Baterista do Def Leppard lembra como reaprendeu a tocar tendo apenas um braço

Em 31 de dezembro de 1984, Rick Allen sofreu o acidente de carro que lhe custaria o braço esquerdo. Naquele momento, o baterista experimentava o sabor da fama junto ao Def Leppard. O álbum "Pyromania", lançado no ano anterior, catapultou a banda ao sucesso, vendendo mais de 8 milhões de cópias apenas à época.

Trabalhando em um novo disco, que se tornaria um êxito ainda maior, o quinteto interrompeu os trabalhos para as festas de final de ano. Até mesmo um compromisso no início de 1985 – a participação no primeiro Rock in Rio – havia sido cancelado, para que os músicos se dedicassem a criar novas composições.

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No entanto, todos os planos foram interrompidos. O vocalista Joe Elliott relembrou ao Music Radar o telefonema inesperado recebido na manhã de 1º de janeiro. Do outro lado da linha estava o empresário Peter Mensch.

"Ele disse ‘Rick bateu o carro e perdeu um braço’. Depois que desliguei o telefone, chorei muito. Meu pai colocou as mãos nos meus ombros, serviu um uísque e disse: ‘Beba’. Eu estava sentada naquela cadeira, chorando e pensando, ‘Deus todo poderoso...’"

Na tarde da véspera de Ano Novo, Rick Allen estava dirigindo seu novo Corvette Stingray preto em uma estrada rural perto da A57, próximo a Sheffield, cidade inglesa onde o Def Leppard nasceu. No banco do passageiro estava sua namorada holandesa Miriam.

O músico perdeu o controle da direção em uma curva fechada, bateu em um muro de pedra seca e rolou para um campo. Seu cinto de segurança não estava bem preso: ele foi jogado para fora do veículo, mas seu braço esquerdo permaneceu dentro, arrancado na altura do ombro. Miriam ficou presa no carro, atordoada, mas sem ferimentos graves.

Quando a equipe da ambulância chegou, Rick ainda estava consciente e em choque profundo. Isso o ajudou a estancar o sangramento no ombro, o que o salvou. As primeiras palavras que ouviu foram de um médico: "Você ainda está vivo".

O próprio lembrou: "A única maneira que posso descrever é que você entra em um tipo de modo de sobrevivência em que todos os seus sentidos normais desligam. Seja qual for a consciência que esteja lá, tudo o que importa é sobreviver. Você simplesmente vai para esse lugar onde não há dor, e naquele lugar você é capaz de decidir se é melhor morrer ou ficar aqui."

Rick, que tinha completado 21 anos apenas oito semanas antes, continuou: "Quando fui levado para o hospital, lembro-me de estar acima da ambulância e observar toda a cena, e então voltar, uma espécie de integração. Está além das palavras, além da compreensão, uma experiência mística."

No Royal Hallamshire Hospital, em Sheffield, sua condição foi estabilizada e seu braço recolocado. A primeira pessoa a chegar ao local do acidente foi uma parteira que morava perto. Ela havia colocado o braço de Allen no gelo que havia preparado para sua festa de Ano Novo.

Na manhã seguinte, com a família no hospital, o primeiro integrante da banda a se juntar a eles foi o baixista da banda Rick ‘Sav’ Savage, que também estava em casa em Sheffield. Quando viu Rick inconsciente em uma cama de hospital, ele ficou arrasado. "Fiquei entorpecido. Minha primeira reação foi ‘é isso, acabou para ele...’"

Joe Elliott chegou ao hospital naquela noite. Rick recebeu morfina e ficava entrando e saindo da consciência enquanto o cantor estava sentado ao lado da cama. No dia seguinte, os cirurgiões tiveram que remover o braço em definitivo, pois o ferimento havia infeccionado com gangrena.

Como Joe lembrou: "Esse foi o ponto mais baixo para mim. Pensei, ‘meu Deus, que crueldade! Recuperar o braço e depois tirá-lo novamente’."

Ainda assim, o vocalista continuou com o pensamento de que poderia ter sido pior. Rick quase morreu. E durante as primeiras 24 horas após o acidente, temeu-se que ele perderia os dois braços, já que o direito estava quebrado quase além do reparo. Mas esse iria sarar. Rick era jovem e forte. Os médicos tinham certeza de que ele se recuperaria e sairia do hospital em seis meses.

Ainda assim, perguntas giravam na cabeça de Joe, como o próprio recorda: "O que ele vai fazer? O que vamos fazer? Vamos contratar outro baterista? Nenhum de nós queria isso."

