Bandas e artistas que no Brasil tiveram apenas um hit
Por Rafael Ferrara
Fonte: Radio Catedral do Rock
Postado em 15 de março de 2020
Até a virada do século, o mercado da música era dominado por mídia física. O consumo de CDs e DVDs ainda estava em voga, mesmo com a febre dos programa de troca de arquivos como Napster e E-Mule. Ainda assim, gravadoras nacionais tinham receio de lançar novas bandas no mercado. Para tal, utilizavam um antigo recurso desde o final da década de oitenta, álbuns coletivos com singles de diversas bandas. Era trilha de novela, compilação temática, volumes especiais de rádios etc. Uma das consequências desse movimento foi uma enxurrada de músicas avulsas (singles) de diversas bandas no mercado. Muitos desses singles vingaram, serviram para divulgar algumas bandas e incentivaram o lançamento de mais singles e/ou álbuns completos no varejo. Em contrapartida, outros pararam por um único single e acabaram formando um catálogo de bandas com um hit apenas em terras onde canta o sabiá.
Um caso bem claro disso foi com a invasão das bandas australianas nos anos 80/90. Dificilmente uma gravadora investiria pesado num som tão diferente vindo de um país sem tradição de bandas. No início, uma dúzia de singles foram lançados principalmente em trilha sonora de novelas, uma das principais portas de acesso ao mercado musical nacional. Daí, algumas bandas vingaram com diversos singles e, depois, álbuns completos, como o caso do Midnight Oil e Men At Work. Outras não tiveram tanta sorte e acabaram ficando conhecidas pelo grande público por apenas uma música. As bandas Spy vs Spy e Hoodoo Gurus são dois nomes de peso dessa geração que não obtiveram muito espaço por aqui. Apesar disso, Hoodoo Gurus conseguiu emplacar mais de um hit nas paradas nacionais.
Formada orginalmente pelo trio Craig Bloxom, Cliff Grigg e Michael Welley, a banda Spy vs Spy, fundada no início da década de oitenta só emplacou no mercado brasileiro o sucesso Clarity of Mind, single do álbum de nome Xenophobia (Why?). Nenhum single deste álbum conseguiu entrar na lista do Top 40 da Austrália. O álbum em si chegou ao 15º lugar nas paradas locais, mas não obteve números expressivos no resto do mundo. Xenophobia é o terceiro álbum da banda, lançado em 1988. Esse álbum foi relançado no Brasil em 2001. A banda, que tem uma trajetória de se separar e se reunir novamente, lançou um total de 7 álbuns de estúdio, sendo o último em 2004. O Brasil é um dos maiores mercados da banda, tanto que diversos álbuns foram relançados por aqui, inclusive um álbum ao vivo que tem o nome em português Feito na Praia.
O metal sempre foi um estilo com mercado restrito no Brasil e, com isso, bandas de menos "peso" no nome padeciam para conseguir um espaço. Mais uma vez a solução era coletâneas singles de bandas diversas, pois poucas teriam sequer espaço em trilhas de novelas. Todavia, não podia ser com qualquer single. Existia uma regra velada que dizia que banda de metal para conseguir espaço no amplo mercado musical brasileiro precisava de uma boa balada. E, indo mais além, se fosse a partir da virada da década 80 para a década de 90, essa balada necessariamente precisaria vir num videoclip. Seguindo exatamente essa receita, a banda de metal progressivo Queensryche conseguiu uma janelinha no Brasil com sua balada apoteótica Silent Lucidity. Single do seu quarto álbum intitulado Empire, Silent Lucidity foi uma febre em 1990. Seu clipe ganhou o prêmio de escolha da audiência do MTV Music Awards daquele ano e credenciou a banda para o Rock in Rio II. O álbum Empire ganhou 3 discos de platina nos Estados Unidos e 1 no Canadá, além de ter alcançado a 7ª posição na Billboard 200. A banda de Seattle Queensryche, fundada em 1981, possui 11 álbuns lançados e está em atividade até hoje apesar das diversas desavenças entre integrantes. Primeiro foi com o guitarrista Chris DeGarmo que quebrou o pau na virada do século, depois acabou voltando como músico contratado, mas acabou pulando fora novamente dizendo estar ocupado com seus outros projetos. Mais tarde foi o vocalista Geoff Tate que em 2012 pulou fora do barco também. Essa briga em específico gerou uma situação bem inusitada. O ano de 2013 teve duas bandas Queensryche, a original com os músicos remanescentes e substitutos, além de outra montada pelo ex-vocalista Geoff Tate que tinha ainda os direitos sobre a marca da banda.
