Blind Guardian abriu a passagem brasileira numa noite calorosa no Circo Voador, no Rio
Resenha - Blind Guardian no Rio de Janeiro (Circo Voador, 18/11/2023)
Por Bernardo Lepore
Postado em 20 de novembro de 2023
O Blind Guardian abriu a passagem brasileira da "The God Machine Tour" pelo Rio de Janeiro, numa noite calorosa no Circo Voador, na Lapa. O assunto do momento na cidade era o adiamento do show da cantora Taylor Swift após a lamentável morte de uma fã em razão do calor - e embora o público no Circo fosse muito menor, o calor era o mesmo. Felizmente, uma breve pancada de chuva ajudou a amenizar o ambiente, e o espaço da casa favorece a circulação de ar, com uma ampla área externa que leva ao espaço coberto do show.
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Pouco após a chuva, iniciou uma breve introdução e a banda subiu ao palco. A turnê é do bom "The God Machine" (2002), mas os riffs iniciais anunciavam a incrível "Imaginations From the Other Side", canção que dá nome ao álbum de 1995. Uma das grandes características do Blind Guardian são os arranjos vocais, com o cantor Hansi Kürsch gravando harmonias vocais, backing vocals e coros, tornando a reprodução ao vivo um desafio. Por mais que os demais músicos se empenhem nos microfones, não é exagero dizer que as canções realmente ganham com a participação da plateia nos refrões e em outros momentos-chave. Como se repetiu ao longo da noite em diversos momentos, sobretudo nas canções dos discos lançados nos anos 90, o público participou cantando inclusive trechos que a banda não teria como reproduzir sem auxílio de cantores de apoio contratados ou faixas pré-gravadas (que felizmente a banda não usa).
O entusiasmo dos músicos no palco ajudou a esconder os problemas iniciais com o som das guitarras, que oscilaram nas duas primeiras canções. A sensação era de que o calor do início do dia havia incendiado o ânimo da plateia e contagiado a banda, que teve uma performance muito animada durante toda a noite. O guitarrista base Marcus Siepen, tradicionalmente o mais agitado, transitava pelo estreito palco do Circo enquanto vibrava e cantava com o público. André Olbrich não pode se mexer tanto em razão do set de pedais, mas também estava visivelmente animado e fazia questão de interagir durante os solos.
Aliás, pouco se fala sobre o talento do guitarrista solo do Blind Guardian. Se os arranjos vocais são responsáveis por um bom tanto do que a banda tem de mais característico, Olbrich consolidou seus fraseados de guitarra, muitas vezes em paralelo aos vocais, como uma parte fundamental da música da banda. Kirk Hammet, do Metallica, é famoso pelo uso frequente do pedal wah-wah, mas o guitarrista solo do Blind Guardian parece ainda mais competente no seu uso, criando solos que soam como "músicas dentro da música". Como resultado, melodias tão cativantes que fazem a plateia cantar também as linhas de guitarra!
O frontman Hansi Kürsch não se destaca pela presença de palco, é verdade, mas compensa com a plena confiança que tem no repertório de 35 anos da banda, o que se reflete na carismática e bem humorada interação com a plateia. Querem ver?
Hansi disse que a segunda música seria uma referência ao guitarrista Marcus Siepen, que hoje ostenta uma cabeleira grisalha. Acontece que "Blood of the Elves" (do recente The God Machine) é baseada nos livros da série The Witcher, em que o protagonista, Geralt, tem longos cabelos brancos. Entre risos na banda e no público, o vocalista até disse que seu colega de banda poderia ser chamado de Geralt – o que alguns na plateia logo fizeram, claro. A música, das mais rápidas do disco de 2022, funcionou bem ao vivo.