Em 4 de janeiro, Allen recuperou a consciência total. Ele garantiu a Joe, "Eu vou ficar bem," embora em seu coração não acreditasse. Como admitiu mais tarde, "Eu não achava que seria capaz de fazer nada de novo."

De qualquer modo, Rick deu à banda a bênção para voltar a trabalhar sem sua presença, enquanto tentavam terminar o álbum "Hysteria". Com alguma relutância, eles concordaram. No dia seguinte, Joe, Sav e os guitarristas Steve Clark e Phil Collen retornaram ao Wisseloord Studios na Holanda. O que quer que o futuro reservasse, havia pelo menos uma certeza. Como Joe disse, "Rick estava na banda até dizer que não estava".

Isso foi confirmado durante o segundo dia da banda de volta ao Wisseloord, quando eles receberam o primeiro de vários telefonemas de bateristas solicitando uma audição. Joe contou: "Um cara americano disse: ‘Ei, cara, ouvi dizer que você precisa de um novo baterista’. Respondi ‘Bem, tenho três palavras para você, amigo: vá se f*der!’"

Rick tinha um CD player em seu quarto de hospital. No começo, ele achou difícil ouvir música. "Ele me lembrou do que eu costumava fazer e o que não era mais capaz de fazer".

Mas logo, intuitivamente, ele começou a bater ritmos com os pés contra o bloco de espuma no pé da cama, colocado ali por uma enfermeira para evitar que seu corpo escorregasse.

Na segunda semana de janeiro, Rick foi visitado por ‘Mutt’ Lange, o produtor que o Def Leppard chamou de "nosso sexto membro". Lange havia produzido e coescrito o multimilionário "Pyromania".

Lange também ajudou a escrever as músicas de "Hysteria". Mas depois de anos trabalhando sem parar em álbuns para AC/DC, Foreigner e The Cars, assim como Def Leppard, disse que estava esgotado e não conseguia se comprometer a produzir o álbum. Porém, quando visitou Rick Allen, tudo mudou.

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Mutt estava convencido de que Rick ainda sabia tocar bateria. Ele explicou como a tecnologia moderna poderia ajudá-lo: como um kit de bateria eletrônica permitiria que replicasse padrões usando sua mão direita e pé esquerdo que antes tocaria com as duas mãos. "Mutt foi simplesmente fantástico", reconheceu Rick.

Enquanto os designers da empresa de bateria Simmons começaram a trabalhar na criação deste novo kit, Rick fez um rápido progresso em sua reabilitação física. Apenas duas semanas após o acidente, realizou sua primeira tentativa de ficar de pé; desequilibrado, caiu no chão. Uma semana depois, aprendeu a andar novamente, adaptando o peso do corpo para se equilibrar. Desenvolveu novas habilidades de vida: como comer com uma mão, escovar os dentes e amarrar os sapatos.

Mutt sentou-se com Rick por muitas horas, sempre oferecendo encorajamento. E durante uma visita, Rick perguntou se ele consideraria produzir o novo álbum, no qual estavam trabalhando desde o verão de 1984 - primeiro, com Jim Steinman, escritor de "Bat Out Of Hell" do Meat Loaf, que foi rapidamente removido do projeto, e depois com Nigel Green, o braço direito de Lange.

Como relembrou: "Eu apenas disse a ele, ‘Mutt, nós realmente precisamos da sua ajuda. Não estamos em um bom lugar no momento. Você passaria algum tempo conosco e veria se não conseguimos fazer esse disco?’ Acho que foi uma combinação de coisas que o trouxe de volta. E foi a melhor coisa que poderia ter acontecido."

Rick recebeu alta do hospital após seis semanas, não os seis meses previstos pelos médicos. Depois de mais duas semanas na casa dos pais em Sheffield, não conseguiu mais esperar e voou para se juntar à banda em Wisseloord. Seu novo kit foi montado no Studio 4. Todos os dias, durante três semanas, praticava sozinho enquanto a banda trabalhava com Mutt e Nigel Green no Studio 2.

Frequentemente se encontrava com os outros em intervalos para café, mas em todos os outros momentos a porta do Studio 4 ficava firmemente fechada. "Ele ficava lá apenas tocando, tocando e tocando", disse Joe. "Ele queria cometer todos os erros sozinho. E então ele nos chamou em um dia e disse: 'Ouçam isso.'"

Rick tocou uma música clássica do Led Zeppelin. "Ele tocou ‘When The Levee Breaks’ e todos nós acabamos chorando. Daquele momento em diante, acho que todos começamos a acreditar."

