Bill Hudson: BR bangers são persecutivos e têm baixa autoestima
Por Nacho Belgrande
Fonte: Playa Del Nacho
Postado em 23 de maio de 2014
O guitarrista brasileiro radicado nos EUA BILL HUDSON [CELLADOR, CIRCLE II CIRCLE, VITAL REMAINS] esteve no Brasil recentemente para workshops e apresentações e pôde, baseado em constatações feitas a partir de sua interação com o público local, traçar uma perspectiva bastante pertinente de como funciona a cena do rock pesado em nosso país e o que impede a cena de ganhar força e ser mais organizada.
Hudson foi gentil o bastante para, ao longo do último fim de semana, conceder esta longa entrevista para o PLAYA DEL NACHO a partir de sua residência em Los Angeles, e seu parecer sobre o quadro musical e cultural do país – analógico ao momento sociopolítico da nação como um todo – é bastante contundente.
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Você tem idade suficiente para se lembrar da ascensão e estabelecimento de alguns nomes do Brasil no cenário internacional, como o Sepultura e o Krisiun, assim como o completo e absoluto naufrágio de outras bandas nacionais que investiram muito na tentativa de se lançar internacionalmente, pagando grandes nomes para aparecerem em seus discos e shows e discos e se endividando para viabilizar precárias pseudoturnês pela Europa. A seu ver, na privilegiada condição de músico brasileiro que não toca música tipicamente brasileira e radicado há tanto tempo no exterior com reconhecimento de músicos de porte no meio do Metal, o que determina o êxito ou o fracasso de um músico de Metal brasileiro perante o público estrangeiro?
Na verdade, comecei a gostar de música em 1993, quando o Sepultura já era estabelecido e todo mundo tinha uma cópia em vinil de ‘Arise’. O Krisiun, para você ter uma ideia, eu só fui ouvir falar aqui nos EUA, bem como o Hibria [a minha banda preferida dentre as do Brasil]. Então eu não cheguei a assistir a ascensão de banda nenhuma, assim em tempo real.
Porém, você está certo, eu assisti TODAS as outras bandas tentarem e naufragarem. Essa situação foi EXATAMENTE o que me fez querer sair do Brasil, uma decisão pelo qual eu me dou parabéns por ter tomado todos os dias [risos]!
A meu ver, em qualquer lugar no mundo, fora o Brasil, você precisa das mesmas coisas: talento, determinação e os contatos certos. Se você trabalha duro, consegue. Fora do Brasil, ninguém está preocupado com "de onde você e", e sim o que pode trazer para qualquer situação profissional. Em MENOS DE UM ANO morando nos EUA, eu já estava no cast da Metal Blade Records e com patrocínios das principais marcas do mundo. Com 2 anos aqui eu já tinha rodado o mundo em turnê e dividido o palco com o HEAVEN AND HELL no Japão. Sempre fui pago pelo meu trabalho. NUNCA paguei pra tocar, NUNCA paguei para ter exposição que não fosse merecida e bancada por uma gravadora e parte de uma campanha de marketing.
No Brasil, um músico brasileiro é sempre isso: um "músico brasileiro", no sentido de não poder nunca estar no mesmo "nível" que os que não o são. Por isso eu digo que o que determina o êxito ou fracasso para um brasileiro é o mesmo para um coreano, sueco ou japonês. Trabalhe duro e conseguirá. Fique em casa falando besteira na internet e não conseguirá. Só que se o cara for brasileiro, é muito melhor ele mudar de país primeiro e fazer uma carreira lá. O Brasil foi o vigésimo nono país que toquei na minha carreira, em ordem. Eu fiz show em Dubai, Japão, toda a Europa e todo o continente Americano, antes de fazer no Brasil. Virou mais um país, ao invés do "meu país".
Porém, entenda que "trabalhar duro" vai muito além de tocar. Tem que ter o visual, estar em forma… não ficar a semana toda bebendo e reclamando da vida. Saiba negociar, conversar com as pessoas. Aprenda outras línguas, estude sobre o business. Seja honesto, não pise na cabeça de ninguém. Pra mim, existe sim uma formula para o sucesso, mas a maioria não segue.
Você saiu do Brasil praticamente anônimo, e em uma década conseguiu tocar pelo mundo inteiro com uma respeitável seleção de bandas e projetos. Você investiu na divulgação de sua habilidade à guitarra quando chegou aos EUA, você já tinha algum contato previamente estabelecido ou simplesmente deixou que seu trabalho falasse por si próprio?
