Rock Nacional: cinco ótimos álbuns lançados nos distantes anos 70
Por Tiago Froks
Postado em 30 de dezembro de 2012
Lembro de uma oportunidade, onde questionei um amigo sobre bandas nacionais dos anos 70. Na ocasião perguntei se conhecia alguma interessante e apenas o nome OS MUTANTES veio à tona, acompanhado do seguinte complemento: ah, RAUL SEIXAS vale como banda? Partindo dessa aparente carência, fui atrás do nosso glorioso rock setentista, e digo glorioso pois ele realmente merece o adjetivo. É importante frisar que, naquela época, o nosso rock era intrinsecamente ligado à MPB e sendo assim, não esperem cópias de bandas consagradas do mesmo período ou excesso de solos de guitarra ou virtuosismo exagerado. O nosso rock ainda engatinhava; apesar que com muito estilo e personalidade. Ainda sobre a sonoridade, adianto de forma positiva, que o rock nacional setentista deve muito ao emergente rock progressivo da época, e ainda é possível dizer que, quanto a originalidade, nossas bandas faziam frente a qualquer medalhão do gênero. Eis uma pequena e despretensiosa seleção de belos álbuns desse longínquo e inesquecível período que foram os anos setenta.
O TERÇO - O Terço (1970)
Apesar de atualmente quase não ser lembrado como uma banda de importância, O TERÇO é, quase que de forma unânime, eleita a nossa melhor banda de rock progressivo. É bem verdade que essa sonoridade ainda não estava presente nesse primeiro disco postado, pois a banda começou evidentemente a fazer rock progressivo a partir do seu segundo álbum, O Terço II, de 1972 e atingiram o ápice de seu talento no terceiro disco, o Criaturas da Noite, de 1975. Nessa época, a formação da banda era Sérgio Hinds no baixo, Jorge Amiden na guitarra e Vinícius Cantuária, na bateria. Além destes mencionados, a banda teve em suas diversas formações, nomes de peso, como o de Flávio Venturini, que trabalhou com o CLUBE DA ESQUINA e futuramente formaria o 14 BIS. Para não alongar muito o texto, eu destaco desse primeiro disco as faixas "Imagem", "Velhas História" e "A Longe Sem Direção" que julgo a melhor da álbum. Em suma, a sonoridade do disco varia entre o rock dos anos 50 e 60, com algumas pequenas intervenções de progressivo, mais evidente na execução da bateria, e em algumas sutis passagens orquestradas. É preciso comentar que a melodia de algumas canções são lindíssimas. Ótimo ponto de partida para começar a conhecer e entender o desenvolvimento do rock progressivo nacional.
A BOLHA - Um Passo A Frente (1973)
Lembro que a primeira vez que ouvi esse disco, eu estava totalmente dominado pelo rock progressivo. Foi por conta disso que fui atrás da banda. Quando comecei a ouvir a primeira faixa do álbum, fiquei surpreso e muito feliz por saber que havia ao menos uma banda nacional que tocava o estilo progressivo de uma forma tão competente. Até então, só conhecia as bandas consagradas inglesas e italianas. Sem ir muito longe, posso garantir que em nada esse disco fica devendo em qualidade a nenhuma banda de fora. Diferentemente do disco anterior, aqui o progressivo exala por todos os cantos. Há passagens maravilhosas de Hammond, tocado pelo Renato Ladeira, solos lisérgicos de guitarra e baixo consistente tocados por Pedro Lima e Arnaldo Brandão, respectivamente. A bateria ficou a cargo de Gustavo Schroeter. Esse disco é de mais fácil assimilação que o debut do O TERÇO, até porque aqui há bastante influência de HENDRIX e em alguns momentos traços de hard rock são percebidos. Só para citar um exemplo, ouçam as primeiras notas da faixa "Tempos Constantes" e me digam se não lembra algo de WISHBONE ASH. Sobre os destaques do disco, cito a suíte "A Esfera" e a faixa-título.
