O Diabo é o pai do Rock
Por Claudinei José de Oliveira
Fonte: rollandorocha.blogspot
Postado em 14 de abril de 2015
O rock, enquanto movimento cultural, pode ser definido a partir de estreitos vínculos com a rebeldia. Em seus primórdios, uma rebeldia de fundo comportamental, fruto de choque entre gerações, conforme o rock evoluía, adquiriu tons político-ideológicos de contestação à ordem vigente. Se, paralelamente, todo um mercado capitalizou em cima dessa rebeldia, isto é uma outra história.
Por ser cria de um ambiente cultural predominantemente judaico-cristão, o rock, fatalmente, acabaria associado, neste ambiente, ao seu ícone maior de rebeldia: o Diabo.
A autoridade, na cultura judaico-cristã, tem sua origem no patriarcalismo, ou seja, nos valores impostos pela figura paterna. Assim, o Gênesis conta a criação e a ordenação do mundo a partir da vontade de um único ser e quando, segundo a tradição, uma das criaturas desafia a ordem imposta pelo criador, inaugura-se o estereótipo da rebeldia.
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A cultura ocidental ainda é e, por muito tempo, ainda será refém do referido patriarcalismo, presente nas relações trabalhistas e nas relações políticas, por exemplo, sem contar as relações sócio-culturais: existem aqueles que estão no mundo para usufruir do bom e do melhor (uns poucos) e existem aqueles que estão no mundo para provar do ruim e do pior (a imensa maioria): questionar isto é desafiar a ordem natural das coisas, legitimada por tantas e tantas abstrações da figura paterna. Liberalismo, democracia e direitos humanos só estão aí para manter cada um em seu devido lugar.
Quando a cultura ocidental se expandiu para áreas remotas do globo terrestre, a partir das Grandes Navegações, junto à necessidade de salvar as almas dos povos alheios à fé cristã, estava a demonização cultural do outro. Manifestações religiosas como a pajelança, o vodu e o candomblé foram, e ainda são, associadas às forças malignas agindo no mundo e a seu líder maior: Satã.
É sabido que a cultura de origem africana marcou fortemente o surgimento do rock, principalmente através do blues, estilo musical norte-americano de origem negra. Lendas envolvendo músicos de blues, os bluesmen, estão impregnadas da presença do Diabo, principalmente se considerarmos o mais emblemático desses bluesmen para o rock: Robert Johnson.
O blues surgiu no sul dos Estados Unidos, região onde o segregacionismo foi, a duras penas suplantado. Todo um contingente populacional negro via o Deus cristão benevolente com os brancos, enquanto para si sobrava a danação. Não foram poucos os negros que se adequaram aos valores cristãos na esperança de, ao menos, amenizar suas agruras mas, também, não foram poucos os que se assumiram no lado contrário: já que estavam no inferno, abraçaram o Capeta.
A vida nebulosa de Robert Johnson está coalhada de lendas envolvendo a presença do Diabo, num enredo digno de Fausto. A mais comum é a de que ele teria feito um pacto com o Demônio em troca de habilidades musicais e, consequentemente, da mulherada. Tal pacto teria sido selado numa encruzilhada, ponto estratégico em rituais de religiosidade africana. Cross Road Blues, ou O Blues Da Encruzilhada, gravada pelo Cream de Eric Clapton é de Johnson.
Morreu jovem, envolto numa bruma de mistérios, depois de realizar algumas gravações, em meados da década de 1930. Tais gravações foram redescobertas, nos anos 60, por músicos britânicos como o já mencionado Clapton, Keith Richards, entre outros. Assim, acabou interferindo crucialmente na história do rock.
Além de figurar nas lendas que envolvem a vida de Robert Johnson, o Diabo também se faz presente nas letras de seus blues, como neste trecho de Me And Devil Blues:
"De manhã cedo
Quando você bateu em minha porta
E eu disse: Olá Satã,
Acho que é hora de ir (...)."
Mas, mais que um sentido literal relacionado à presença demoníaca, a obra de Robert Johnson é uma alegoria ou metáfora da dissidência de uma parcela da população negra dos Estados Unidos, que não comprou as ilusões de liberdade e iniciativa vendidas pelo American Way Of Life no início do século XX e, ao invés de se encaixar num mecanismo controlado por brancos, buscou, à margem, uma liberdade própria, assumindo, para o bem ou para o mal, suas consequências.
Uma boa história faz tanto sucesso quanto uma boa música. Constantemente, os músicos de rock buscam estratégias para surpreender ou chocar seus espectadores, desde uma boa história até o visual. Neste sentido, um dos pioneiros foi Screamin' Jay Hawkins que, já nos primeiros anos do rock'n'roll, fazia uso de toda uma indumentária planejada para impactar. Um misto de feiticeiro africano com xamã, não fosse por ele, a vida de Alice Cooper, do grupo Kiss, de Marilyn Manson, de King Diamond e da banda Slipknot, só para citar alguns, seria bem mais difícil.
Conforme sua evolução acontecia, o rock acabou sendo dividido, pela crítica especializada em subgêneros musicais diversos, de acordo com as características predominantes na sonoridade, principalmente. Da década de 1960 para cá ficou comum ouvirmos definições como folk-rock, country-rock, blues-rock, garage-rock, kraut-rock, punk-rock, indie-rock, grunge rock, post-rock, etc, etc, etc.