A única coisa que eu havia feito no Brasil tinha sido um projeto chamado THE SUPREMACY que tinha um baterista inglês que na época havia saído do HELLOWEEN, Mark Cross, bem como um tecladista holandês, Joost Van Den Broek, que depois acabou entrando no AFTER FOREVER e hoje atua como produtor e compositor no ReVAMP. Isso foi em 2004, mas eu já sabia exatamente como tudo funcionava no Brasil. A formação dessa banda tinha outros músicos extraordinários do Brasil, como Fernando Giovannetti [MAD OLD SENHORITA, ex-AQUARIA, ex-GLORY OPERA] e Rafael Gubert [AKASHIC], caras com tanto [ou mais] talento que os "gringos" e que continuam na mesma posição de 10 anos atrás.
Isso me deu algum respaldo para conseguir contatos, via internet mesmo, que me possibilitaram vir aos EUA. O principal deles foi com a minha primeira banda, o CELLADOR, que havia acabado de assinar com a Metal Blade Records e precisava de um guitarrista. Começar de uma banda assinada realmente foi uma ajuda tremenda, mas no fim da história, eu deixei meu trabalho falar por si próprio. Sempre soube que tinha talento e confiança para chegar onde queria. Nunca tive dúvidas de que conseguiria o que sonhava, mas eu precisava estar em lugar diferente, pois enquanto soubessem que eu tinha sido criado em São Paulo, ninguém no Brasil ia me apoiar… e sem apoio de casa, não se vai pra fora!
Cheguei aos Estados Unidos com quase 20 anos com a ideia de que minha carreira estava começando do zero, independente do que eu tinha tentado no Brasil até então.
Você acha que essa postura colonizada do povo brasileiro em sua absoluta maioria de precisar se ver pelos olhos do estrangeiro, ou da metrópole, e começar a apreciar seu próprio valor somente depois que o gringo o reconhece é uma doença psicossocial irreversível ou um adianto para que artistas mais esclarecidos se destaquem quando se propõem a imigrar para outro país com real tradição no rock pesado e se estabelecer por lá?
"Doença psicossocial irreversível" é talvez a melhor definição do que acontece no meio metal do Brasil que eu já ouvi. Será que posso usar esse termo daqui pra frente? [risos]
Veja, estou digitando essas respostas do meu estúdio em Los Angeles. Estou gravando umas demos para um novo projeto que estou desenvolvendo com o David Vincent [MORBID ANGEL]. Hoje é meu primeiro dia de volta em casa depois de 5 semanas no Brasil. Nesse tempo, percebi algumas coisas sobre o Brasil e essa necessidade de aprovação de fora, o que é bem triste, pois temos, na minha opinião, os melhores músicos do mundo no tocando no rock e heavy metal.
Já fui ao Brasil em turnê por duas vezes, em 2012 com o VITAL REMAINS e em 2013 com o CIRCLE II CIRCLE. Ambas são bandas muito estabelecidas no seu estilo, e ambas tiveram seus maiores públicos em São Paulo [coisa que duvido que saibam por aí]. Em ambos os casos, as pessoas vinham falar comigo em inglês. Sempre fiz o meu melhor para deixar claro que era brazuca, como eles. Pagava bebida pra galera, tirava trocentas fotos, etc. Mas eu acho pessoalmente, que passaram a me tratar diferente por isso. Para o brasileiro, o mero fato de a pessoa ser de lá faz dela menos importante, o que é muito triste. Não estou dizendo que quero ser tratado melhor, mas a verdade é que senti a diferença entre quando as pessoas achavam que eu era estrangeiro e quando perceberam que não era. Realmente é meio esquisito para mim, e um fenômeno 100% brasileiro.
Compare isso com, digamos, a Suécia. Os artistas de lá fazem suas maiores turnês em seu país natal. A turnê de verão do SABATON será em ESTÁDIOS. Cara, qual foi a última vez que você ouviu de uma banda de Power Metal lotar um estádio? Com UDO DIRKSCHNEIDER como abertura?! Bandas suecas têm publico de 5 – 8 mil na Suécia enquanto fora, 1500 – 3000. Eles pensam exatamente o contrário do que o pessoal no Brasil!
No meu caso, das 3 turnês comemorativas de discos do SAVATAGE que já foram feitas [em ordem, 2011 com "Hall of The Mountain King", 2012 com "The Wake of Magellan" e 2013 com "Edge of Thorns"], eu fui guitarrista em duas. A próxima, que será a de "Streets", eu também farei. São 3 de 4 turnês, com os membros originais [Zak Stevens e Jon Oliva]! Toquei mais SAVATAGE nos últimos 3 anos que qualquer guitarrista. Mesmo assim, todas as vezes que saí em qualquer publicação de metal do Brasil ou foi por que você me colocou, ou o Guilherme Spiazzi da Roadie Crew, que conhece a minha carreira, pois morou 12 anos nos EUA! O Ricardo Batalha, o Julio Feriato e o Vinicius Neves já me abriram um espaço legal em seus programas de TV também, mas é uma coisa bem rara de acontecer.