Em seguida, o vocalista disse que sairíamos do calor do Rio para um lugar gelado... uma referência à rebelião dos elfos noldor, de Tolkien, que em O Silmarillion atravessam o mar e o norte congelante para enfrentarem Morgoth, o Inimigo. "Nightfall" é uma das preferidas do álbum "Nightfall in Middle-Earth" (1998). Ao lado canção executada em seguida, "The Script for My Requiem" (mais uma de "Imaginations from the Other side"), foram os melhores exemplos de como o público estava disposto a preencher cada linha do arranjo de vozes original. Destaque para os gritos de "Crucify! Crucify!" na metade da música, com todos a plenos pulmões e muitos punhos no ar.
"Violent Shadows" foi a segunda música tocada do álbum mais recente, e é uma das mais pesadas não só de "The God Machine", mas de todos os últimos álbuns. O destaque aqui é o baterista Frederik Ehmke, que mostrou estar disposto a segurar um repertório cansativo sem problemas.
"Skalds and Shadows" foi o primeiro momento acústico da noite. Com sonoridade que remete à música tradicional irlandesa, a bonita canção foi a representante de "A Twist in the Myth" (2006). Mas foi a seguinte a responsável por reacender o público. Anunciada por Hansi como "uma canção sobre o bem contra o mal", ela conta a história de um guerreiro que é derrotado por um inimigo muito mais poderoso (o mesmo Morgoth de "Nightfall"). "Time Stands Still (At the Iron Hill)" é outra favorita dos fãs. Nessa vez, a influência de música folclórica irlandesa é nas linhas de guitarra - e eis o grande mérito na estética sonora do Blind Guardian, usar tais influências como parte de canções genuinamente power metal, sem instrumentos acústicos. Não que instrumentos acústicos em bandas de metal sejam um problema (pelo contrário!), mas ao não utilizá-los no seu repertório mais pesado, a banda afirma a sua proposta, que é inserir tais elementos nas composições de uma banda de metal com a formação tradicional de guitarra-baixo-bateria (o teclado quase sempre apenas preenchendo a harmonia).
"Secrets of the American Gods" foi a terceira e última faixa de "God Machine" a ser executada. De andamento mais cadenciado, o destaque ficou pelos ótimos solos de Olbrich e pelo refrão poderoso.
Nesse ponto, chamava a atenção também como a voz de Hansi Kürsch está em perfeita forma. O estilo do Blind Guardian é um grande desafio para o cantor nas apresentações ao vivo, não só pela dificuldade em reproduzir as diversas linhas vocais, mas também pela dinâmica das canções, com momentos acelerados e lentos, altos e baixos, mais e menos agressivos – às vezes tudo isso em uma mesma música. Hansi mostrou ter total consciência desse desafio, sabendo dosar a voz para uma apresentação consistente, exibindo sua potência vocal sempre que as músicas mais exigiam.
As três músicas seguintes foram de períodos mais antigos da banda: "The Bard’s Song – In the Forest", única da noite de "Somewhere Far Beyond" (1992), é sempre um dos grandes momentos das apresentações do Blind Guardian. Hansi deixa quase todas as vozes a cargo da plateia, em um uníssono emocionante. Trata-se de um clássico que há mais de 30 anos confirma que tem força na simplicidade da sua melodia.
A próxima, "Majesty", é do primeiro disco da banda, "Batallions of Fear", de 1988. O vocalista Hansi Kürsch já declarou estar cansado da música – mas, nos perdoe, Hansi, ela é sempre excelente ao vivo. A empolgação do público começa na introdução, ao acompanhar em coro as notas do teclado, e se transforma em euforia com os primeiros riffs. Como a maior parte das bandas de power metal dos anos 1980, o Blind Guardian foi fortemente influenciado pelo thrash e speed metal, o que se reflete nas canções da sua primeira fase. Só que no power metal os riffs acelerados e cortantes típicos do thrash culminam quase sempre em refrões que evocam um sentimento épico. Majesty é um dos grandes exemplos e foi um dos destaques da apresentação, tanto pela reação do público, quanto pela performance da própria banda.
Com todos ainda recuperando o fôlego, uma grata surpresa: "Traveller in Time", faixa inicial de "Tales from the Twilight World" (1990) retornou ao repertório em 2023 após alguns anos e foi um final apoteótico para a primeira parte da apresentação.
