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Rock Nacional Anos 80: Três preciosidades que você precisa conhecer

Por Paulo Faria
Fonte: Paulo Faria
Postado em 07 de maio de 2020

LEGIAO URBANA, TITAS, PARALAMAS DO SUCESSO, BARAO VERMELHO, RPM, KID ABELHA, BLITZ, ULTRAJE A RIGOR, ENGENHEIROS DO HAWAII são algumas das bandas dos anos 80 que formavam o batalhão de frente do rock nacional, elevando-o ao patamar da cultura pop e de consumo da época, eternizando-o na história da nossa música. Embora estes tenham sido os campeões de vendas e exposição, existem outros grupos gestados no mesmo seio, e que embora não tenham obtido a mesma sorte de se manterem por muito tempo com a mesma solidez de seus pares, pelo menos deixaram verdadeiras relíquias de qualidades irrefutáveis. É o que proponho aqui: falar de três discos distintos de três grupos diferentes dos anos 80 que poderiam estar emoldurados em quadro de ouro dentro da história do nosso rock.

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Em 1978, surgira em São Paulo uma banda de rock progressivo/experimental chamada A GOTA, e mais tarde rebatizada de A GOTA SUSPENSA. A turma, devido ao apelo que ganhara tocando em festivais de música pela cidade na época despertou a curiosidade de um produtor e o grupo chegou a gravar um LP, e embora não tenha alcançado grande sucesso comercial, adquiriu alguns admiradores ganhando o status de "cult".

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Em 1984, com o relativo sucesso do LP, a banda reformula sua formação, sua sonoridade, rebatiza-se como METRÔ, e um ano depois lança o megassucesso "Olhar", contendo um apanhando de hits. Nessa época, a banda era composta por quatro amigos franco-brasileiros que estudavam juntos no Lycée Pasteur, colégio francês de São Paulo - dentre eles a simpática e linda Virginie Boutaud, atriz e ex-modelo -, e mais um integrante argentino, Dany Roland.

O disco foi um sucesso comercial: a banda caiu na estrada tocando praticamente todos os dias da semana; foi tema de abertura de novela, obteve uma música - "Johnny Love" - inserida no filme "Rock Estrela", de Lael Rodrigues, e ainda deu uma palhinha aparecendo no mesmo. Virginie Boutaud foi elevada a "princesinha do pop", e o grupo durante quase dois anos se manteve na ativa indo a todos os programas televisivos da época. E o que tem de tão interessante nesse disco? Pois bem. Com a mudança de sonoridade, o grupo elevou ao máximo o termo "new wave". O METRÔ é eternizado como o maior representante do Synthpop no Brasil, estilo este que fora tão difundido pelo grupo inglês NEW ORDER a partir dos anos 80. Mas não se engane: O METRÔ não foi uma banda de música eletrônica, pelo contrário, foi uma banda de rock que explorou ao máximo todos os elementos do Synthpop e da New Wave.

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Este disco é provavelmente o que melhor foi produzido em estúdio na época. A mixagem aglutinou de tal forma os instrumentos que por vezes não se consegue identificar a guitarra com reverb, chorus, delay junto aos sintetizadores. A criatividade nos arranjos dá a tônica do álbum, sempre orientados pelos teclados. Os sintetizadores têm uma textura intensa, pulsante, que segmenta todo o disco, porém, é perceptível o fato da bateria soar genuína, forte, não tão artificialmente como se ouve em discos do A-HA, por exemplo; e no meio, a doce voz de Virginie. Ouça o álbum em um mini system dentro de um quarto fechado e perceba o quanto as profusões de sons dos diferentes instrumentos oriundas do disco ecoam. O que bandas como THE KILLLERS ou CSS fazem hoje, décadas depois, você pode ouvir muito bem no disco "Olhar" do METRÔ. DINHO OURO PRETO (CAPITAL INICIAL), na metade dos anos 2000 numa entrevista para a 89 Revista Rock, chegou a comentar "que a música Sândalo de Dândi [4ª faixa do disco "Olhar"] era a maior representante da New Wave brasileira". E ele está correto. A música é a que melhor define o primeiro disco do METRÔ, bem como a new wave em si.