Se algum outro membro de qualquer dessas bandas aportasse no Brasil, haveria um puta fuzuê e coletiva de imprensa, etc. Então eu sinto isso na pele, meu amigo!
Não acho que isso seja um adianto de forma nenhuma… Isso na verdade deveria mudar. Mas não vai, então, pra mim virou algo com que eu tenho que conviver e seguir minha vida.
Verdade seja dita, a cena brasileira do Metal é bem pequena em proporção ao tamanho do país, e não há nada de errado nisso, dado que se trata de um movimento bastante alheio à realidade cultural do país, bastante diversificada e heterogênea demais para que um gênero ou sub-sub-sub-gênero acabe se destacando comercialmente. Você acha que a essa cena já diminuta perde força por ser irremediavelmente desunida e sem recursos, ou acha que a concentração de uma panelinha da mídia dedicada ao metal, mais especificamente em São Paulo é o que torna o Metal brasileiro um ‘jogo de compadres’ e um ambiente propício para a cultura do jabaculê? Ou as duas coisas?
Isso pra mim é simples: o Brasil é um país historicamente corrupto. Quando o país foi descoberto, fomos colonizados por católicos romanos e padres jesuítas. Os europeus que colonizaram a America do Norte iam para lá de livre e espontânea vontade, baseados apenas no fato de suas ideias religiosas serem diferente das da Inglaterra. Já para a América Latina, vinham os condenados a penas forçadas na Espanha e Portugal, que tinham a escolha de ser enviados para o novo mundo ao invés de cumprir suas penas. Em outras palavras, bandidos.
[an error occurred while processing this directive]Os nossos escravos também não eram os mesmos escravos que o resto do mundo importava da África. Chegavam aqui os que eram vendidos como escravos pelos seus próprios chefes tribais ou eram fracos o suficiente para serem capturados vivos pelos negreiros.
Toda essa gente vindo para uma terra estranha, depois de terem cometido crimes em seus países chegou aqui e teve que seguir um conjunto de regras baseado apenas na religião de um conjunto especifico de padres! A sociedade em que vivemos hoje, em todos os sentidos, é simplesmente um reflexo, para não dizer, uma evolução disso. Ainda seguimos os valores de certo e errado daquela época. Porem, crime e corrupção sempre existiram, e no Brasil sempre foi o caso com todo mundo! A corrupção não esta só no governo! Isso é o que o povo gosta de acreditar! Nunca foi diferente, LITERALMENTE desde que o pais foi descoberto.
Acho engraçado quando vejo o povo reclamar da corrupção na política, etc… mas fazem as mesmas coisas. Os políticos são corruptos, sim! Mas quem não o é? Quando você usa carteira de estudante para pagar meia sem estudar, está sendo corrupto! Quando paga uma merda para os seus empregados e não os registra, está sendo corrupto! Quando está sonegando impostos, está sendo corrupto! Quando está assaltando, está sendo corrupto! Por que você acha que no Brasil não vinga a ideia de "free refills" em restaurantes? Eu vi começar e ser tirado em duas semanas enquanto estive no Brasil de uma loja do Bob’s. Todo mundo no Brasil, em toda fatia da sociedade, ajuda apenas aos amigos e partes do seu grupo social e quer tirar vantagem dos outros.
[an error occurred while processing this directive]Mas por que falo tudo isso? Para dizer que, obviamente, o ambiente no Brasil é MUITO propicio para o "jogo de compadres" que você menciona. Ora, se a nossa sociedade está envenenada pela corrupção em TODOS os níveis, porque seria diferente na indústria da música? Da mesma forma que há desgraçados que param na vaga de deficiente sem serem deficientes, tem governante dando nota fiscal de $1.5 milhões por um serviço de $4,700. Olha essa piada de Copa do Mundo e quanto dinheiro já foi roubado. Muita gente enriqueceu, e foi pelo "jogo de compadres" da política. Por que a música seria diferente? Se o cara pode ajudar o amigo, por que NÃO vai ajudar, ainda que o amigo não seja talentoso? Esse tipo de coisa estagna o Brasil em todos os sentidos, mas esse é o "jeitinho Brasileiro" da qual temos tanto orgulho… ugh!
