma loucura. Minha prioridade sempre foi acompanhar a banda que tinha mais shows. Eu trabalho com o Strike, Glória e Projota, mas minha prioridade é o Strike. Se fosse para eu pensar na questão financeira seria o Projota, até porque o rap tá muito em alta hoje, né?
GT - Qual a sua relação com a música, além de fotografar bandas?
Minha vida é música. Eu sempre tive banda. Toquei em uma durante 11 anos. Tive várias, a última que deu mais certo foi o Faster Days, que está ai até hoje. A única coisa que eu não sei tocar é bateria. Toco bem, "undergroundemente" falando, um pouco de tudo.
Pode parecer muita demagogia, papo batido, mas o rock sempre foi minha vida. Desde pequeno eu tinha na cabeça que eu queria viver de música. Só que eu tinha uma saída; eu não precisava necessariamente ser um vocalista, um membro da banda. Eu queria viver de música, poderia ser como roadie, produtor. Não imaginava nunca ser fotógrafo, mas eu queria viver nesse meio. Sempre pensei em coisas ligadas à música e sempre tive em mente de que se eu não vivesse disso eu seria um cara infeliz.
GT – Recebeu propostas para trabalhar com outras coisas?
Quando minha carreira de fotógrafo começou a dar certo, tive muitas outras oportunidades que seriam bem mais rentáveis, tipo moda e publicidade. Eu poderia ter uns 3 apartamentos desse hoje, só que, cara, não é só pelo dinheiro. Óbvio que precisamos de dinheiro, mas eu preferi me especializar numa coisa que é música, e ser o mais conceituado, ou um dos mais conceituados nessa área, do que ser um medíocre em publicidade, moda Eu não vou abrir mão de fazer se aparecer um trabalho diferente, mas não vou me focar nisso.
GT – Você acha a carreira rentável financeiramente?
Eu sempre falo isso nos meus workshops: se vocês querem ganhar dinheiro se formem advogado. Se quiser ser fotógrafo e ganhar dinheiro, vá fotografar moda, trabalhar na Playboy, coisas do gênero. Mas com música você vai ganhar uma mixaria sempre. Tenha isso em mente. Só que você se diverte pra caralho. A melhor coisa para mim é poder viajar com os moleques. Graças a Deus temos uma estrutura boa, temos um ônibus incrível, tem até internet. A galera vai jogando um videogame, ficamos até 10 horas na estrada, nos hospedamos em hotéis bons, essa é a recompensa.
GT – Você criou um vínculo de amizade muito forte com o Strike. Consequentemente, vive uma vida de rockstar mesmo não sendo músico. Você poderia falar um pouco sobre o que ocorreu durante as gravações do Rock Estrada do Multishow?
O programa Rock Estrada foi um episódio um tanto negativo para o Strike, devido a história do xixi que o Cadu deu para uma amiga nossa beber. Mas era tudo com consentimento dela. Todo mundo sabia. Ela é praticamente nossa irmã e na época foi tudo visto muito errado pela imprensa. Foi tipo: baterista do Strike dá urina para fã beber. Primeiro: não era fã. Foi durante um festival, o camarim estava um caos com todas as bandas, Fresno, NX, Reação Em Cadeia, galera muito louca e rolou a brincadeira. E ela sabia. Nem tinha ´mijo´, era uma mistura de todas as bebidas, cerveja, whiskey, vodka, energético, um monte de coisa. Um drink maligno com um pinguinho de urina que ele mesmo bebeu. Não foi nada de sacanagem.
Por outro lado, o Rock Estrada foi bom para mim, pois trouxe meu nome. Apareci em dois episódios, depois apareci no da Fresno entrando de penetra no Prêmio Multishow. O Tavares me deu o convite porque ele estava com a pulseira destinada aos músicos. Ele pegou a pulseira para tocar, me deu convite e entrou. Eu dei a volta e entrei. Querendo ou não, eu acabo aproveitando um pouco a mesma vida que eles. Somos todos amigos.
GT – Existe muito excesso nos hotéis?
Hotel tem muita loucura, mas nunca fomos galera de quebrar as coisas, como alguns babacas que estão no auge, são a banda do momento, mas que passarão como a maioria dos grupos que fazem isso. Tem uma banda grande que é um belo exemplo, começou a fazer esse tipo de coisa e se queimou com o contratante. Passou dois anos e ninguém mais contratava o show deles. Quem contrata pensa: "ah eu vou chamar esses caras para quebrarem meu hotel todo, gastar dinheiro para tratar os outros mal". Nunca fomos desse jeito, sempre zuamos, mas não transcendia assim. Mas já rolou muita loucura, tipo festa no busão, hotel com 50 pessoas no quarto. Muita coisa (risos).
[an error occurred while processing this directive]GT – Você tem alguma referência como fotógrafo?
Eu nunca me baseei em um fotógrafo. Pode parecer um tanto pretencioso, mas não é. Nunca fui ligado em fotografia, eu me interessava pelas bandas. Para mim, ser fotógrafo era uma saída para viver de música. Eu gostava de estar ali pela música não pela foto. Com o tempo virou minha profissão, minha vida, enfim, e com isso eu ganhei admiração. Mas eu nunca me baseei no trabalho de alguém. Eu sempre pirei em criar um conceito meu. Durante um bom tempo eu fechei os olhos para outras coisas para não ser influenciado. Vou fazer o meu, do meu jeito. Depois eu percebi que precisava estudar e isso melhorou bastante meu trabalho. Nunca tive um herói fotógrafo.