O que ajudou Rick a desenvolver uma nova maneira de tocar bateria foi algo que já havia experimentado no "Pyromania". "Tocávamos todas as faixas com uma bateria eletrônica e então eu entrava e tocava por cima — apenas com percussão ou kit completo. Ninguém tinha feito isso antes."

Agora, ele se reinventaria novamente, com uma nova mentalidade. "Uma das melhores coisas que aconteceram comigo foi que parei de me comparar com o que costumava ser e me comparar com os outros. Uma vez que aceitei o fato de que essa era uma maneira realmente única de tocar, isso me libertou completamente. Eu não me sentia inferior. É isso que sou. É assim que tenho que fazer."

O retorno de Rick Allen foi completo quando, no verão de 1986, o Def Leppard tirou um tempo das gravações de "Hysteria" para tocar em shows em festivais europeus. "Parecia que estávamos sempre no estúdio", disse Joe. "Precisávamos sair para o mundo, para nos reenergizar. E foi uma das melhores decisões que já tomamos."

Primeiro, a banda ensaiou por um mês em um subúrbio de Dublin, com Jeff Rich, do Status Quo, alistado como segundo baterista. Como Rick Allen admitiu, "Ninguém, inclusive eu, tinha 100% de certeza de que eu conseguiria tocar um show inteiro."

A banda recém-expandida foi testada na estrada com shows de aquecimento discretos em clubes irlandeses. Os três primeiros correram bem, com Rick lidando bem com seu novo kit eletrônico. Mas quando chegaram a Ballybunion, no Condado de Kerry, houve um problema: Jeff Rich, tendo voado para o Reino Unido para um show do Quo, teve seu voo de volta atrasado pela neblina.

Não havia escolha a não ser cancelar ou continuar sem ele. Rick escolheu a última opção. A banda estava com 40 minutos de show quando Jeff chegou e pulou atrás de seu kit. Joe relembrou: "Eu me virei para pegar uma bebida, vi Jeff e disse: 'Ah, eu nem sabia que você estava aqui!' Então Rick realmente tinha arrasado. Na noite seguinte, em Waterford, o palco era pequeno demais para acomodar dois kits. Perguntaram a Rick: 'Você quer tentar sozinho?' Sua resposta: 'F**k yeah!'"

Com Jeff Rich olhando, Rick tocou ainda melhor. Após o show, os dois bateristas se abraçaram antes de Jeff dizer, sorrindo: "Acho que vou para casa amanhã, então." Mesmo assim, Rick estava cheio de dúvidas antes da primeira grande aparição, em 16 de agosto: Monsters of Rock no Donington Park em Leicestershire. Ele admitiu: "Eu me perguntei se estava louco por querer fazer isso."

O Def Leppard se apresentou no final da tarde, depois do Motörhead, antes do Scorpions e do headliner Ozzy Osbourne. Enquanto uma plateia de 70.000 pessoas os aguardava, Rick estava tremendo. "Eu estava meio que em uma bolha, hiperfocado no que estava fazendo."

Foi decidido de antemão que Joe não diria nada ao público sobre Rick, mas no final do set da banda, eles foram chamados de volta para um bis, e Joe disse a Phil Collen: "Eu tenho que fazer isso." Enquanto o Def Leppard tocava uma versão da música "Travelin’ Band", do Creedence Clearwater Revival, Joe disse simplesmente: "Senhor Rick Allen na bateria!"

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A resposta foi uma ovação tão alta que Joe sentiu o ar se mover. "Aquilo jogou seu cabelo para trás". A profundidade da emoção transmitida naquele momento foi tão grande que Rick ficou impressionado. "Eu chorei tanto que precisei de um balde! Foi uma libertação de todas essas emoções reprimidas e uma confirmação para mim. Foi fantástico e levo comigo para sempre."

Um ano depois, o álbum "Hysteria" foi lançado e se tornou um dos mais vendidos de todos os tempos. Foram mais de 25 milhões de cópias em todo o mundo, chegando ao número 1 nos Estados Unidos e Reino Unido. 7 das 12 faixas do tracklist original foram lançadas como singles. Acabou sendo o último a contar com o guitarrista Steve Clark, que faleceria em 1991.

Com Vivian Campbell (ex-Dio e Whitesnake) assumindo a função, o Def Leppard segue na ativa até hoje. Rick Allen continua superando barreiras com estilo único de tocar. Sua história inspira pessoas em todos os cantos do planeta.