A mídia especializada em metal no Brasil é formada por certos grupos de pessoas: um monte de fãs querendo entrar em show de graça, mas isso os promotores tiram de letra, pois veem o cara tentando usar o mesmo nome por "publicações" diferentes. O próximo tipo são as garotas que ficam amigas das bandas e do pessoal de revista e faz a ponte. Normalmente isso nada tem a ver com jornalismo, mas com amizade ou outros interesses… E ai vem os caras sérios, mas que ainda assim acham que mandam no mundo. Caras que não deram certo na música, mas se deram muito bem como jornalistas. Essa, infelizmente é a maioria. É a síndrome do zelador que se acha dono do prédio. Isso pode ter sido verdade nos anos 90, quando a Rock Brigade manipulou TUDO para levantar a banda que empresariavam e funcionou. Mas hoje com a internet ninguém mais tem esse poder todo.
Você mora em Los Angeles, lugar que, a partir da segunda metade da década de 70, com o começo do reinado de Eddie Van Halen, tornou-se um epicentro do universo da guitarra elétrica no planeta, onde o nível e a incidência de guitarristas é absurdamente alto, e você ‘tromba’ com shredders em cada esquina. Essa atmosfera chegou a te intimidar no começo, ou você sentia mais estimulado com a competição?
Na verdade eu discordo que se tromba com shredders a cada esquina, pelo menos desde que estou aqui. Sim, há ótimos músicos, mas esse estilo de tocar guitarra já não é popular em Los Angeles faz muito tempo. Na verdade, ele é até visto meio como "brega". Claro, o Musicians Institute está aqui, eu estudei lá quando me mudei em 2005, mas inclusive hoje em dia o currículo de lá é mais voltado ao modern rock, estilo no qual também já desenvolvi alguns trabalhos.
Mas nunca me senti intimidado, pois acho que cada músico traz algo diferente para a mesa. Aqui, há emprego para todo mundo que tenha talento, e, além disso, com a internet e voos baratos, desenvolve-se trabalhos com quem quiser. Eu faço muito mais coisas em Tampa, FL onde passo 3, 4 meses por ano do que aqui em Los Angeles, pelo menos no que tange ao metal. Aqui faço mais coisas de estúdio, trilha sonora para videogames [como METAL GEAR RISING: Revengeance] e trabalhos de composição e produção.
Sua primeira banda nos EUA foi o Cellador, que despontou na cena em pouco tempo, e chegou a se apresentar em festivais do porte do Loud Park japonês. Como você foi parar na banda?
Na verdade foi exatamente assim que eu cheguei aos EUA. Pra ser bem honesto, eu não estava muito preocupado com a música, mas sim, em entrar numa situação que me ajudasse com os trâmites e a papelada para mudar para cá definitivamente. Até aquela época, basicamente a única coisa que eu sabia tocar era Power Metal [o chamado Metal Melódico, no Brasil] e esse estilo simplesmente não existe nos EUA.
Pensei como oferta e demanda: se eu achar uma das poucas bandas de Power Metal nos EUA, posso me destacar e conseguir outras coisas por isso. Foi precisamente o que aconteceu, já que o CELLADOR havia acabado de assinar com a Metal Blade Records e logo depois postar um anúncio procurando por um guitarrista.
Escrevi para a banda, via MySpace, me oferecendo para o cargo. Conversamos online, fiz algumas audições via MP3 e finalmente, quando a banda me deu o OK, voei para Omaha, NE onde moravam e fiz o teste. Me dei muito bem com os caras e ai sim vi que seria uma puta experiência! Tenho ate hoje a capa do "Enter Deception" tatuada no meu braço direito! Foi uma época muito boa na minha vida! Fizemos varias tours legais como BULLET FOR MY VALENTINE, TRIVIUM e ALL THAT REMAINS, alem de ter tido a oportunidade de dividir o palco com o DIO no Japão quando tocamos com o HEAVEN AND HELL.
Uma vez aceito pela banda, fixei residência na cidade. Isso aconteceu em 2005 e permaneci em Omaha ate 2008.
Sendo o Cellador um grupo estadunidense, que vive em um clima atmosférico diferente, num país de cultura diferente, com necessidades e objetivos diferentes dos artistas brasileiros, você sentiu muita diferença na abordagem das composições, na temática do grupo em geral?
Absolutamente. A abordagem da temática e música do CELLADOR eram muito mais "extremos", já que nos EUA o pessoal e mais agressivo em geral. Eles mesmo se chamavam de "Extreme Power Metal". A ideia é mais ser "mais pesado, mais rápido que as outras bandas". Isso funcionou muito para o METALLICA quando apareceu haha!