Diversas bandas tiraram proveito dessa oportunidade em conseguir espaço no mercado brasileiro com suas baladas de metal. Nomes como Europe, Firehouse, Kansas, Boston, Nelson, Mr.Big, Century, Warrant, dentre outros emplacaram ao menos um sucesso nas paradas brasileiras com suas baladas. Muitos ficaram apenas em um, outros conseguiram dois ou até mais. Talvez o nome mais emblemático dentre as bandas de um hit que seja uma balada de metal foi o Winger. A banda liderada por Kip Winger conseguiu a tríplice coroa do mercado musical brasileiro. Teve clipe na MTV Brasil, teve participação em álbum de coletâneas temáticas (Love Metal) e entrou em trilha sonora de novela (Felicidade) que era o ápice. Tudo isso com uma única faixa, a melódica Miles Aways de seu segundo álbum In the Heart of the Young. O álbum bateu o 15º lugar na Billboard 200, sendo a faixa em questão, que era um dos três singles, foi até o 12º lugar na Billboard Hot 100.
A banda Winger, como diz o próprio nome, foi fundada pelo vocalista e baixista Kip Winger. Ele recrutou Paul Taylor com quem tocava na banda do Alice Cooper e Reb Beach que tinha experiência como músico de apoio, principalmente com os Bee Gees. Rod Morgenstein em seguida aceitou o convite fechando a formação clássica. Apesar de idas e vindas, além de ainda estar tocando por aí, o Winger é a primeira banda que culpa um desenho animado pelo seu fracasso. No polêmico desenho da MTV Beavis and Butt-Head, a banda era alvo de chacota. Os dois protagonistas tinham um vizinho que figurava o personagem de um fracassado que só vestia camisas do Winger. Eram comuns cenas em que um grupo de "loosers" se reuniam com camisas do Winger para ser motivo de piada nos episódios. Até o cachorro do vizinho usava camisa da banda. Reb Beach foi um dos integrantes que afirmou que, assim que os episódios começaram a ir para o ar, as vendas caíram e o interesse das rádios por tocarem suas músicas desapareceram.
Se para bandas de metal que conseguem uma pegada mais comercial era difícil espaço no mercado para emplacar mais de um hit, imagine para bandas da década de 70 com uma sonoridade datada. Pior ainda para uma banda que só lançou dois álbuns. Daí é quase como ganhar na Mega-sena fazendo apenas um jogo em toda a vida. Esse é o caso do quarteto de Nova York Ram Jam. Formado no final da década de 70 com Bill Barlett na guitarra, Howie Arthur Blauvelt no baixo, Pete Charles na bateria e nos vocais Myke Scavone, o Ram Jam lançou apenas dois álbuns. O primeiro que leva o nome da banda em 1977 e o segundo chamado Portrait of the Artist as a Young Ram. Apenas o primeiro obteve repercussão chegando ao 34º lugar nas paradas dos Estados Unidos. Esse único momento dele foi graças ao single Black Betty que bateu o 18º lugar das paradas nos Estados Unidos e 7º no Reino Unido. A música é uma regravação de uma canção folclórica antiga da cultura afro-americana. Existem diversos debates sobre do que se trata efetivamente o termo Black Betty que já foi associado a um mosquete, a uma garrafa de uísque, a um chicote e a uma carroça de transferência de presos. Mesmo a versão do Ram Jam sendo de 1977 e fazendo um sucesso local, a faixa começou a ser tocada nas rádios brasileiras na década de 80/90 como um rock alternativo junto com Get It On do T-Rex, por exemplo. A popularidade da música disparou quando foi utilizada pelo game Rayman para determinar o ritmo de uma fase específica.
Talvez o subgênero do rock que mais produziu bandas de um hit apenas foi o pop rock. A quantidade de bandas com esse estilo que surgem no mercado é sempre algo além do que o próprio mercado é capaz de absorver. Com isso, singles são lançados em rádios, novelas, clipes para testar o público. Na maioria, as bandas ficam apenas no primeiro mesmo.