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Mas no disco ainda existem a faixa título que tem um refrão grudento com um solo majestoso de guitarra no final, e tem também músicas como "Solução" e "Cenas Obscenas", músicas mais diretas, dentre outros petardos.

Mas o que aconteceu depois? Então, como não poderia deixar de ser, toda banda de rock tem que ter lá sua historinha. Em uma entrevista para o Canal Multi Show, no começo dos anos 2000, a cantora Virginie confessou que "o sucesso foi tanto que a superexposição do grupo acabou implodindo-o, e que por eles serem jovens demais na época não souberam administrar a grana nem o sucesso". Ela conta ainda sobre as críticas que o grupo sofreu por conta de suas letras. Segundo a cantora, as pessoas questionavam: "como vocês podem cantar temas tão inconsistentes em pleno processo de abertura política?". De fato, as letras da banda neste trabalho são um tanto quanto bobinhas. Mas quem disse que eles tinham a obrigação de ter algum engajamento político em sua arte? E os temas das letras eram apenas um detalhe perto da riqueza musical do álbum. De toda forma, Virginie se desligou do grupo, mas pela internet é possível encontrar outras versões sobre o rompimento da vocalista, porém, não é possível afirmar a veracidade: a banda queria se distanciar daquele estilo, e, portanto, dispensou a cantora contratando outro, um músico português que atende pelo nome de Pedro d'Orey. Com este novo vocalista, gravou o segundo LP "A Mão de Mao", em 1987. LP este totalmente diferente do primeiro. Essa versão até faz sentido pois o disco é tão estranho, mas tão estranho, que "alternativo" é eufemismo pra "esquisito". Mas isso é uma história pra outro artigo...

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LEONI, que integrou o grupo KID ABELHA, HERÓIS DA RESISTÊNCIA e posteriormente resolveu seguir carreira solo, não é apenas um excelente compositor. O rapaz foi um dos impulsionadores da música pop nos anos 80 e ajudou a levar o KID ABELHA a ser campeão de vendas logo no primeiro lançamento, em 1984. O primeiro LP, "Seu Espião", parecia mais uma coletânea de hits que um álbum, graças aos temas amorosos e melodias pop criativas, compostas principalmente por LEONI, que também tocava contrabaixo e cantava em algumas músicas.

Após sua saída conturbada do grupo KID ABELHA, LEONI montou o HERÓIS DA RESISTÊNCIA, assumindo as composições, o contrabaixo e as vozes. Nos dois primeiros LP's que a banda lançou, em 1986 e 1988, nada de novo no front: excelentes canções pop naquela levada new wave da época que era quase obrigação pra qualquer grupo oitentista e as excelentes letras do vocalista que falavam das dores de amor juvenis sem soar piegas.

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Quando no final dos anos 80 o fim daquele ciclo era iminente, várias bandas optaram por ser meras cópias de si mesmas a fim de se manterem na ativa; outras procuraram inovar para se salvarem. Era o "desespero". LEONI procurou ir pelo segundo caminho como bem afirmou ao jornalista Ricardo Alexandre no livro "Dias de Luta".

E qual foi esse caminho? LEONI deixa de lado toda sua verve new wave, e junto com seus colegas de banda elabora um disco na qual flerta com o hard rock. Neste disco, intitulado de "Heróis Três", o que se tem são riffs e solos classudos de guitarra elaborados com maestria pelo guitarrista Jorge Shy e um amadurecimento perceptível nas composições: tanto na parte instrumental quanto nas letras. Nas letras ainda está lá o romantismo de LEONI, porém, dessa vez, muito mais subjetivo e poético; além disso, o vocalista experimenta atacar na direção da politização e de lá saem temas como "Diga Não" e "Rio". É o melhor álbum do HERÓIS DA RESISTÊNCIA, e este que vos escreve o coloca dentro dos 10 melhores discos do rock brasileiro de todos os tempos. O disco foi lançado pela Warner Music em 1990 e deu no que deu: não deu em nada! As rádios tocaram na época "Diga Não", "A Canção da Despedida" e a banda até apareceu no programa da Xuxa tocando, digo, fazendo playback da música "O que eu Sempre Quis", mas foi só. Logo depois a banda se dissolveu, LEONI pulou pra carreira solo fazendo exatamente o que ele faz hoje em dia, e o que ficou foi o registro de uma obra-prima de pouco mais de 30 minutos que poucos conhecem, mas que figura entre as melhores obras musicais do Brasil de todos os tempos.