Me lembro de conversar com pessoas da gravadora e sugerir alguns produtores que eu conhecia da Europa para o disco, e eles não queriam, justamente para "não soar como os Europeus". Acho que o CELLADOR era um bom exemplo de o que o "Power Metal Americano" seria, se existisse. Havia bastante preocupação com peso e velocidade, enquanto no Brasil dá-se muito mais valor a melodia. Acho inclusive que essa diferença entre as duas abordagens me ajudou a começar a apreciar estilos mais extremos de metal.
Ainda em seus dias de Cellador, você começou a desenvolver uma relação hoje bastante sólida com a revista GUITAR WORLD. Como foi que surgiu a possibilidade de você tecer a coluna ‘Betcha Can’t Play This’ pela primeira vez e como é que rola a pauta a cada coluna em texto e vídeo hoje em dia? Quem seleciona o material sobre o qual você discorre?
Na verdade, na época do CELLADOR, foi tudo coisa da gravadora, mas eu tinha deixado claro pra eles que eu queria começar a fazer coisas assim, direcionadas ao publico guitarrista, já que parecia que o metal Americano estava "descobrindo as outras 3 cordas da guitarra" por assim dizer. Conheci todo mundo assim.
Hoje em dia, eu tenho um editor e quando tenho tempo, faço o material e envio para ele. Ele os envia para as revistas e seus editores escolhem. Para falar a verdade, não sei muito sobre os inner workings disso.
Em 2008 você juntou-se ao Circle II Circle, de Zak Stevens, conhecido de todos pelo seu trabalho no Savatage. As suas colaborações com Stevens já constituem um currículo razoável por si, sinal de entrosamento e afinidade entre vocês. Como um tomou conhecimento do outro?
Em 2007, o CELLADOR tocou no ProgPower, o maior festival do estilo nos EUA. Era um sonho que eu tinha desde adolescente. Naquele ano, eles convidaram o Zak para cantar na All Star Metal Jam, que era o "headliner" do ano. Todos os músicos que participaram do festival cantaram/tocaram covers clássicos. Quando vi Zak no camarim, pedi para tirar uma foto com ele. Como fã mesmo, e expliquei que estava tocando no festival. Eu amava SAVATAGE quando era adolescente. No único vídeo do show deles no Monsters of Rock 1998, você consegue me ver no público, do alto dos meus 12 anos! Foi a primeira vez que estive num estádio.
Zak então me disse que tinha visto nosso show e gostado muito da banda. Tomamos algumas juntos e mais pro fim da noite, criei coragem e disse para ele: "Veja, se um dia precisar de um guitarrista para o CIRCLE II CIRCLE ou qualquer projeto, esses são meus contatos".
Mais ou menos uma semana depois, recebi uma mensagem do Zak no MySpace e o resto e história!
A sua turnê com o Circle II Circle entre 2008 e 2009 foi a mais longa que você já fez como músico? Você tem alguma memória em particular que tenha lhe marcado mais ao percorrer tantos lugares em tão pouco tempo? Alguma cultura ou sociedade lhe impressionou ou chocou por algo?
Olha, pra ser bem sincero eu não lembro qual foi a mais longa, pois em 2012 acho que fizemos mais shows, porem eu intercalei com outras duas turnês. Passei de Maio a Novembro basicamente viajando em 2012 e todo o verão de 2013 também!
Olha, para mim, nada se compara a DUBAI, nos Emirados Árabes, onde toquei com o CIRCLE II CIRCLE em Novembro de 2012. Eu sabia que "todo mundo era rico" lá, mas não tinha ideia de como eram. Os prédios, as pessoas, os hotéis, a casa… tudo é perfeito lá. Nunca vi um lugar tão absurdamente impressionante como aquele.
Também gostei muito da Romênia, mas por um motivo diferente: NÃO HÁ mulheres feias. Estou falando 100% sério. Desde a moça da limpeza até as garotas no show, e garçonetes, todo mundo. Andando pela cidade, em shoppings, na rua… qualquer garota da Romênia poderia ser modelo na Europa Ocidental e no Brasil. Pelo mesmo motivo gosto muito da Suécia também. Tocamos num festival chamado Rockstad: Falun feito pelo pessoal do SABATON. O tratamento foi melhor nesse festival quem em qualquer outro… em todos os sentidos [risos]!
O Japão é claro, outro mundo… sempre digo que se pudesse, só tocaria no Japão pro resto da vida!
