Eddie Van Halen e os bastidores de uma vida extraordinária

O saudoso guitarrista Eddie Van Halen dispensa introduções. O que surpreende, na entrevista da lenda em 2017 pelo museu estadunidense Smithsonian, é o jeito humilde, quieto e pé no chão do astro que revolucionou o rock e a guitarra elétrica.

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Por quase uma hora, a entrevistadora Denise Quan guia o artista com delicadeza por toda sua trajetória de vida, desde o encontro de seus pais. Músico viajante holandês, o Van Halen pai se apresentava na Indonésia quando se apaixonou por uma garota local. Após a independência da Indonésia em relação à Holanda, a mãe de Eddie pôde escolher entre ir viver na Holanda ou permanecer em seu país. O casal escolheu a Holanda, onde, entretanto, a moça sempre seria "cidadã de segunda classe" por sua origem indonésia.

Ao se mudarem para os Estados Unidos, passaram por problemas. Os filhos não falavam a língua e eram hostilizados no colégio. A mãe trabalhava como empregada doméstica e o pai arrumava qualquer serviço para fazer, sem conhecer outros músicos com que tocar. Passaram-se anos até que ele voltasse a construir um círculo social de músicos.

Com a música no sangue, a família sempre incentivou que os dois filhos tivessem aulas de algum instrumento. Eddie declara que a única aula formal de música que já teve foi de piano clássico, que frequentou por anos na juventude. Nunca aprendeu a ler partitura, fato que o professor só descobriu por acaso, depois de anos de aulas, em um momento em que estava com a mão ocupada e pediu ao aluno para virar a página da partitura. Eddie ficou paralisado, sem saber bem o que fazer. O professor, muito surpreso, disse, "Mas você usa a partitura há anos!", e Eddie finalmente confessou, "Na verdade, eu nunca aprendi!". Ele diz que não consegue focar a vista na partitura enquanto se concentra no que toca. Aprendeu por observação.

Na mesma época do piano, os dois meninos tocaram em recitais. Não era permitido ler partitura na apresentação, o que Eddie viu como uma vantagem a seu favor. Depois que todos já tinham se apresentado, a família tinha que esperar nos bastidores enquanto os vencedores iam sendo selecionados. Primeiro os melhores dois mil, depois os melhores mil, os melhores duzentos, e assim por diante, até chegar aos três melhores. O processo demorava tanto, e criava tanta ansiedade, que Eddie queria ir embora antes do fim, pensando, "Nós nunca vamos ganhar, vamos logo embora e acabar com esse estresse". Era o pai que sempre dizia, "Nada disso, vamos ficar até o final, você nunca sabe no que vai dar". Os dois irmãos acabaram de fato ganhando.

O primeiro instrumento que Eddie teve foi uma bateria. Tentou aprender até sentir que aquilo definitivamente não era a sua praia. O irmão, Alex, baterista do Van Halen, estava aprendendo guitarra, mas sentia o mesmo. Um dia, Alex tentou tocar a bateria do irmão e, segundo Eddie, foi imediatamente muito melhor do que ele que tentava há tempos, então os dois trocaram de instrumento. Ambos sentem que o outro teve uma intimidade natural com o próprio instrumento.

Eddie alega que suas inovações mais célebres nasceram de pura necessidade. "Eu não tinha dinheiro pra um monte de pedais e toda aquela parafernalha, então tive de achar formas de conseguir os mesmos sons sem nada daquilo." Perdeu a conta de quantas guitarras desmontou para ver como funcionavam por dentro, e realizava infinitas "cirurgias" para tentar conseguir um som melhor. Por exemplo, ele gostava dos captadores humbucker da Gibson Les Paul, mas do estilo da Fender Stratocaster, então abriu a Les Paul para retirar os captadores, cavou um buraco maior na madeira da Fender e os instalou ali. Hoje, essa combinação é feita pelas grandes marcas de forma rotineira. Ao longo de tantas experiências de Frankenstein, Eddie já levou choques que pareciam ser "(o boxeador) Mike Tyson te dando um chute no peito".

Já a pintura famosa de sua guitarra nasceu mais por acaso. Eddie a pintou de preto, mas achou básico demais, então colou tiras de fita adesiva e pintou de branco por cima. Assim, por um impulso do momento, surgiram as listras que marcaram uma década e hoje figuram em guitarras das maiores marcas.