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Falar sobre o terceiro disco dessa matéria é realmente um desafio tendo em vista a qualidade, a raridade e a excentricidade deste trabalho dentro do Rock Nacional.

Em 1987 surge no underground paulistano uma galera tocando algumas composições próprias, porém, ainda sem registro fonográfico. O nome da galera: Daniel Benevides (vocais, letras e gaita), Celso Pucci (guitarra), Jair Marcos (baixo), Thomas Pappon (guitarra) e Walter Silva (bateria) - os 3 HOMBRES.

A proposta da banda era tocar rock 'n' roll e chegou a gravar algumas canções para um álbum que se chamaria "Você no Oeste", em 1989. Mas a gravadora não se interessou em finalizar o LP e o projeto foi abortado. Depois disso, o fundador da banda Thomas Pappon decide sair, porém, o grupo continuou compondo e conseguiu inserir algumas canções em coletâneas da época. Em 1993 (já com algumas alterações na formação da banda), Luiz Calanca do Selo Baratos Afins resolve produzir e lançar no até presente momento o único disco dos 3 HOMBRES, "De Volta ao Oeste", resgatando todo o material até então fragmentado nas já citadas coletâneas.

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O disco é de uma preciosidade única: a banda bebeu da fonte do rock''n'roll sulista norte-americano (o country rock), do folk, do Rhythm & blues e jogou ao mundo o que por aqui se convém chamar de "rock rural". E põe rural nisso! O álbum é tão forte tematicamente, que ao ouvi-lo, na sua mente surgem imagens daquele sol escaldando, estradas empoeiradas, boteco no meio do nada, e você ali sentado tomando uma "gelada". Se você, assim como eu, tem ou já teve alguma ligação com a zona rural: sítio, fazenda, estradinhas de terra, casinhas antigas, pasto, curral de boi, etc. provavelmente esse disco vai te remeter ao que descrevi acima. Se não, pode facilmente te remeter àquelas imagens de filmes americanos dos anos 70: forasteiros seguindo por estradas desérticas para chegar a alguma taberna (Saloon?) de alguma cidadezinha fantasma ou algo do tipo.

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Só pelo título, "De Volta ao Oeste", dá pra ver que se trata de uma obra totalmente conceitual. E este conceito engloba tudo: a capa, o título, as letras, a cadência, a musicalidade guiada pelo contrabaixo, guitarras secas e gaitas (presentes em quase todas as faixas), e o vocalista que canta como se estivesse bêbado. Eu considero "De Volta ao Oeste" tão completo que toda vez que ouço me dá vontade de pegar umas cervejas, ir para o alto de um morro e ficar lá de boa apreciando a paisagem bucólica. É quase o mesmo efeito quando me ponho a ouvir LYNYRD SKYNYRD.

Como curiosidade, Celso Pucci, o guitarrista, foi jornalista, colaborador da extinta revista BIZZ e do jornal O Estado de S. Paulo, além de já ter integrado também as bandas FELLINI, VERMINOSE e VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA. Morreu em 2002. O baterista Sergio Alaune, que substituiu Walter Silva antes do lançamento de "De Volta ao Oeste", morreu em 1995.

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Sobre Paulo Faria

Paulo Faria tem um montão de anos; é um amante do cinema de horror, literatura e rock 'n' roll. É professor por formação, humorista por conveniência, músico por obsessão e escritor por aspiração.
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