Você, até pela idade, teve seu interesse pela guitarra despertado pelos grandes nomes de seu tempo, Slash e Kirk Hammett, mas quem lhe conhece sabe que você sempre teve um ouvido aberto para formas mais extremas de música, como o Death Metal. Em 2011 você excursionou pelos EUA como guitarrista de uma banda escandinava de Death, o Nightrage, da qual outro shredder hoje bastante conhecido por sua entrada na banda solo de Ozzy Osbourne, Gus G, era egresso. A seu ver, o Death Metal é uma vertente musical que se sustenta no extremismo e na inacessibilidade para se manter autêntica em sua essência, ou fatalmente pode chegar a fazer o breakthrough para o mainstream?
Na verdade, Slash foi minha única influência começando a tocar. Eu inclusive falo que até hoje, estou tentando ser o Slash… não cresci e mudei de ideia! Eu cresci ouvindo Metal anos 80, GUNS N’ ROSES, SKID ROW, BON JOVI, POISON, DEF LEPPARD, WINGER, DANGER DANGER, etc. eram minhas bandas preferidas. Por muito tempo eu só ouvi isso, e não ajudou que o meu ciclo de amigos tivesse um gosto similar.
Depois, descobri o Power Metal quando ouvi STRATOVARIUS. Dali, descobri GAMMA RAY, BLIND GUARDIAN, etc… Só fui descobrir o metal mais extremo aqui nos EUA.
Para mim, não existem estilos. Tudo é arranjo. Hoje em dia, uma das minhas músicas preferidas é "Red Lights" do DJ TIESTO. Mas também gosto muito do novo single do BLACKSTONE CHERRY "Me and Mary Jane" e do novo disco do BEHEMOTH "The Satanist". Cada estilo traz um tipo diferente de emoção. Você não pode ouvir SLAYER esperando ouvir partes progressivas cheias de teclado em 7/8, ao mesmo tempo em que não pode ouvir DREAM THEATER tentando abrir moshpit! Cada estilo transmite uma forma de emoção, agressiva ou delicada, e deve ser apreciado com a mesma intensidade, dependendo do momento.
O NIGHTRAGE foi a primeira banda extrema da qual participei e foi justamente pelo que você mencionou, a ligação com o Gus. Dali, percebi que poderia também desenvolver um trabalho assim, sem deixar de ser quem eu sou e por isso acabei em bandas ainda mais extremas depois.
Eu não acho que o Death Metal vá um dia atingir o mainstream, mas o principal motivo é que os fãs não querem. O extremismo e inacessibilidade, a "sourness" ao ouvido são coisas que o público em geral nunca vai apreciar… e não é feito pra isso mesmo.
Recentemente, um cretino brasileiro se certificando como algum tipo de autoridade do Death Metal lhe abordou em público questionando seu envolvimento com o gênero, já que ‘cê num é du défi!’. Esse tipo de postura beócia, tacanha e juvenil existe também entre os fãs estrangeiros, ou predomina de maneira peculiarmente acentuada no Terceiro Mundo?
[Risos] Isso foi no show do OBITUARY, na Clash Club. Depois da apresentação, no camarim, um cara de 2 metros olhou pra mim e perguntou "Não foi você que tocou com o VITAL REMAINS?" e eu respondi que sim, já estendendo a mão para o cara, achando ser um fã. O cara me ignorou e ainda passou a falar várias merdas pra mim e dizer que eu não merecia estar lá. Que me viu tocar com o VITAL REMAINS, mas que eu era falso, que minha ideologia não batia, etc., que eu devia ir tocar "heavy metal" – OBITUARY é o quê? Death não e mais parte de Metal? Chegou a um ponto eu achei que o cara queria brigar comigo, fisicamente… mas o segurança o tirou da casa logo e acabou ali.
Ao meu ver, e eu posso estar errado, mas isso é uma coisa EXCLUSIVAMENTE brasileira. Já estive em 34 países e nunca nada do tipo aconteceu. Pelo contrario, já reencontrei muitos fãs e países com bandas diferentes. Toquei em 2 cruzeiros de metal [BARGE TO HELL e FULL METAL CRUISE, ambos são da mesma companhia do 70k TONS OF METAL] e conheci muito fãs que diziam "Te vi no outro navio com o CIRCLE II CIRCLE" após um set do VITAL REMAINS, por exemplo.
Vou lhe perguntar mais sobre a diferença entre o público brasileiro e o do resto do mundo, sinta-se à vontade para divagar o quanto quiser, já que eu sei que você não tem nada de chapa branca e fala o que lhe vem à mente. É cansativa, pífia, infantil e freudiana a insistência dos ‘roquistas’, aqueles fãs de ambos os sexos que se sentem descaracterizados quando não estão com uma camiseta preta fubenta ou falando mal de outros gêneros musicais em tentar validar seu próprio gosto, e, assim acharem, pelo simples fato de reclamarem da predominância de outros estilos – devido à competência e senso de administração e organização – merecem algum tipo de respeito ou são pertencentes a um nível cultural superior. Essa casta de poseurs existe em todo canto, e se reproduziu muito com a internet. Você acha que essa categoria de populacho é igualmente lanzuda no Brasil e no além-mar, ou considera que a atividade abeutalhada desenvolvida por eles aqui tem mais gravidade, uma vez que o movimento é desestruturado e carente de credibilidade?