BETO GUEDES - A Página Do Relâmpago Elétrico (1977)
Quando comentei no início da matéria que o rock nacional dos anos setenta era intimamente ligado à MPB, fi-lo pensando principalmente nesse disco. Pode soar estranho o nome de Beto Guedes figurar numa lista como essa, mas me acreditem, esse seu primeiro disco solo, foi totalmente construído em terreno progressivo. Para credenciar ainda mais o que afirmo, Flavio Venturini (O TERÇO, 14 BIS e CLUBE DA ESQUINA) foi o responsável pelos teclados do álbum, e adianto que as nuances desse instrumento são das mais belas já registradas num lançamento de progressivo nacional. Sobre as letras das músicas, é importante citar-lhas, pois são de grande importância na concepção da obra. Mais íntima da poesia, a parte lírica do álbum exige atenção. Por exemplo, na faixa-título "A Página do Relâmpago Elétrico", os versos aparentemente desconexos, são envoltos por um pensamento místico; mas como interpretar e sentir poesia é coisa muito pessoal, é bem possível que não concordem comigo, sendo assim, é interessante ouvirem e tirarem as próprias conclusões. Para aqueles que ficaram interessados em ouvir o disco, cabe uma advertência, ou melhor, um aviso: é preciso acostumar-se com o timbre nada convencional da voz do Beto Guedes. A suavidade com que ele canta pode incomodar alguns roqueiros mais extremistas; mas garanto que isso vai passando com o tempo. Além da faixa comentada a pouco, também destaco a conhecida "Maria Solidária", feita em parceria com Milton Nascimento e Fernando Brant e a incrível e também instrumental "Chapéu de Sol", onde se nota todo o talento de Flávio Venturi tocando moog, ao melhor estilo de Jose Cid, consagrado compositor do prog português que gravou a obra "10.000 Anos Entre Venus E Marte", clássico de 1978.
OS MUTANTES - O A e o Z (1973)
A lendária banda aparece aqui com um dos seus álbuns menos conhecidos, "O A e o Z", gravado em 1973, mas que apenas foi lançado oficialmente em 1992. Quem julga conhecer o som feito pela banda, mas nunca ouviu esse álbum, pode se surpreender. Há dois fatores que fazem deste uma ovelha-negra na discografia da banda, são eles: a ausência de Rita Lee, que saíra um ano antes da banda e o afastamento da sonoridade Tropicalista e um total direcionamento para o rock progressivo. Arrisco a dizer que a faixa-título "O A e o Z" é o que de mais próximos produzimos do som feito pelo YES e de outras bandas de symphonic prog. Mudanças de andamentos, solos de moog, bateria quebrada são constantes durante todo o disco. Com a saída de Rita, os vocais ficaram quase que totalmente a cargo de Sérgio Dias, que também tocou guitarra, violão de 12 cordas e sítar. Esse último que por sinal foi-lhe ensinado por nada mais nada menos que Ravi Shankar, virtuose do instrumento e parceiro de composição de George Harrison, só para citar um exemplo. Completava o line-up da banda Liminha no baixo e Dinho Leme na bateria. Deixei o nome de Arnaldo Baptista por último por ser ele o grande destaque do disco, quiçá, de toda obra da banda até então. Multi-instrumentista tocou além de mellotron, órgão Hammond, violoncelo e até clarinete. Mas o grande destaque, sem dúvida, são as passagens de Hammond. Ouçam as viagens do instrumento em faixas como "Uma Pessoa Só" e "Rolling Stones". O único revés do disco, é que nele marca-se o ponto final do trabalho de Arnaldo com Os Mutantes. Problemas pessoais (como o rompimento do casamento com Rita Lee) e o excesso de LSD levaram o brilhante compositor por caminhos tortuosos. Mas mesmo com as dificuldades, o Sr Baptista ainda lançaria um mítico álbum solo, um ano depois, chamado Loki.
RECORDANDO O VALE DAS MAÇÃS - As Crianças Da Nova Floresta (1977)
A banda nasceu em Santos, estado de São Paulo, em meados dos anos setenta. Também representante do rock progressivo, eles tinham uma forte influência folk e também continham elementos do rock rural, principalmente na temática das letras (isso num segundo momento, pois esse álbum é todo instrumental) Ainda sobre o som feito pela banda, destaques para o trabalho de violão e algumas interessantes passagens de teclado e também de bateria (com muitas viradas na caixa, típico dos anos setenta) O vocal, nesse disco ausente, nos trabalhos futuros assemelhar-se-ia aos do Raul Seixas, mas longe de ser uma cópia. Fernando Pacheco foi o grande mentor da banda e também o responsável pelas partes de guitarra, que por sinal, são muito bem elaboradas. Por mesclarem sons de flauta e também de violino, tocados respectivamente por Domingos Mariotti e Eliseu Filho, o som da banda aproxima-se duma sonoridade renascentista, não sendo rara a sensação de estar-se ouvindo música de alguns séculos atrás. A faixa "The Children Of The New World" é a principal composição do disco e também a mais longa; uma suíte das melhores já feitas no estilo do progressivo sinfônico.
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