Os anos 80 foi o período em que esse subgênero mais cresceu. Uma época estranha que vivia de extremos. Ou era produzido algo muito bom, ou era produzido algo muito ruim. Curiosamente, ambos tocavam em todos os lados. A década virou e o mercado continuou lançado uma enxurrada de bandas. Bastava ver os line-ups dos festivais que facilmente encontraríamos uns cinco nomes de bandas que só tinha uma música tocando nas rádios ou na MTV Brasil. Um bom exemplo é banda de Nova York Spin Doctors que com seu hit Two Princes conseguiu se credenciar ao Hollywood Rock de 1995, mais conhecido como o Hollywood Rock dos Rolling Stones.
A banda nova iorquina ficou famosa no início da década de 90 por conta de seus longos shows. Tanto que seu primeiro álbum foi uma gravação ao vivo feita em janeiro de 91 com o nome de Up for Grabs Live. Esse álbum é considerado o melhor da banda até hoje que já lançou 6 de estúdio e 2 ao vivo. Na época de surgimento, a banda fazia muitos shows de abertura para a banda Blues Traveler que curiosamente também é uma banda um hit apenas, a baladinha Run Around. O sucesso comercial veio com o álbum de estúdio Pocket Full of Kryptonite lançado também em 91 com os singles Little Miss Can’t Be Wrong e a estourada Two Princes. Com esses dois singles fazendo sucesso, a banda lançou clipes, participou do Saturday Night Live e daí foi para o mundo. Chegou ao Brasil pelas rádios e MTV. A faixa Two Princes colou nos ouvidos, mas nada além disso se viu no amplo mercado.
[an error occurred while processing this directive]Numa completa lista com todas as bandas que tiveram apenas um hit no mercado nacional, talvez a banda Fastway seja a que tenha o caso mais curioso. Liderada por "Fast" Eddie Clarke e Pete Way, a banda conseguiu fazer um sucesso por aqui sem que as pessoas soubessem o nome da música, tampouco da própria banda. Aliás, eles conseguiram seu único sucesso sem que o público ouvisse a parte cantada. Isso porque o sucesso Say What You Will viralizou por conta da abertura do programa Armação Ilimitada que era uma febre nos anos 80. Por anos, as pessoas achavam que a abertura era apenas um riff de guitarra feito apenas para aquele propósito. Anos depois que a música na íntegra começou a tocar nas rádios de rock nacionais e boates do gênero.
O nome Fastway surgiu da contração do nome dos dois membros fundadores. O guitarrista "Fast" Eddie Clarke que foi da formação clássica do Motörhead tocando nos seis primeiros álbuns da banda e o baixista Pete Way que tocou no UFO, Waysted e Ozzy. O sucesso no exterior veio com o álbum de estreia que leva o nome da banda de 1983. Ele alcançou o 31º lugar na Billboard 200 nos Estados Unidos e 43º no Reino Unido. O single em questão, Say What You Will, bateu o 14º lugar na parada dos Estados Unidos Mainstream Rock. A partir daí a banda não fez muito barulho no mundo da música. Ainda assim, ganhou certo destaque ao fazer a trilha sonora do filme de horror trash Trick or Treat de 1986 (no Brasil o nome foi O Rock do Dia das Bruxas). O filme tem uma pegada meio musical e conta inclusive com participações de Gene Simmons e Ozzy Osbourne, fato que não causa muita surpresa se considerarmos a breve descrição.
[an error occurred while processing this directive]Como é de se imaginar, a lista de bandas de um hit no Brasil é enorme e jamais caberia num único Arquivo do Rock. Todavia, um destaque precisa ser feito para Bruce Dickinson que na sua carreira solo emplacou por aqui apenas a longa balada Tears of Dragon que tem de tudo um pouco, até reggae.
O Arquivo do Rock é um programa de 1 hora de duração que vai ao ar na Rádio Catedral do Rock todo sábado às 14 horas. O Episódio 07: Bandas de um Hit foi ao ar no dia 14 de Março de 2020 e está disponível no formato de Podcast no Spotify e Deezer.
Rafael Ferrara é locutor da Rádio Catedral do Rock (90,1 FM – Petrópolis) onde apresenta o programa Arquivo do Rock e também apresenta o Podcast Faixa a Faixa com o Jorge Felipe.
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