Olha, eu notei um fenômeno interessante ao longo dos anos: o público roqueiro mais assíduo, especialmente do heavy metal, sofre de um tipo de mania de perseguição que eu não vejo igual em nenhuma outra fatia da sociedade! Embora no Brasil a coisa seja um pouco mais triste, como o cidadão da pergunta anterior, isso acontece no mundo inteiro. Eu acho que grande parte dos fãs desse estilo são pessoas com outros problemas na vida, a grande maioria [como eu mesmo] por ser diferente na escola, etc. Isso gera uma sensação de "eu não queria que gostassem de mim mesmo…" o que gera a necessidade de isolamento e de só se relacionar com outras pessoas de mente similar. Misery loves company.
Então, para mim, o fã de rock/metal vê a música como uma competição. Acham que as pessoas que não gostam do estilo e porque não entendem, porque são "incultas", etc. Mas a verdade é que muito da estética do rock/metal como distorção, acordes sem terça [Power chords], bateria rápida, partes técnicas vai exatamente ao oposto do que a maioria das pessoas QUER ouvir. Isso não faz das outras pessoas piores, apenas diferentes. Eu ouço de SWEDISH HOUSE MAFIA a GORGOROTH, passando por MAIDEN, SEU JORGE, METALLICA, AVENGED SEVENFOLD, BLIND GUARDIAN, BEZERRA DA SILVA, BON JOVI, SEPULTURA, KELLY CLARKSON, A DAY TO REMEMBER, JAMIROQUAI e BEHEMOTH. Porem, essa é a música que eu ESCUTO… como fã de música. A minha personalidade e a minha vida não tem nada com isso. Mas sei que quando adolescente que não se dava com ninguém na escola, eu fui assim. Lembro-me quando era moleque e falava que quem não conhecia YNGWIE MALMSTEEN não merecia ser meu amigo, [risos]! Bons tempos aqueles!
Música é uma forma de arte. Como tal, não existe "certo e errado". A maioria das pessoas não pensa em música 24h por dia. Elas têm empregos, obrigações, e na maioria das vezes, estão interessadas em outros tipos de hobby. Já o publico de rock/metal, VIVE pra isso. A maioria não tem nem problema em dizer que "Metal é um estilo de vida" e outras coisas. Então, quando algo é assim importante pra você, você vai defender com unhas e dentes, levando tudo para o lado pessoal. Não é diferente, no Brasil, com o futebol. Se eu torço pelo time A, isso não significa que você torcer pro time B faz de você pior pessoa. Podemos ser amigos torcendo por times diferentes, certo? Para quem está na música, isso é normal. Já os mais fanáticos matam, brigam, ficam sem se falar em família, por causa dos seus times. Acho que no Brasil isso se traduz na música também. Existem várias histórias de pessoas entrando em brigas porque o outro não gosta de IRON MAIDEN, ou por estar com uma camiseta do GREEN DAY [ou qual for a banda que os gênios do metal odeiam na época]. O brasileiro, além de se segregar como o resto do mundo, acha que todo mundo está CONTRA eles. Já viu quantas pessoas fazem Memes do tal do CHIMBINHA? Eu nem sabia quem era o cara… fui atrás de tanto ver falarem dele. DUVIDO que o CHIMBINHA se importe se ele é melhor ou pior que alguém. Ele está preocupado em fazer a música dele, e foda-se. No fim da história, muito mais gente vai ver o CHIMBINHA tocar do que esses caras que falam mal dele, essa que é a verdade.
Imagina se começasse a haver esse tipo de atitude, por exemplo, quanto a pintores: "Ah aquele cara gosta de Monet, nunca vai ser meu amigo" [risos].
Mais uma vez com Zak Stevens, você participou de um álbum altamente subestimado, a meu ver, ‘Ancient Rites Of The Moon’, do projeto Stardust Reverie [que também contava com Graham Bonnet, Lynn Meredith, Zuberoa Aznarez e Melissa Ferlaak]. Em uma das faixas, ‘Song For Catina’, você arrebenta num solo que captura toda a essência e vibe da música, que foi composta para a esposa do idealizador do projeto. Aquele solo já vinha se elaborando na sua cabeça ou ele foi concebido especialmente para aquela música, depois de ouvi-la?