GT – Você tem feito outros trabalhos além da música?
Eu tenho feito muitos ensaios sensuais. A finalidade é para o meu portfólio. Não quero me focar nisso, mas estou cada vez mais capitalista. Comecei que nem todo o jovem de 20 anos, que é um comunista nato. Mas você vai envelhecendo e ficando capitalista, não tem jeito. Eu tenho filho, tenho que manter minha casa, minha família e eu sei que eu preciso de dinheiro, e sei que fazendo esse tipo de trabalho vai me dar um bom retorno. Na música eu não ganho tanto dinheiro, mas é um puta prazer, fico com meus amigos, fico em um monte de hotéis legais, conheço um monte de gente, tenho vida de músico. Dependendo do lugar um monte de gente me conhece. É legal, mesmo não ganhando muito. Com isso percebi que eu posso ter um portfólio incrível. Vamos lançar esse ano, inclusive veiculado a Pexera. Lançaremos um site, tipo uma mistura de Trip com Suicide Girls. Um esquema mais alternativo para o lado sensual, atraente, mas não vulgar. Daí criar um portfólio para chegar às revistas.
[an error occurred while processing this directive]GT – Você já teve preconceito com algum artista?
Já, e quebrei a cara com quase todos. Eu era muito preconceituoso com Restart, logo quando começaram a falar deles. Já disse minha opinião para o Pedro (Lanza). Individualmente eles são muito bons. O Koba é um grande compositor. O Pedrinho canta demais, é um artista, um frontman nato, o Thomas é um louco que melhorou muito na bateria. Mas eu não gosto de Restart, eu não tenho 15 anos. Quando eles começaram eu tinha 27 anos.
E eu era preconceituoso porque pessoas iam ao show do Strike tirar foto com a galera, pedir autografo e falava: "ah, você conhece o Restart?" Aí eu peguei uma bronca. Quem são esses moleques que todo mundo fala? Enquanto estamos aqui trabalhando há cinco anos, viajando Brasil inteiro aparecendo na TV e esses ´bunda suja´ do underground que vêm e viram uma febre na parada. Isso antes de Rede Globo, antes de tudo. Eu tinha preconceito com eles. Só que uma amiga minha conhecia o Thomas e ela falava: "não, para com isso, os meninos são gente boa", eram muito novos na época, ainda são. Na época eles tinham 17 anos. Acabou que nos conhecemos. No começo eu fiquei meio assim né, mais velho, tatuado, tiozão do rock. Me respeite! E eles sempre pra frente, rindo, fazendo brincadeira, sempre muito positivos. Eu fui conhecendo os caras e nos tornamos amigos. Viraram meus irmãos.
Tinha época que saíamos todos os dias. Eles não tinham carro e eu ia buscá-los em casa. O Thomas, louco, vinha de bicicleta pela rodovia Anhanguera até minha casa. Todos achavam que eles eram playboys, só que na verdade não eram. Aí mano, fui ficando amigo dos caras e vi que nada a ver. Deixei de ser babaca com algumas coisas. Eu deixo essa babaquice hoje só para as coisas ruins de verdade.
GT – Tem alguma banda que você gostaria muito de trabalhar?
Ah, o At The Drive In e o The Mars Volta. Eu tive a oportunidade com o Mars Volta, mas preferi curtir o show. Acho que foi em 2004, no Tim Festival. Foi legal, eles tocaram com o Libertines, que era muito conhecida desse povo escroto, cult alternativo, indie, café gelado. Sempre tem uma galera com um pessoal escroto, em todas as partes da música. Estava lotado nesse dia. Após o show do Libertines, esse pessoal foi embora. O Mars Volta tocou e foi muito legal. Ficaram só umas 500 pessoas, só pessoal de banda, a Pitty, entre outros. Os caras subiram e fizeram um show de uma hora e meia com quatro músicas. Surreal.
GT – Como foi acompanhar o Glória no Rock in Rio 2011?
Foi legal. Eu poderia ter fotografado mais bandas, mas eu preferi trabalhar apenas com eles para poder curtir. Eu cresci ouvindo falar de Rock in Rio, não tem como. Imagina que você está em um camarim que de um lado está o Slipknot, no outro está o Metallica, depois o Motörhead, o Coheed and Cambria. E depois você está lá, curtindo com os caras. Foi uma loucura! O show do NX foi bom, acho que as pessoas esperavam que os vaiassem muito mais.
GT – Você está sempre perto das bandas e dos fãs. E quando dá algo errado, como o que aconteceu com o Glória, que foi vaiado no Rock in Rio?
Foi tenso. O Rock in Rio foi um caso específico. Eles não foram só vaiados, eles foram hostilizados até a terceira música. Depois eles tocaram Pantera e na sequência teve um solo de bateria. A galera desabou! Todo mundo estava vaiando e de repente reverteu tudo. O baterista era o Eloy Casagrande, o melhor do país. Temos que valorizar as pratas da casa. Mas os caras ficaram tensos. Na verdade eles ficam tensos ao se apresentar desde em boteco até em grandes festivais. Eu ficaria. De vez em quando eu fico (risos). Mas esse lance de vaia aconteceu muito pouco.
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