Dentre todos os subgêneros do rock, o Heavy Metal se especializou em levar ao extremo características sonoras e líricas, ao ponto de dar origem às suas próprias subdivisões, tanto que as mais radicais, são agrupadas sob o rótulo de Metal Extremo.
A gênese do Heavy Metal está associada a um grupo de bandas que, em fins dos anos 1960, especializou-se em explorar as possibilidades de volume oferecidas pela tecnologia de amplificação disponível na época. Bandas inglesas como Cream, Jimi Hendrix Experience ( apesar de Hendrix ser americano), The Who, Led Zeppelin e americanas, como Iron Butterfly, Grand Funk Railroad, Blue Oyster Cult, entre outras. Vale lembrar que todas essas bandas tinham um ouvido nas experimentações sonoras realizadas, em estúdio, pelos Beatles.
Todavia, é consenso entre especialistas que a primeira banda de Heavy Metal foi o grupo inglês Black Sabbath. Na tendência apontada anteriormente a banda, com o nome de Earth, tocava um misto de blues e jazz carregado no volume e na distorção. Na saída de um ensaio, os músicos repararam na imensa fila formada na entrada de um cinema que exibia um filme de terror e perceberam, aí, um filão a ser explorado: as letras começaram a abordar temas relacionados ao desconhecido, ao assustador, à maldade, ou seja, o lado escuro da alma, a oficina do Príncipe das Trevas. Musicalmente, permaneceu o volume distorcido e o andamento foi se tornando agonizante, arrastado.
É interessante notar que, entre os músicos de rock sempre houve uma competição: se o The Who quebrava seus instrumentos ao final de sua apresentação, Jimi Hendrix, além de quebrar, pôs fogo em sua guitarra; se Jimi Hendrix usava os dentes para solar, Keith Emerson atacava as teclas de seu órgão elétrico com um punhal durante seus solos; sempre houve a banda que se julgou a melhor, a mais barulhenta, a mais rápida e, até mesmo a pior. Em suma, elementos explorados anteriormente acabavam sendo radicalizados a posteiori. Assim, os elementos explorados pelo Black Sabbath foram levados ao extremo pelas bandas das gerações seguintes.
No início da década de 1980, a banda inglesa Venom, meio que de gozação, deu origem ao primeiro dos subgêneros do Metal Extremo, o Black Metal: assumiram como certo o satanismo passível de interpretação de bandas anteriores e, com codinomes inspirados em divindades pagãs, se autoproclamaram os emissários musicais do mal.
[an error occurred while processing this directive]Fazendo eco ao que a banda Venom havia realizado na década anterior, toda uma geração de músicos noruegueses fizeram do satanismo uma bandeira ideológica a ser levantada contra a ordem estabelecida, visando retomar valores culturais considerados, por eles, puros. Valores estes corrompidos e eliminados quando a cultura das tribos germânicas da região, comumente e erroneamente chamadas de vikings, foi assolada pela doutrinação cristã. É a chamada segunda geração do Black Metal.
A postura anticristã, agora, deixa de ser subterfúgio para impactar e se torna doutrinação, no sentido mais drástico que o termo pode comportar, lembrando o fundamentalismo. Uma série de incêndios terroristas foi realizada tendo como alvo antigas igrejas históricas e, depois, alguns líderes estiveram envolvidos em homicídios. É necessário observar que o mesmo Estado agredido nos atentados subsidiou a carreira musical dos criminosos.
Musicalmente, os noruegueses foram bastante influenciados pela banda brasileira Sarcófago optando por uma estética sonora rudimentar que, no caso brasileiro, era limitação causada pelo subdesenvolvimento econômico. Com o passar do tempo, a simples definição de Black Metal se tornou insuficiente pois o espectro sonoro foi sendo ampliado com elementos folclóricos da Escandinávia pré-cristã, dando origem a novos rótulos, como o folk e o pagan-metal, por exemplo.
[an error occurred while processing this directive]Muito provavelmente, foram a insatisfação e o descontentamento que nos fizeram descer das árvores e caminhar sobre os dois pés. Se isto significou a Queda ou o Paraíso Perdido não importa mais. O que importa é que é isto o que significa ser humano: este fogo queimando a alma; nos fazendo querer sempre mais. Se é o fogo roubado por Prometeu ** ou o fogo da Luz Da Manhã ***, não vem ao caso pois, onde houver uma alma insatisfeita, descontente, ou seja, uma alma rebelde, como diz outro trecho da música a qual foi tirado o verso que dá título a este texto, haverá um Diabo que "fica dando os toques" *.
* Verso extraído da música Rock Do Diabo composta por Raul Seixas e Paulo Coelho e lançada por Raul Seixas no álbum Novo Aeon, em 1975.
** Titã que, na mitologia da antiga Grécia, roubou o fogo dos deuses e o deu para a humanidade, sendo, por isso, castigado.
*** Luz Da Manhã é um dos significados do nome Lúcifer, atribuído, comumente ao Diabo.
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