Na verdade, foi feito para a música. Tudo que recebi do idealizador do projeto foi um MP3 com bateria e guitarra guias. Eu fui "tocando e gravando" [risos], meu engenheiro para aquela participação foi o meu grande amigo e produtor Carlos Ceroni e gravei ai no Brasil durante o tour do CIRCLE II CIRCLE. Achei que o resultado final ficou legal pra caralho, além de agora eu poder me achar o fodão, pois estou num disco com o Graham Bonnet!
Você agora se prepara para tocar o álbum ‘Streets – A Rock Opera’ na íntegra com o Jon Oliva’s Pain. Até onde eu saiba, essa ocasião será a primeira na história em que o álbum será tocado inteiro ao vivo [nota: até onde se preveja, haverá apenas uma apresentação de ‘Streets’, no vindouro festival ProgPower dos EUA em Setembro], procede? O que já foi determinado para esse show? A plateia ouvirá a execução da edição original do disco de 1991, ou o remaster de 2013, com trilhas de narração e 31 faixas no total? Ele será gravado em áudio ou vídeo para algum tipo de lançamento?
Estou muito empolgado com isso! Inicialmente, íamos fazer uma turnê Europeia que teria começado agora em Maio e se estendido ate o ProgPower, em Setembro. Porem, o Jon está absolutamente abarrotado de coisas com o novo disco do TRANS-SIBERIAN ORCHESTRA, bem como o novo do JON OLIVA’S PAIN, então ele preferiu cancelar a turnê. Honestamente, espero que tenhamos a oportunidade de levar esse show para o resto do mundo no ano que vem, já que o set list e simplesmente matador! A versão que vamos tocar e a original, de 1991, pelo menos ate onde eu saiba [risos]!
O ProgPower sempre filma todas as bandas e lança um DVD com algumas faixas. Isso eu tenho certeza que vai sair. Talvez o Jon decida lançar um full length desse show também, mas honestamente ainda não ouvi nada do tipo.
Você também se apresentou com o Vital Remains, e compôs com David Vincent [Morbid Angel] , e até onde sei, chegou a gravar com ele também em um estúdio da Flórida. O que foi feito daquelas sessões?
O VITAL REMAINS foi uma coisa de última hora. Sou muito amigo do Brian Werner [vocalista] já fomos inclusive colegas de casa. Eu estava em Dubai com o CIRCLE II CIRCLE quando me disseram que precisavam de mim para uma mini tour que começaria no navio BARGE TO HELL em Miami e iria direto para o Brasil. A música do VITAL REMAINS foi o maior desafio que já encontrei em termos de dificuldade técnica, e eu tive 3 dias para aprender um set de 6 músicas de 10 minutos [risos]!
Sobre o trabalho com o David Vincent, ainda estamos trabalhando em material. As sessões ainda existem e pretendemos lançar pelo menos um EP antes do final do ano.
Você é patrocinado pela ESP dos EUA, além da Mesa Boogie, Seymour Duncan, Cleartone, pedais FIRE e palhetas InTune. Você participa ativamente do desenvolvimento e dos testes dos produtos dessas marcas, ou apenas dá seu aval pessoal aos projetos que se encaixam melhor ao seu gosto pessoal?
Com a ESP, às vezes fazemos umas coisas, tipo estabelecer minha imagem com a de uma guitarra [como foi o caso da LTD Elite Eclipse]. Também fui escolhido para estar na capa do catálogo deles de 2013, mas não foi por nenhum motivo particular, além deles terem adorado a foto. Com as outras companhias, eu ajudo a promover com fotos, vídeos, sempre falando sobre eles em entrevistas, etc… mas não sou próximo o suficiente de nenhuma delas para dar ideias. Talvez quando eu for mais conhecido! :)
Pra encerrar: você andou exibindo algum material solo na sua coluna da Guitar World. Há o desejo ou plano para um álbum solo com convidados especiais, a exemplo do que Slash fez? Já colocou data nisso?
Sabe, eu falo com amigos da indústria sobre isso diariamente. Eu sou o cara mais trabalhador do mundo quando estou em grupo, mas, para fazer coisas só para mim, eu demoro muito! A [faixa solo de Bill] E.G.O. já foi lançada há 2 anos! Tenho muitos amigos que poderiam fazer participações, em todos os estilos, e seria um disco muito foda!
Espero que esse ano eu faça algo nesse sentido, já que tenho o verão para compor. Ainda não existe uma data, nem nada do tipo, mas esta nos planos com certeza!!
Bill Hudson pode ser contatado através dos seguintes perfis em redes sociais:
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