Após um breve intervalo, o sistema de som da casa começa as primeiras notas de "Sacred Worlds" (de "At the Edge of Time", 2010). A canção pertence a uma fase mais "pomposa" da banda (iniciada em "A Night at the Opera", de 2002, sem nenhuma canção no show), que enfatiza arranjos com muitas orquestrações. Não é a fase preferida deste aqui que escreve, mas pouco importa a minha opinião: de 2002 para cá a banda conseguiu consolidar e ampliar seu público, o que fica claro nas turnês sempre bem-sucedidas, e essa sonoridade tem um papel nisso.
"Lord of the Rings" é uma canção que teve duas versões de estúdio: em "Tales from the Twilight World" (1990), com um belo solo de guitarra de Marcus Siepen; e uma versão acústica em "The Forgotten Tales" (1996), que, entre outras alterações, substitui o solo por um acréscimo na letra, com novo arranjo de vozes. Nas apresentações ao vivo a banda tem privilegiado o arranjo de 1990, com o solo – o que não impede a plateia de cantar a plenos pulmões o trecho da versão de 1996 ("I’ll keep the ring..."), criando uma terceira versão da canção. É o que ouvimos em "Live" (2003), "Live Beyond the Spheres" (2017), e o público do Rio pôde cantar em 2023.
Sentindo que o final da apresentação estava perto, partiu do público a iniciativa de cantar "Valhalla, Deliverance/Why've you ever forgotten me", refrão da canção de "Follow the Blind" (1989). Ante os olhares surpresos e risos da banda, o vocalista declarou "Vocês são loucos!", antes de anunciar que era mesmo "Valhalla" a próxima canção. Como já se tornou tradição, o refrão da música foi cantado pelo público por alguns minutos após ela terminar.
[an error occurred while processing this directive]Em seguida, os pedidos da plateia por "Into the Storm" pareceram deixar a banda claramente em dúvida. A música não estava no set list. "Mas será que tocamos?", era possível ler nas expressões dos músicos. Ela não tem sido tocada desde 2022, e Hansi decidiu seguir o programado. Anunciou "Welcome to Dying", mais uma paulada de "Tales from the Twilight World".
Por fim, a música que tem encerrado a maior parte das apresentações do Blind Guardian e talvez seja, hoje, a mais querida pelos fãs, "Mirror Mirror". É uma mistura de tudo o que a banda tem de melhor: excelentes riffs, fraseados de guitarra inspirados na música folclórica irlandesa, melodias e arranjos vocais marcantes e talvez o melhor refrão da banda. Não é exagero dizer que é um clássico não só do Blind Guardian, mas do heavy metal como um todo.
Ao final da quinta apresentação da banda no Rio de Janeiro, todos viram uma banda entrosada e visivelmente feliz no palco. Este escriba, que esteve presente nas outras quatro apresentações na cidade (2002, no finado Canecão; 2006, Vivo Rio; 2011, Fundição Progresso; 2015, novamente Vivo Rio), não se lembra de ter visto a banda tão à vontade e entusiasmada. Ao longo de dezesseis canções, que passaram por nove dos doze álbuns da banda, os cariocas viram o que o Blind Guardian tem de melhor para mostrar.
Blind Guardian – 19/11/2023 - Circo Voador
Hansi Kürsch – vocal
André Olbrich – guitarra solo
Marcus Siepen – guitarra base
Frederik Ehmke – bateria
Johan van Stratum – baixo
Kenneth Berger – teclado
Intro
Imaginations From the Other Side
Blood of the Elves
Nightfall
The Script for My Requiem
Skalds and Shadows
Time Stands Still (At the Iron Hill)
Secrets of the American Gods
The Bard's Song - In the Forest
Majesty
Traveler in Time
(Intervalo)
Sacred Worlds
Lord of the Rings
Valhalla
Welcome to Dying
Mirror Mirror
Sacred Worlds (outro)
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