Também por acaso, Eddie aprendeu um truque na regulagem do volume do amplificador. Ele conta que comprou um amplificador barato e não notou que o aparelho tinha origem britânica e, portanto, era feito para receber 220 volts. A tomada de sua casa era de 110 volts, e, assim, o som da caixa saiu muito baixo. "Só eu e o cachorro conseguíamos ouvir", brinca. Mas isso o levou a pensar. Foi a uma loja de elétricos e comprou uma espécie de interruptor que regulava a voltagem que poderia ser transmitida. Desse momento em diante, "a voltagem se tornou meu botão de volume". Ele sentia que o amplificador só tinha um bom som com o volume no máximo, então, se queria um som mais baixo, apenas reduzia a voltagem. Assim, começaram testes de tentativa e erro para entender que número de voltagem era melhor para cada situação. Shows pequenos, por exemplo, pareciam ter por volta de 89 volts como o ponto ideal.

Quando perguntado sobre que músicas o influenciaram, Eddie surpreende ao responder que praticamente não escuta música. Diz que Eric Clapton foi uma inspiração por seu estilo "puro" de tocar, sem tantos efeitos, já que o próprio Eddie não possuía muitos pedais. Mas, no dia a dia, gosta de ouvir o leve ruído do motor do carro enquanto dirige. Mesmo figuras lendárias como Jimi Hendrix não fizeram parte da playlist de sua vida. "Em um ensaio, alguém me mostrava uma música de uma dessas pessoas, e assim eu tinha contato. Mas eu não compro um disco desde..." Seu irmão Alex, na plateia, grita para o palco que o último foi um hit de décadas antes.

O guitarrista se tornou muito conhecido pelo emprego do tapping, forma de tocar que usa as duas mãos no braço do instrumento. Conta que não sabia como se chamava, era apenas parte natural de seu jeito de tocar. Após um breve solo brilhante no palco do evento, comenta críticas que dizem que ele não inventou a técnica, como supostamente alega. "Eu nunca disse que inventei. Só me lembro exatamente de quando e como aprendi. E nunca vi ninguém usar da mesma forma que eu, formando peças inteiras de música."

Ele relata que, na época, o rock não era a maior aposta das gravadoras. A banda ouviu diversas vezes que a sensação do momento era a disco music, e que ninguém mais estava interessado em rock. Felizmente, para o bem geral da humanidade, eles não deram ouvidos. A entrevistadora comenta que, em seguida ao gigantesco sucesso da banda, logo surgiram diversos imitadores do estilo. Pergunta o que ele achou disso. Sem freios na língua, Eddie conta que, na época, aquilo o irritava, até seu irmão e seu filho lhe dizerem que "imitação é a maior forma de elogio", e ele aprender a deixar para lá.

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Sobre o estilo do Van Halen, Eddie diz que a vantagem de terem aprendido sem recursos foi a marca única da banda em tudo que fazem. "Você escuta a minha guitarra, ou a bateria do Alex, e sabe que é Van Halen. É só isso que sabemos fazer."

O artista também comenta sua amizade com ninguém menos que Les Paul, criador da inimitável guitarra Gibson Les Paul. Ele conta que o inventor, morando do outro lado do país em outro fuso horário, costumava telefonar nos horários mais absurdos. Eddie, com a voz grogue, dizia, "Paul, são três da manhã". Em uma dessas conversas da madrugada, Eddie comentou que estava com dificuldades de segurar a palheta sem que escorregasse, e então tinha aplicado nela papel lixa com uma super cola, reduzindo a fricção. Les Paul disse, "Eddie, você não vai acreditar, eu acabei de fazer a mesma coisa!". Eddie conclui com saudade que os dois tinham uma conexão em outro plano. Segundo ele, certa vez, Les Paul teria dito, "Eddie, só eu, Leo Fender e você sabemos mesmo como construir uma guitarra".

Menino de muitas pátrias, homem inquieto e visionário, Eddie Van Halen tem seu lugar garantido na memória do rock. E fez muito por merecer.

Para quem quiser conferir essa história nas próprias palavras do herói, segue o link da entrevista (infelizmente, em inglês com legendas apenas em inglês).

Entrevista de 2017 realizada pelo Museu Nacional Smithsonian de História Americana e Zócalo Public Square, por Denise Quan.