Pós-punk: The Church, The Sound e Wild Swans
Por Daniel Atroch
Postado em 17 de fevereiro de 2011
Neste breve ensaio (que deve ganhar algumas continuações), meu objetivo é trazer à tona algumas das melhores, e mais negligenciadas, bandas do que ficou conhecido como Pós-Punk, movimento que, apesar de enraizado no Punk, é mais artístico, e tende a ser mais depressivo, e obscuro, que este. Trata-se de um estilo menos voltado para o rock tradicional, e mais interessado em experimentos musicais, explorando texturas, atmosferas e, não raro, incorporando elementos de Avant-garde, Funk, Rock Psicodélico, etc., em suas composições. Ou seja, as bandas do estilo não eram nada modestas em suas ambições, mas, ao contrário do que se pode imaginar ao ler tal descrição, pouco tinham a ver com o progressivo que se extinguia quando da ascensão do pós-punk, conectando-se diretamente com a música experimental dos anos 60, emblemática em grupos como o VELVET UNDERGROUND, CAPTAIN BEEFHEART e THE WHO. O Glam Rock de DAVID BOWIE, T. REX, THE NEW YORK DOLLS e ROXY MUSIC também são grandes influências, com seu apelo teatral, visual extravagante e performances enérgicas.
As três bandas mencionadas no título do presente ensaio são o THE CHURCH, o THE SOUND e o WILD SWANS. Acreditamos que esta tríade figura entre as mais distintas das numerosas bandas de Pós-Punk, que vicejaram entre o fim dos anos 70 e toda a década seguinte; por conta disso, nos deteremos nelas. Além do que, estes grupos despontaram na época em que o movimento já estava consolidado, os anos 80, quando suas características haviam amadurecido consideravelmente.
Dito isso, iniciamos nosso "resgate" com o THE CHURCH, banda australiana formada em 1980, em Sydney, notável por sua combinação de psicodelia calcada nos anos 60, discernível nas texturas oníricas e melodias pop que permeiam suas canções, mesclada ao vigor do New Wave. Este amálgama sonoro remete tanto a THE BYRDS e SYD BARRETT, quanto a JOY DIVISION e DAVID BOWIE. A banda, que segue na ativa, é liderada pelo vocalista/baixista Steve Kilbey (também seu principal compositor), e passou por inúmeras formações, no entanto, em seu primeiro LP: "Of Skins And Heart", do qual vamos tratar, a formação contava, além de Kilbey, com Peter Koppes e Marty Willson-Piper nas guitarras, e Nick Ward na bateria.
Lançado em 1981, "Of Skins And Heart" é o seu trabalho mais direto, apesar de já ser tributário do rock viajante dos anos 60, mas essa tendência se acentuaria nos discos posteriores do grupo. Exatamente por isso, ele é um dos melhores álbuns da banda: vigoroso, pródigo em arranjos marcantes, belas harmonias e guitarras em primeiro plano. O disco conta com o que é considerado um dos melhores singles dos anos 80: "The Unguarded Moment", mas desde a empolgante abertura com "For A Moment We’re Stranger’s", passando pela cativante "Fighter Pilot... Korean War", até a mais cadenciada "In a Heartbeat", não há uma nota sequer desperdiçada.
Em 1982, foi lançada na América uma versão diferente do disco, que trazia singles "avulsos" da época, no lugar das músicas consideradas menos notáveis do trabalho original. Dentre eles, destaque absoluto para "Tear It All Away", com sua sonoridade nostálgica, dirigida pelo baixo galopante de Kilbey e aprofundada pelas guitarras psicodélicas de Peter Koppes e Marty Willson-Piper; trata-se de uma das mais belas músicas de rock de todos os tempos (evidentemente, é um julgamento subjetivo). Ressalto também a marcante "Too Fast For You" e a deliciosamente onírica "Sisters", com seus vocais resignados. Versões posteriores do álbum trazem, além do conteúdo integral do primeiro lançamento, estes singles imprescindíveis para se compreender a relevância da banda australiana.
Em 1988, o THE CHURCH arriscou despontar no mainstream, com o seu único Top 40, a elegante "Under The Milk Way", do LP "Starfish" (outro disco consistente), porém, desde então, o grupo evadiu-se das rádios e MTV’s da vida. Mas, qualquer discografia de rock que se preze, deve ostentar uma cópia de "Of Skin And Heart".
Formado em 1979, em Londres, Inglaterra, o THE SOUND é outro exemplo de banda excepcional que não avançara muito além das fronteiras de seu país natal, tendo, apesar disso, fiéis seguidores na Alemanha e na Holanda, além de ouvintes dispersos por todo o território europeu. Culpar a indústria musical, produtores ineptos e problemas com drogas, talvez seja razoável, no entanto, incontáveis bandas padeceram destes males, gozando, analogamente, de um sucesso avassalador. Não é o caso do THE SOUND, apesar de todos os seus álbuns serem relevantes, apresentando boas letras e musicalidade apurada. Não raro, os apontam como o elo entre o JOY DIVISION e o ECHO AND THE BUNNYMEN, porém, isto seria cometer grande injustiça com uma banda que possui identidade própria e, frequentemente, suplanta suas influências.
Seu primeiro LP: "Jeopardy", de 1980, recebeu conceito máximo em periódicos influentes da época, como o Melody Maker, Sounds, e New Musical Express (mais conhecida como NME, esta revista ainda é editada no Reino Unido). Trata-se de um disco cru, Punk, apesar de apresentar momentos "atmosféricos" proporcionados por camadas de teclados congelantes. O álbum é recheado de faixas radiofônicas, como o single "Heartland", a urgente "Heydey", além da excepcional faixa título, com a sua cadência volúvel. É um trabalho de primeira, contendo o que de melhor pode oferecer o pós-punk (e o rock, de forma geral), mas, nos deteremos em seu trabalho mais bem acabado: "From The Lion’s Mouth", de 1981, que consolida o som da banda, que consiste, basicamente, em roques musculares e econômicos, texturizados por teclados tocados com simplicidade, mas que contribuem efetivamente para a expressividade das canções. Na época, a formação da banda contava com Max Mayers (teclado), Graham Bailey (baixo) Michael Dudley (bateria), e o mentor do grupo, Adrian Borland (guitarra/vocais).
O produtor Hugh Jones conferiu a "From The Lion’s Mouth" um som mais cheio e rico que o de "Jeopardy", apesar de menos pungente. Mas, o que importa são as composições do disco, e elas são impecáveis. Além de cada uma delas ser extremamente idiossincrática, cativando o ouvinte após seguidas audições, revelando detalhes insuspeitos, a totalidade do álbum é coesa, alternando sabiamente fúria e calmaria, perfazendo uma peça única, que perde ao ser ouvida de forma fragmentada.
Os destaques ficam por conta de "Winning", com seus teclados evocativos, interpretação convincente de Borland e letra otimista, para os padrões da banda (e do estilo): "I was going to drown/Then I started swimming/I was going down/then I started winning." "Sense of purpose", um dos singles do LP, é extremamente bem construída, exibindo um trabalho de guitarra preciso e lúdico, de Adrian Borland; "Skeletons", por sua vez, tem um clima tenso, dirigido pelo baixo abissal de Graham Bailey; "The Fire" é conduzida por uma levada de baixo inquieta, e possui furor catártico. Finalmente, temos o espetacular encerramento do álbum com "New Dark Age", trazendo novamente em primeiro plano os belos teclados de Max Mayers, guitarras cortantes e a emocionante interpretação de Adrian Borland. Clássico é o adjetivo mais adequado para esta coleção de músicas incríveis que, infelizmente, é desconhecida da maioria, mas que caracteriza uma aquisição obrigatória para qualquer fã de pós-punk ou mesmo rock de qualidade.
Em 2002, o disco foi relançado pela Renascent, remasterizado e com o single avulso "Hothouse" incluído após alguns segundos da execução de "New Dark Age". Foi a forma que o selo encontrou de lançar o material extra e, ao mesmo tempo, respeitar a vontade de Adrian Borland, que não queria uma mudança na ordem das músicas do trabalho, no relançamento. Após o fim da banda, em 1987, o líder do THE SOUND seguiu carreira solo, mas tirou a própria vida em 1999.
Para encerrar nossa iniciativa de divulgação de bandas e trabalhos formidáveis do Pós-Punk oitentista, apresentamos o WILD SWANS: banta inglesa formada em Liverpool, Inglaterra, em 1980 mas que, somente em 1988 lançaria o seu primeiro Long Play (apesar de terem lançado alguns singles e participado de sessões na BBC) – "Bringing Home The Ashes", tema das linhas subseqüentes.
A banda contava com músicos de primeira, e debutaram na cena inglesa com um disco extremamente maduro (devido à experiência do grupo), onde todas as músicas poderiam figurar como singles, pois, sem exceção, são bem acabadas e possuem melodias radiantes, sustentadas por performances inspiradas dos músicos, especialmente do vocalista Paul Simpton, com o seu barítono "reflexivo" ("cruzamento" de Scott Walker e Morrissey (THE SMITHS)) e do guitarrista Jeremy Kelly, cujas guitarras hipnóticas despejam riffs inesquecíveis, particularmente brilhantes em "Archangels" e "Whirlpool Heart". Além desses elementos, o som da banda apresenta uma cozinha consistente, cortesia de Alan Wills (bateria) e Joseph Fearon (baixo), e teclados outonais de Ged Quinn. O resultado é um som rico, profundo e robusto.
De relevo, também, são as letras do grupo, que, neste álbum, versam, majoritariamente, sobre guerra e sentimento religioso ("Lord, I'm in your hands on Judgment Day", é um dos versos de "Young Manhood", mas não confundam o lirismo rico em imagens cristãs de Simpton, com pregação), o que nos remete a outra banda da época: o U2. Mas as comparações findam aqui.
Se distinguindo da maior parte das bandas do estilo, o WILD SWANS transmite, com suas letras e musicalidade, muito mais transcendência e catarse, que depressão e resignação frente à melancolia, mesmo na desconsolada "The Worst Year Of My Life", com a qual o disco se encerra.
O álbum "Bringing Home The Ashes" abre com a supracitada "Young Manhood", com sua levada empolgante e refrão "grudento". "Bible Dreams", a faixa seguinte, reflete o seu tema bélico no ritmo militar da bateria, pontualmente executada por Alan Wills. Na terceira música, "Bitterness", Simpton canta: "Forget about the bitterness of life", corroborando o que dissemos acerca do sentimento insuflado nas canções do Wild Swans. "Bringing Home The Ashes", o coração do álbum, é tão bela, que ganhou uma versão mais extensa em lançamentos especiais. O trabalho fecha com a mencionada "The Worst Year Of My Life", a música mais lenta do disco, que, além do tema de partir o coração, possui frases de guitarra doloridas de Jeremy Kelly, indubitavelmente um dos guitarristas mais injustiçados da década de oitenta, em minha opinião, perdendo, talvez, apenas para a dupla Peter Koppes e Marty Willson-Piper, do THE CHURCH.
Em 1999, "Bringing Home The Ashes" foi relançado pela Warner Music Japan, com faixas bônus. Mas, ainda assim, trata-se de um disco difícil de encontrar, mesmo na internet (pelo menos foi essa a minha experiência...). O WILD SWANS lançaria em 1989 seu segundo e, infelizmente, último disco: "Space flower", um trabalho não tão brilhante quanto o anterior (Jeremy Kelly havia abandonado a banda), mas, ainda assim, muito bom, fortemente influenciado pelo pop lisérgico dos anos 60. Vale conferir.
[an error occurred while processing this directive]Após ouvir estes trabalhos seminais do rock oitentista, e, por que não, universal, afinal de contas, trata-se de obras atemporais, tamanha a qualidade de suas canções, o leitor há de se perguntar, como eu, que descaminhos da indústria fonográfica legaram o THE CHURCH, o THE SOUND e o WILD SWANS a adquirir status cult, conservando até hoje uma leva de fãs fiéis que remontam à aurora dos grupos (e alguns novos garimpeiros musicais que os descobriram na internet), mas permanecer no ostracismo do grande público? Suponho tratar-se de problemas de divulgação, pois, ainda que o gosto musical da população, de uma forma geral, tenha decaído vertiginosamente dos anos 80 pra cá, em uníssono com a decadência da música pop, ainda há um público "são dos ouvidos" que, sem sombra de dúvida, faria justiça a Steve Kilbey, Adrian Borland, Paul Simpton e seus asseclas, os entronizando ao lado de quase unanimidades da época, como o THE CURE e o SIOUXSIE AND THE BANSHEES.
Chegamos ao fim desta breve lista de injustiçados do Pós-Punk da famigerada "década perdida". Evidentemente, há incontáveis outras bandas deste, e de outros estilos, que tiveram a mesma sorte ingrata das três bandas que tratamos, por motivos que podemos especular, mas, dificilmente, chegar a veredictos definitivos. Enfim, resta aceitar, como os gregos, que o futuro reservado pelas moiras (as três irmãs que determinavam o destino dos homens e mesmo dos deuses) é mesmo irrefutável e, seja lá o que fizermos, ele fatalmente se cumprirá, como Sófocles tão bem nos ensina... Mas, talvez isso não passe de consolo para quem já fracassou, ou não dispõe de vigor para a batalha... Bom, chega de divagações! Espero ter contribuído para enriquecer a cultura musical do leitor, além de prestar tributo a estas bandas geniais. Até a próxima!
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